A Realidade

1. OS SONHOS

“Um sonho é um sonho em relação à vigília. Mas um sonho é vigília em relação ao próprio sonho. O sonho não é diferente da vigília. A vigília é dupla”  50:76.

Yoga Vasistha (VI: 2.137)

 

Outro mundo real é o mundo dos sonhos, pelo menos enquanto estamos imersos nele. A sua porta de entrada é o relaxamento do corpo físico, tendo em sua indução importantes neurotransmissores, como a serotonina. Durante essa imersão, desconectamos a nossa consciência do nosso corpo físico, com suas sensações, e conectamos o nosso sistema psíquico, com suas emoções e pensamentos, com o sistema psíquico do mundo. No processo de desconexão de nossas sensações físicas, geralmente distorções delas ocorrem, de forma que, por exemplo, um latido ouvido pode ser percebido pelo corpo físico como uma sirene. Podem ocorrer também outras sensações físicas como: o levitar, o voar, o cair, ficar imobilizado ou desdobrar-se (ver o próprio corpo dormindo). Essas sensações ocorrem pelo afastamento do corpo energético de seu corpo físico nas fases iniciais do sono. Se formos despertados durante essas fases iniciais, o rápido voltar do corpo energético geralmente traz taquicardia, taquipnéia e uma sensação sufocante no peito junto com uma sensação de que algo entrou ou empurrou o nosso corpo físico.

A essa fase inicial do sono se segue uma outra já descrita: a do sono REM. Esses momentos, em geral entre 90 a 120 minutos por noite, onde a atividade cerebral é tão intensa quanto à da vigília, permitiram que os mamíferos estivessem mais bem preparados que os répteis a se defenderem, pois acordavam mais prontos, ativos e responsivos: todos os mamíferos têm sono REM. Da mesma forma, é essa atividade que permite ao filhote o amadurecimento mais rápido, pois substitui a estimulação externa indutora de desenvolvimento neuronal, e permite a estabilização de conexões neuronais geneticamente programadas, possibilitando o comportamento instintivo de cada espécie.

Durante o tempo gasto em vigília, os receptores cerebrais para as monoaminas (neurotransmissores envolvidos na regulação do humor e da depressão) vão paulatinamente se dessensibilizando ante a liberação contínua delas (noradrenalina, histamina e serotonina) causada pelas exigências emocionais da vida. É no sono REM que as células produtoras das monoaminas param totalmente a sua atividade, de forma que os receptores descansem e voltem à sua sensibilidade normal.

De qualquer forma, há uma concordância geral de que o estado de sonho e o de vigília são um continuum da nossa existência, cuja realidade e importância devemos trazer à consciência. Da mesma forma que perdemos contato com o mundo material durante o sono, também perdemos contato com o mundo onírico durante a vigília. Durante a vigília temos apenas algumas lembranças do mundo onírico e durante o sono apenas alguns fatos cotidianos do mundo vigil são sonhados.

Tomar consciência dos nossos sonhos é vivê-los conscientemente de forma que nos lembremos deles tão facilmente quanto nos lembramos de algo ocorrido há uma hora atrás, no mundo vigil. Tomar consciência do mundo onírico, o mundo astral das emoções e desejos, exige uma disciplina rígida, quase um ritual, em que as técnicas de relaxamento, a programação do que se quer sonhar e a anotação dos sonhos em um diário, são pontos críticos que devem ser realizados. Sonhos inacabados devem ser completados. O verdadeiro, e recomendável, sonhar acordado não é viver sonhando no estado vigil e sim ser vigil no estado de sonho: o sonho lúcido.

Para os hindus, o mundo vigil da criação é apenas um sonho de Vishnu. A conscientização plena da transição, do mundo vigil para o onírico, e a do próprio mundo onírico, nos leva a estar preparados e conscientes na hora da transição para o nosso último sonho: o morrer. Nessa hora revemos, como num flash, toda a nossa existência e entramos num mundo desconhecido da maioria da humanidade. O “Livro Tibetano dos Mortos” é uma obra prima que recomenda e ensina a morrer sem perder a consciência (o p’howa).

Sonhamos, em média, 5 a 7 vezes durante uma noite. Podemos sonhar realizando desejos que estão ocorrendo simultaneamente no corpo físico, como o desejo de urinar, de comer ou de ter relações sexuais. Revivemos experiências ocorridas no dia que se encerrou, ou mais distante no passado, que agora podem ocorrer, realizando desejos anteriormente reprimidos. Mas se a repressão tiver sido intensa e forte, e estiver muito escondida no inconsciente, esse reviver pode tomar a forma de símbolos. Esses são sonhos atribuídos ao corpo físico.

Podemos sonhar também de uma forma bastante vívida, onde surgem imagens conhecidas como hipnogógicas, muito mais realistas e “movediças”, onde surgem rostos conhecidos ou não, objetos, paisagens e situações. Existe um outro tipo de sonho que não podemos chamar de sonho, posto que é mais definível como uma viagem fora do corpo físico e parece derivar do sonho com as imagens hipnogógicas. O tipo mais simples dele é quando nos julgamos plenamente acordados e não conseguimos nos mover, ou quando, imobilizados no ar, vemos nosso corpo físico imóvel no leito. Nesse caso, estamos tendo consciência de que os nossos corpos sutis estão afastados do corpo físico. Outras vezes temos a nítida impressão de estarmos caindo, quando subitamente acordamos: é um retorno abrupto dos corpos sutis ao corpo físico.

O que acontece é que, separado do corpo físico no sono, acessamos outra dimensão e podemos viajar mentalmente através do espaço, visitando outros lugares ou encontrando outras pessoas: os sonhos do corpo etérico. Mas às vezes a viagem é maior e excede o nosso espaço-tempo. Quando nos separamos do corpo físico e do etérico, embora permanecendo ligado a eles apenas por um “fio” energético, os nossos demais corpos sutis entram em contato com uma outra realidade, o mundo astral. Nesse mundo dos sentimentos e emoções, vivemos habitando nosso corpo astral, o corpo de desejos, e nos tornamos capazes de viajar no passado: acessamos o inconsciente coletivo da humanidade.

Essa viagem se faz através do tempo e do espaço, numa velocidade superior à velocidade da luz, pois não mais estamos presos às leis da física. O corpo astral tem acesso às três dimensões temporais (gerando retrocognição, clarividência e pré-cognição), e à visão à distância, tópicos estudados pela parapsicologia, podendo fazer “viagens” pelo mundo astral, pelo mundo físico ou a outras dimensões do espaço (mundos paralelos). Na pré-cognição estão os sonhos proféticos e dentro da retrocognição há a viagem ao passado pessoal, ao passado da humanidade, pelo inconsciente coletivo (para quem não acredita em reencarnação), ou pelas memórias de vidas passadas.

Há três tipos de viagens pelas dimensões espaciais. Pode-se viajar pelo mundo físico, visitando amigos, parentes ou outras pessoas, mas sem interagir com elas (sonhos clarividentes), a outros países ou até outros planetas. Pode-se viajar no próprio mundo astral, interagindo com seres astrais, que podem ser pessoas que já morreram, outras pessoas que também estão dormindo ou outros tipos de seres não humanos. E, por fim, pode-se ir a diversos mundos paralelos (os sonhos espirituais) onde se entra em contato, interagindo, com seres desses outros mundos.

A parapsicologia estuda os fenômenos de percepção extra-sensorial (premonição, telepatia e clarividência), os fenômenos de telecinese (interferência direta da mente sobre a matéria) e também as experiências de “quase-morte”, ou seja, os fenômenos de influência da mente e da consciência sobre a matéria.

Os povos antigos (babilônios, assírios, egípcios, gregos e chineses) nunca distinguiram o mundo dos sonhos do mundo da vigília e consideravam os sonhos como orientações ou interferências do plano espiritual no plano material: comunicação com espíritos de mortos ou mensagens de deuses (soluções de problemas, advertências, penitências, etc.).

O respeito ao mundo astral se encontra em todas as escrituras religiosas: os sonhos bíblicos (mais de 600 citações de sonhos podem ser encontradas na Bíblia Sagrada, relacionadas com mensagens divinas aos sonhadores), os sonhos de Maomé com o arcanjo Gabriel (a maior parte do Alcorão lhe foi ditado em sonhos) ou os templos de sonhos de Esculápio, na Grécia antiga. Nesses templos, após banhos, jejuns e orações, o paciente deveria dormir algumas noites até que o primeiro sonho fosse interpretado, de forma a se obter o tratamento médico adequado. Há até um código no Talmud para a interpretação de sonhos.

Os nativos norte-americanos têm no sonho a fonte e fundamento de toda a sua espiritualidade. O xamanismo, surgido no período Neolítico, há pelo menos 10 mil anos atrás, busca resgatar o nosso “espírito guardião” de dentro do nosso “Mundo Profundo”, resgatando energias perdidas no inconsciente (pedaços de alma). A sua viagem a esse Mundo Profundo é realizada por meio de um transe semelhante ao sonho lúcido, podendo, o Xamã, projetar-se no sonho do paciente para curá-lo, ir a mundos inferiores (animal de poder) ou a mundos superiores (seres evoluídos) em busca de ajuda.

São Malaquias, por volta de 1.138, teve uma visão dos 112 papas seguintes, a qual deixou documentada com uma descrição sucinta de cada um deles, visão essa comprovada já 110 vezes. São João Bosco (1.815-1.888) ficou conhecido como o padre que sonhava o futuro. Em psicoterapia, os sonhos são um processo criativo de integração das experiências diárias, resolvendo problemas e inspirando-nos a usar nossos talentos para atingir a totalidade, uma tentativa de autocura da nossa psique, janelas abertas para o mundo interno. Nesses sonhos inspirativos, por exemplo, Dmitri Ivanovitch Mendeleiev (1.834-1.907) formulou a tabela periódica e Elias Howe (1.819-1.867) inventou a máquina de costura.

Para Sigmund Freud (1.856-1.939), o sonho é apenas a realização de um desejo inconsciente reprimido, feita numa linguagem simbólica que precisaria ser interpretada. Carl Gustav Jung (1.875-1.961) concordava com Freud, mas ia mais além, pois considerava os sonhos como uma comunicação vinda diretamente do Self (do “Eu superior”), contendo mensagens pessoais arquetípicas e simbólicas, vindas do inconsciente coletivo, num movimento interior voltado à saúde psíquica. Já Alfred Adler (1.870-1.937) defendia que o sonho era uma forma de nutrição emocional, uma tentativa de solução de problemas numa linguagem metafórica.

A verdadeira função do sonho é nos fazer entrar em contato com uma dimensão interna nossa, invisível e inconsciente, para que padrões energéticos simbólicos (nossos arquétipos) possam ser apreendidos e, uma vez liberados, atinjam a consciência e influenciem no desenvolvimento e expressão da nossa personalidade, no intuito do nosso desenvolvimento pessoal. Jung via no sonho uma oportunidade ímpar de atingirmos a nossa totalidade, a nossa individuação: deixarmos de ser o homem coletivo.

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