A Hora de Partir…

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Em determinados momentos, a lucidez pede-nos para sairmos do lugar, da situação em que estamos, quando já não conseguimos fazer mais nada…

Creio que todos nós já passamos por situações semelhantes. Quanto maior é nosso esforço para fazer o bem, tanto maior é o mal que acaba ocorrendo. Nossa intenção era boa e havia em nós uma verdadeira generosidade e compaixão, mas mesmo essa energia acabava sendo utilizada com finalidade destruidora. Essa é a nossa grande dificuldade quando nos deparamos com alguém perverso.Na expressão do Pai Nosso – livra-nos do mal -, o texto em grego traz a palavra poneron, que significa o perverso. Livra-nos da perversão porque o perverso é aquele que se serve até mesmo das coisas boas, para transformá-las em mal.

Já encontramos pessoas com este comportamento: elas manipulavam nossas melhores intenções, nossa generosidade. Serviam-se mesmo de nossas nobres atitudes, não só para nos destruir, mas também para destruir nossos familiares e amigos.

A psicologia contemporânea fala-nos que diante de um ser perverso é preferível fugir, evitando entrar em relação com essa pessoa. De fato, independentemente do que possamos fazer, tudo será utilizado de maneira destrutiva.

Neste aspecto, é a mesma mensagem que o Anjo dirigirá a Ló, ‘a sua mulher e ‘as duas filhas: Sai de Sodoma e Gomorra (cf. Gn 19,15). Uma vez fora da cidade, o Anjo diz-lhes: Trata de salvar tua vida. Não olhes para trás, nem pares em parte alguma desta região, mas foge para a montanha, se não quiseres morrer (Gn19,17)

Sai de Teu Passado!

Sai daí! Sai deste ninho de víboras! Em alguns momentos, essa é a situação que encontramos em nossa própria família ou na nossa relação de casal. Então, depois de termos praticado a lucidez, a justiça, a misericórdia, a compaixão, quando nos damos conta de que mais nada podemos fazer, a inspiração que nos é dada é que devemos ter coragem de partir.

Neste caso, é precisamente por isso que nos chega a presença de um Anjo. Quando nos encontramos em situações de tal modo complicadas que temos a impressão de não sermos capazes de superá-las com nossas próprias forças, por estarmos amarrados, dependentes demais. Então, brota de nós uma oração: onde é que eu vou encontrar a força para sair de tal situação?A força de estar sozinho, de entrar no deserto, de não olhar para trás? Eis a resposta: Sai de teu passado!

Creio que, neste ponto, existe uma palavra do Anjo que pode iniciar-nos naquilo que, atualmente, é designado por trabalho do luto.

O que significa viver esse luto? Em vez de esquecermos o que vivemos, devemos considerar o passado como passado. Deixar, de uma vez por todas, de projetá-lo no presente.

Em determinadas situações de nossa vida, sentimos que o passado continua presente, projetando-se em tudo o que acontece conosco. Não conseguimos livrar-nos ele para saborear o momento presente. É como se nosso passado tivesse um peso demasiado grande: o peso do encadeamento das causas e efeitos, que nos impede de ver a novidade do instante presente.

É quando pode chegar a voz do Mestre Interior: Parta!

Cada um de nós pode escutar esta mensagem em diferentes níveis. Pode corresponder efetivamente, ‘a saída de um país, de uma cidade, de um lugar onde a vida tornou-se impossível. Pode referir-se ‘a saída de certos meios, de um círculo familiar ou social que nos sufoca, que impede o crescimento em nós do germe da vida plena. Pode ser também sair de certos pensamentos obsessivos, de certas lembranças compulsivas, para dar um passo à frente.

O Anjo leva-nos sempre a avançar um pouco mais, a dar um passo avante. Nessa situação, todas as palavras que são pronunciadas que são importantes. Em primeiro lugar: sair.

Acolher a força necessária para enfrentar a solidão e o desconhecido. Não olhar para trás; caso contrário, à semelhança do que se passou com a mulher de Ló, pode acontecer que sejamos transformados em estátuas de sal. O sal é um símbolo bastante positivo, É o que conserva a palavra, do mesmo modo que conservamos o peixe no sal.

Mas, em determinados momentos, o passado deve permanecer passado, não devendo ser conservado. Não estou dizendo que deva ser e esquecido. Trata-se da aceitação de que seja passado.

Aquele ser humano que, um dia, cheguei a conhecer, jamais poderei conhecer da mesma forma. Posso, efetivamente, trazer as situações vividas à lembrança, para tirar delas sabedoria e lucidez. Entretanto, devo evitar que esse peso de lembranças venha impedir-me de ver o presente, de entrar em contato com o novo.

 

(*)Extraído do livro “Ao anjos falam” de Jean Yves Leloup pag.39-41

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