Dicionário-Texto de Budismo – C

Podemos compreender o conceito da Gênese Condicionada através de três aspectos:

1. Efeitos surgem de causas

Hetupratyaya é a palavra em sânscrito para causa e condição. Hetu é a causa primária; pratyaya é a condição, ou condições, secundária. Hetu é a força direta da qual surge o fruto (efeito), enquanto pratyaya é a força indireta. Todos os fenômenos do universo surgem devido a uma combinação de muitas e diferentes causas e condições. Sem causas e condições adequadas, nenhum fenômeno pode existir. Isso é o que significa ‘Darmas não surgem por si próprios’. Como exemplo, tomemos um grão de soja, que é a semente, a causa principal. Água, solo, luz solar, ar e fertilizante são as condições secundárias. Caso essas causas e condições se combinem de maneira correta, a semente poderá germinar, florescer e frutificar. Assim, o fruto resulta de causas. Se, no entanto, o grão de soja tivesse sido armazenado em um granário ou plantado em cascalho, ele teria permanecido semente para sempre. Na falta de condições externas necessárias, uma semente não consegue germinar e frutificar”.

Do ponto de vista temporal, os fenômenos sociais de um determinado período talvez pareçam não ter conexão com os de um período posterior. Contudo, se analisarmos cuidadosamente esses fenômenos, logo nos daremos conta de que qualquer sociedade, de qualquer período, não poderia ter surgido sem a existência da que a antecedeu. Tomemos uma tocha, como exemplo. Quando a chama de uma tocha é transmitida a outra, ambas continuam sendo entidades distintas. Entretanto, existe uma relação sutil entre elas. A chama da nova tocha é a continuação da antiga chama. No fluxo do tempo, é impossível encontrar uma entidade isolada de todas as outras. Do ponto de vista espacial, parece que um Darma não tem nenhuma relação com outro. No entanto, analisando cuidadosamente, veremos que existem relações de causa e condições entre os Darmas. Por exemplo, hoje estamos tendo a oportunidade de nos encontrar nestes escritos, e isso é um efeito. A formação do efeito resultou de muitas e variadas causas e condições. Fui convidado a proferir uma palestra, eu estava disponível, uma escola nos permitiu utilizar suas instalações, esta palestra se tornou um texto e você teve o interesse de ler-me. Graças à combinação simultânea dessas condições é que este evento teve êxito em sua realização. Se apenas uma dessas condições tivesse falhado, não teria sido possível realizá-lo. Portanto, o surgimento de qualquer tipo de existência é o resultado de causas e condições”.

A existência de um indivíduo também depende de causas e condições. Mesmo com todo o avanço da ciência e da tecnologia e com a possibilidade de inventar e produzir objetos, ainda assim, não conseguimos inventar a vida em si: ela resulta de causas e condições. A junção do esperma de um pai com o óvulo de uma mãe origina uma nova vida. A partir de então, a vida humana só terá continuidade se necessidades físicas forem satisfeitas através de vários itens fornecidos por agricultores, operários e comerciantes. Como analogia, tomemos uma casa: ela é construída quando cimento, madeira, tijolos e outros materiais de construção são colocados juntos e de forma correta. Uma casa não existe se esses componentes forem eliminados. O mesmo acontece com um ser humano. Se a pele, a carne, o sangue e os ossos forem separados, a pessoa deixará de existir. Assim, todos os Darmas resultam de causas e condições”.

Quando falamos sobre a formação da vida, surge sempre uma pergunta que desde há muito incita debate: ‘Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?’ Se a galinha tiver nascido primeiro, de onde ela veio? Se o ovo tiver nascido antes, de onde veio o ovo? O ovo ou a galinha: quem nasceu primeiro? O Budismo não se preocupa com esse tipo de questões sobre que entidade nasceu primeiro, nem sobre o começo ou o fim. O Budismo fala sobre um ‘círculo’, que não tem começo nem fim. O Conceito da Gênese Condicionada é justamente esse algo, sem começo nem fim. Qual hetupratyaya vem antes e qual vem depois? Isso não pode ser determinado porque qualquer fenômeno surge devido à combinação de muitos hetupratyayas. Por exemplo, o relógio na parede funciona continuamente da meia-noite ao meio-dia e do meio-dia de volta à meia-noite. Qual é o começo? Qual é o fim? É muito difícil dizer, porque isso não tem começo ou fim. Com esse exemplo, pode-se compreender que os hetupratyayas são interdependentes e inter-relacionados. ‘Isto existe, portanto aquilo existe; isto surge, portanto aquilo surge; isto não existe, portanto aquilo não existe; isto cessa, portanto aquilo cessa’. Esse verso é a melhor definição da Gênese Condicionada.

2. Todos os fenômenos existem em consonância com a Verdade

O Princípio da Gênese Condicionada é sutil e complexo. É profundo e difícil de ser compreendido. Não pode ser analisado através de técnicas científicas, nem elucidado através da metafísica. No Sutra Agama, o Buda disse que a Gênese Condicionada é uma característica singular do ensinamento budista. É uma verdade do universo que não pode ser encontrada em ensinamentos seculares.

A Gênese Condicionada, que postula que todos os fenômenos existem em consonância com a Verdade, é baseada na Lei de Causa e Efeito. Quem planta sementes de feijão colherá feijão. Quem planta sementes de melão colherá melões. Uma semente de melão não resultará em feijão e uma semente de feijão não germinará melões. Uma causa específica resultará em um efeito específico: essa é a verdade exposta pela Lei de Causa e Efeito. As verdades deste mundo devem estar em harmonia com as condições de ‘assim era originalmente, assim é inevitavelmente e assim é universalmente’. A Verdade não pode ser modificada por discussões e não precisa ser descrita em palavras. Ela simplesmente é. O Buda disse, por exemplo, que tudo o que surge desaparecerá um dia. Do ponto de vista temporal, tal afirmação aplica-se a passado, presente e futuro. Do ponto de vista espacial, essa afirmação é verdadeira em todos os lugares do mundo. Não importa qual seja nosso grau de desenvolvimento cultural ou de avanço tecnológico, não se pode fugir do fato de que tudo o que surge, desaparece. Nunca surgirá um fenômeno que não esteja de acordo com a Verdade. É isso que significa dizer: ‘todos os fenômenos existem em consonância com a Verdade’”.

3. O surgimento da existência depende de shunyata

Como se originaram todos os Darmas de nosso universo? De acordo com o Princípio da Gênese Condicionada, o surgimento de todos os Darmas depende de shunyata (vazio). Sem o vazio, não existiriam fenômenos. Por quê? Porque sem o vazio não poderia haver a existência. Vazio não significa inexistência, ao contrário do que se poderia pensar com base na utilização usual do vocábulo. Shunyata é a ‘natureza do vazio’ em todos os fenômenos. Se não fosse por essa natureza de vazio, os fenômenos jamais manifestariam seu valor e função de existência. A função dos fenômenos é a aplicação do vazio. Vamos supor que quiséssemos construir uma casa. Além do material, tal como madeira, cimento, vergalhões e tijolos, precisaríamos também de um projeto, de uma planta e de medidas. E, obviamente, antes de mais nada, precisaríamos de espaço vazio, sem o que, independentemente da qualidade do material e da beleza da planta, a casa simplesmente não poderia ser construída. Assim, somente onde existe vazio, os eventos e fenômenos podem surgir”.

A simples menção da palavra ‘vazio’ geralmente amedronta as pessoas, porque elas interpretam, erroneamente, que a religião budista requer a negação de tudo. No entanto, de acordo com o Budismo, o ‘vazio’ é a base de toda existência. Hoje, por exemplo, estamos aqui reunidos porque existe espaço. Caso não houvesse, não poderíamos estar aqui. O corpo humano é outro exemplo de vazio. De acordo com o Budismo, existe muito espaço no corpo humano. Uma pessoa pode existir porque seu nariz é vazio, porque sua boca é vazia e porque seu trato digestivo é vazio. Agora, imaginem se o nariz, a boca e o sistema digestivo não fossem vazios: será que conseguiríamos sobreviver? Será que a vida conseguiria, ainda assim, existir? Sem espaço, casas não podem ser construídas. Se uma bolsa não estiver vazia, não pode carregar nada. Se o universo não fosse vazio, a vida humana não poderia existir. Assim, só há ‘existência’ onde há ‘vazio’. Sem shunyata, nenhum Darma poderia resultar das condições e, assim, não haveria o surgimento nem o fim de nada. Baseado nesse fenômeno da existência, no capítulo sobre as Quatro Nobres Verdades do Sastra Madhyamika, Nagarjuna disse: ‘Por causa de shunyata todos os Darmas podem surgir; se não houvesse shunyata, nenhum Darma poderia surgir’”.

III. A Terceira Característica: Shunyata

De modo geral, as pessoas não compreendem o conceito de shunyata (vazio), pois pensam que shunyata é o nada. Essa é uma interpretação errônea. Já falamos sobre o fenômeno da Gênese Condicionada, que significa que todos os Darmas se originam de causas e condições e findam como resultado de causas e condições. Todos os Darmas surgem por causa da combinação correta de causas e condições e findam como conseqüência da desintegração das causas e condições que resultaram em sua formação. Portanto, a natureza de todos os Darmas é o vazio. Ou seja, os Darmas não têm uma verdadeira natureza específica e, portanto, são descritos como ‘vazios’”.

Geralmente, as pessoas limitam a definição de shunyata a ‘nada absoluto’, ainda que considerem a existência como sendo real. De acordo com os ensinamentos budistas, a existência, que surge como resultado da Gênese Condicionada, é ilusória, ainda que não exclua o vazio. Similarmente, shunyata, a natureza fundamentalmente vazia de toda existência, significa a não-substancialidade, mas não elimina a existência. Esse é o conceito de Gênese Condicionada com natureza de vazio.

Expliquemos o que é shunyata da seguinte maneira:

1. Os quatro grandes elementos são fundamentalmente vazios; os cinco grandes agregados não têm existência verdadeira.

O significado infinito do Budismo Mahayana é shunyata e não o ‘nada absoluto’. É um conceito construtivo e revolucionário, utilizado pelos mahayanistas para explicar a existência do mundo e do universo. ‘Os quatro grandes elementos são fundamentalmente vazios; os cinco grandes agregados não têm existência verdadeira’ — foi como o Buda explicou a natureza de todos os eventos e fenômenos deste mundo e do universo, depois de ter se iluminado. Todos os Darmas existem por causa da combinação dos quatro grandes elementos. Quais são eles? São terra, água, fogo e ar. A terra tem a propriedade da solidez; a água, a da umidade; o fogo, a do calor; e o ar, a da mobilidade. Por que dizemos que terra, água, fogo e ar são os grandes elementos? Porque tudo neste mundo e no universo é formado por esses quatro elementos. Uma xícara, por exemplo, é fabricada levando-se ao fogo a argila que foi moldada em forma de xícara. A argila pertence ao elemento terra. Adiciona-se água à argila para que possa ser moldada e, então, ela é levada ao fogo. Depois disso, a xícara é resfriada e é seca pelo ar. Assim, todos os quatro grandes elementos participam da formação de uma xícara. Da mesma forma, o ser humano também é formado pela união dos quatro grandes elementos. Por exemplo: nossa pele, cabelo, unhas, dentes, ossos e músculos pertencem ao elemento terra. Sangue, saliva e urina, ao elemento água. O calor corporal pertence ao elemento fogo e a respiração e o movimento, ao elemento ar. Assim, caso um dos elementos esteja em desequilíbrio, adoecemos. Se os quatro grandes elementos se desintegrarem, deixamos de existir”.

Assim, podemos observar que o corpo físico é formado pela combinação dos quatro grandes elementos. Além disso, a mente, de acordo com nossa compreensão usual, é apenas a combinação dos cinco agregados: matéria (rupa), sensação (vendana), percepção (samjna), formações mentais (samskara) e consciência (vijnana). A vida é o resultado da combinação de causas e efeitos que não têm em si um caráter verdadeiro e independente. Um corpo físico com consciência não é nada mais que um ser que existe como resultado de uma combinação de fatores. Quando a força unificadora dessas causas e condições se exaure, a combinação prévia desses fatores se dissolve e o ente vivente deixa de existir. Onde está, então, a verdadeira e independente individualidade? Assim, o Buda ensina que ‘os quatro grandes elementos são fundamentalmente vazios; os cinco agregados não têm existência verdadeira’”.

Certa vez, Tung-p’o Su, da dinastia Sung, foi visitar o mestre Ch’an Fo Yin. Quando Tung-p’o Su chegou, o mestre Fo Yin estava ensinando o Darma e, assim que viu o visitante, disse-lhe: ‘Senhor Su, de onde o senhor está vindo? Não temos lugar para que se sente’.

Tung-p’o Su imediatamente respondeu: ‘Mestre, se não há assento, por que é que o senhor não me empresta seus quatro grandes elementos e cinco agregados (seu corpo) para que eu os utilize como assento para meditar?’

O mestre Fo Yin disse: ‘Vou lhe fazer uma pergunta e, caso a resposta seja satisfatória, permitirei que me use como assento. Caso contrário, então, por favor, deixe-me seu cinto de jade como presente. Eis a pergunta: meus quatro grandes elementos são todos vazios e meus cinco agregados não têm existência verdadeira. Posso, então, perguntar aonde o senhor vai se sentar?’

Tung-p’o Su não conseguiu responder e, assim, tirou seu cinto de jade, que havia sido um presente do imperador, e partiu. Essa história nos faz perceber que o corpo humano, essa combinação ilusória dos quatro grandes elementos e dos cinco agregados, não tem em si uma natureza substancial que possamos agarrar”.

2. O que é shunyata?

No ensinamento Mahayana, shunyata integra os ‘Três Selos do Darma’. Shunyata é a Verdade Suprema, um importante conceito no Budismo e uma característica única do Budismo que o distingue de outros ensinamentos terrenos. A maioria das pessoas não compreende o que significa shunyata, e acredita que seja a nulidade completa, o nada. De forma nenhuma. Shunyata é, na verdade, a mais profunda e maravilhosa filosofia. Quem consegue compreender shunyata compreende o Budismo como um todo. O que é, então, shunyata? É absolutamente impossível explicar o significado de shunyata com apenas uma frase. O Tratado sobre o Mahayana oferece dez definições de shunyata que, apesar de não conseguirem explicar totalmente o seu significado, se aproximam muito disso.

As dez definições de shunyata apresentadas pelo tratado são as seguintes:

  1. Shunyata tem o significado da não obstrução. Assim como o espaço, pode ser encontrado em todos os lugares e não obstrui nenhuma existência material.

2. Shunyata tem o significado da onipresença. Assim como o espaço, a tudo permeia e alcança todos os lugares.

3. Shunyata tem o significado da igualdade. Assim como o espaço, não discrimina e trata tudo da mesma forma.

4. Shunyata tem o significado da vastidão. Assim como o espaço, é vasto, ilimitado e incomensurável.

5. Shunyata tem o significado do amorfo. Assim como o espaço, não tem forma ou feitio.

6. Shunyata tem o significado da pureza. Assim como o espaço, é sempre puro.

7. Shunyata tem o significado da imobilidade. Assim como o espaço, está sempre imóvel, totalmente além de qualquer forma de surgimento ou degeneração.

8. Shunyata tem o significado da negação absoluta. Nega todos os fatos e teorias.

9. Shunyata tem o significado do esvaziamento do próprio shunyata. Nega todos os conceitos de uma natureza individual independente, assim como destrói todo apego ao conceito de shunyata.

10. Shunyata tem o significado do inatingível. Assim como o espaço, não pode ser alcançado ou agarrado.

Essas dez definições não conseguem descrever perfeitamente a verdade de shunyata. Entretanto, juntas, fornecem um vívido quadro para que possamos compreender melhor esse importante ensinamento budista.

3. Como perceber shunyata?

a. “Shunyata pode ser percebido através da natureza ilusória da continuidade. Toda a existência é vazia porque todos os fenômenos são impermanentes. Assim como no rio Yang Tze, as ondas de trás empurram as da frente, a nova geração substitui a anterior. O tempo continua ininterrupto e os acontecimentos mundanos são sempre o sofrimento, o vazio e a impermanência. Através da continuidade da impermanência, pode-se ver o vazio”.

b. “Shunyata pode ser percebido através da natureza ilusória dos ciclos. Todos os Darmas do universo são governados pela Lei de Causa e Efeito. Uma causa transforma-se em efeito, que por sua vez torna-se causa. Por exemplo, quando há quantidade apropriada de luz, ar, água e terra, uma semente pode germinar, florescer e frutificar. Quando as condições externas necessárias estão presentes, as sementes dessas frutas germinam, florescem e frutificam novamente. Nesse caso, a fruta, que era o efeito, transforma-se em causa. Através desse ciclo contínuo, no qual a causa transforma-se em efeito e efeito em causa, pode-se ver shunyata”.

c. “Shunyata pode ser percebido através da natureza ilusória das combinações. Todos os Darmas surgem devido à união harmoniosa de várias causas e condições. O corpo humano, por exemplo, é feito da união harmoniosa de pele, músculos, ossos, sangue e vários fluidos corporais. Se o corpo humano fosse subdividido em seus componentes, não se encontraria um corpo humano independente. Assim, podemos compreender shunyata através da Gênese Condicionada”.

d. “Shunyata pode ser percebido através da natureza ilusória da relatividade. Todos os Darmas deste universo são relativos, tais como um pai em relação ao filho e um professor em relação ao aluno. Por exemplo, quando o filho se casa e tem um filho, torna-se pai. Da mesma forma, o aluno que aprende o suficiente pode, então, tornar-se professor. Assim, todas as coisas são relativas e, portanto, irreais e vazias”.

e. “Shunyata pode ser percebido através da natureza ilusória das aparências. Não existe um padrão definido ou medida para analisar as aparências. Por exemplo, a luz de uma vela pode ser muito intensa para os olhos, até o momento em que uma lâmpada elétrica seja acesa: a luz da vela passa, então, a ser tênue. A velocidade de um automóvel pode parecer alta, até que seja comparada à, de um avião. Esses exemplos nos permitem perceber que a aparência de todos os eventos e de todos os fenômenos é vista sem um padrão determinado; podemos, portanto, perceber shunyata”.

f. “Shunyata pode ser percebido através da natureza ilusória dos termos. Atribui-se a cada Darma neste universo um nome diferente. Esses nomes não têm substancialidade e são, portanto, vazios. Uma criança recém-nascida, por exemplo, é chamada de ‘bebê’. Ao crescer, é chamada de ‘moça’. Ao casar-se, é chamada de ‘senhora’. Ao ter seus filhos, estes a chamam de ‘mãe’. Ao envelhecer e ter netos, passa a ser chamada de ‘avó’. De ‘bebê’ a ‘avó’, ela continuou sempre a mesma pessoa e, no entanto, os títulos foram diferindo. Assim, podemos compreender shunyata através da ilusão dos termos”.

g. “Shunyata pode ser percebido através da natureza ilusória dos diferentes pontos de vista. Diferentes pessoas com diferentes mentalidades terão diferentes pontos de vista a respeito da mesma coisa ou fato. Um exemplo: em uma noite de nevasca, um poeta declamando em uma janela, dentro de uma casa quentinha e confortável, espera que a neve continue por toda a noite, para que possa usufruir de uma paisagem mais bela. Enquanto isso, um mendigo, tremendo de frio, espera que a neve cesse logo para que possa sobreviver àquela noite. Assim, podemos compreender shunyata através dos diferentes pontos de vista”.

IV. A quarta característica: Os Três Selos do Darma

Os ‘Três Selos do Darma’ (Três Características da Existência) são uma importante doutrina do Budismo. Os Três Selos do Darma podem determinar se um dado ensinamento budista é a Verdade Absoluta. Os Três Selos do Darma são como um carimbo oficial através do qual pode-se reconhecer a autenticidade de mercadorias do cotidiano. Uma doutrina que não esteja em consonância com os Três Selos do Darma não é um ensinamento completo, mesmo que tenha sido proferida pelo Buda. Por outro lado, uma doutrina que esteja de acordo com os Três Selos do Darma é um Darma genuíno, mesmo que não tenha sido pessoalmente transmitida pelo Buda. Os Três Selos do Darma são os seguintes: (1) ‘Todos as coisas condicionadas (samskaras) são impermanentes’, (2) ‘Nenhum Darma (estados condicionados e não-condicionados) tem individualidade substancial’, e (3) ‘O Nirvana é a paz perfeita’. Os três axiomas são utilizados conjuntamente para provar a autenticidade do Darma e, por isso, são denominados os ‘Três Selos do Darma’”.

1. Todos os samskaras são impermanentes.

“A expressão ‘Todas as coisas condicionadas (samskaras)’, refere-se a todas as formas e ações deste mundo. De acordo com a doutrina budista, nenhuma dessas formas ou ações é permanente. Tal impermanência pode ser ilustrada através dos seguintes pontos:

a. Os ‘três períodos do tempo’ fluem contínua e ininterruptamente. Isso mostra que todos os samskaras são impermanentes.

b. Todos os Darmas originam-se de causas e condições e, portanto, são impermanentes”.

O que significa dizer ‘os três períodos de tempo’ fluem continuamente? Esses períodos são: passado, presente e futuro. Do ponto de vista temporal, todos os Darmas são impermanentes porque, nem por um instante, permanecem imutáveis, surgindo e desaparecendo a cada momento. Os Darmas do passado já estão extintos. Os Darmas do futuro ainda não chegaram a existir. Os Darmas do presente extinguem-se assim que surgem. Assim, todos os Darmas são impermanentes. Por que dizemos que todos os Darmas, que surgem devido a causas e condições, são impermanentes? Uma vez que todos os Darmas são formados pela combinação e unificação de diferentes condições, a desintegração das causas e condições necessárias resulta na eliminação dos Darmas. Como as causas e condições são impermanentes, qualquer Darma que surja delas é conseqüentemente impermanente também. Por exemplo, um ser humano renasce como resultado de seu carma anterior. Do nascimento à morte e da morte ao nascimento, as vidas passam perpetuamente por passado, presente e futuro. A vida é verdadeiramente impermanente”.

O funcionamento de nossa mente é também impermanente. Nossos pensamentos surgem e desaparecem constantemente, mudando a todo momento. Da mesma forma, todos os Darmas deste universo surgem e desaparecem a cada instante. Sua existência é um processo contínuo. Os fenômenos terrenos do surgimento, manutenção, degeneração e destruição; as mudanças sazonais da primavera, verão, outono e inverno e o próprio ciclo da vida do nascimento, envelhecimento, adoecimento e morte: tudo flui como um rio. Nada jamais permanece imutável nesse fluxo contínuo. Costumamos classificar os sentimentos humanos em três categorias: sentimentos agradáveis, desagradáveis e aqueles que não são nem agradáveis nem desagradáveis. É claro que sentimentos desagradáveis são sofrimento (duhkha). Entretanto, sentimentos agradáveis também são duhkha porque eles também findam. A saúde e a beleza, por exemplo, resultam em sentimentos agradáveis, mas sua perda pode gerar sofrimento. Sentimentos que não são nem de felicidade, nem de tristeza, trazem-nos sofrimento por causa da mudança (intrínseca a eles). Exemplos disso são os sentimentos resultantes da passagem do tempo, da brevidade da vida e da impermanência de todos os Darmas. Esse movimento perpétuo de mudanças causa intolerável angústia nas pessoas — esse é o sofrimento da impermanência. É por isso que os ensinamentos budistas afirmam que todos os samskaras são impermanentes e que todos os sentimentos são duhkha”.

2. Nenhum Darma tem individualidade substancial.

Quando, anteriormente, abordamos a afirmação “todos os samskaras são impermanentes”, discutimos que nada é permanente do ponto de vista temporal. Agora, se considerarmos o ponto de vista espacial, nada pode existir independentemente. Nós, seres humanos, gostamos de nos aferrar à nossa individualidade e acreditar que o ‘eu’ ou a ‘minha individualidade’ existem: minha cabeça, meu corpo, meus pensamentos, meus pais, meu cônjuge e meus filhos. Desenvolvemos ‘apego à individualidade’ com relação ao que acreditamos ser. Desenvolvemos apego aos objetos que nos cercam. Temos a tendência de olhar para o mundo tendo o ‘eu’ como centro de tudo, como se nada pudesse existir sem esse ‘eu’. Contudo, de acordo com a profunda e racional perspectiva dos ensinamentos budistas, na verdade, a tal individualidade permanente e independente não existe. Por quê? Para considerarmos que uma entidade tenha individualidade, quatro pré-requisitos precisam ser preenchidos: a entidade precisa necessariamente ser permanente, autônoma, imutável e independente”.

Analisemos então o corpo humano, entidade que tendemos a considerar como sendo ‘eu’. Desde o momento do nascimento, e ao longo das várias décadas da vida de uma pessoa, o corpo humano passa por constantes mudanças fisiológicas de nascimento e morte à medida que cresce, amadurece e envelhece. De que forma, então, poderia ser permanente e imutável? O corpo humano é formado pela combinação e unificação dos quatro grandes elementos e dos cinco agregados; é originado quando se apresentam as condições necessárias para tal unidade e deixa de existir quando tais condições desaparecem. Como, então, poderia ele ser autônomo? O corpo humano é o local onde todas as variedades de sofrimento se reúnem: sofrimentos fisiológicos, tais como fome, frio, doença, fadiga; e sofrimentos mentais e emocionais, que incluem ira, ódio, tristeza, medo e frustração. Quando vivencia todos esses sofrimentos, o corpo não consegue se libertar. Como poderia ele, então, ser independente e soberano? Podemos observar, portanto, que a ‘individualidade’, como definida anteriormente, não existe aqui. Assim, os ensinamentos budistas afirmam que nenhum Darma tem individualidade substancial. A ausência de uma individualidade substancial, anatman (ou anatmã), é o alicerce do Caminho do Meio, é o ensinamento fundamental do Budismo. A ausência de uma individualidade substancial é um ensinamento singular que distingue o Budismo de outras doutrinas religiosas ou filosóficas”.

3. O Nirvana é a paz perfeita

Essa afirmação significa que as coisas acabarão por alcançar um estado de paz, independentemente de quão caóticas estejam no mundo. Não importa que as coisas pareçam diferentes, no fim tudo será igual. O estado de Nirvana é, na verdade, de paz e igualdade. De acordo com o Budismo, o resultado de se alcançar o estado de Nirvana é que todas as aflições e o ciclo de nascimento e morte são exterminados, o sofrimento deixa de existir, a felicidade eterna é alcançada, a sabedoria perfeita torna-se realidade e todas as ilusões são erradicadas. As pessoas comuns acreditam que o Nirvana só pode ser alcançado depois da morte. Na verdade, a definição de Nirvana é ‘sem nascimento nem morte’. Nirvana significa a extinção do apego, a eliminação do atmagraha (aferro à noção de ‘individualidade’) e do Darmagraha (aferro à crença de que as coisas são reais), a erradicação dos obstáculos gerados pela impureza e dos impedimentos ao conhecimento. Significa dar um fim ao ciclo de nascimento e morte. Nirvana é liberação. A impureza é cativeiro. Um criminoso acorrentado não é livre, da mesma forma que não o são os seres vivos agrilhoados por cobiça, raiva e ilusão. Praticando o Darma e se purificando, os seres vivos liberam-se e alcançam o Nirvana. Esse processo é o único caminho para o Nirvana”.

Na época do Buda, seus discípulos viajavam a diferentes lugares para ensinar o Darma, depois de terem alcançado o Nirvana. Seus exemplos nos fazem compreender que o Nirvana não é algo para ser alcançado fora do contexto dos Darmas. Todos os Darmas eram originalmente Nirvana. No entanto, uma vez que a mente dos seres vivos está obscurecida pela ignorância, pela ilusão, pelo apego e pela crença de que a individualidade e os Darmas têm existência substancial que pode ser alcançada, as pessoas encontram obstáculos, impedimentos e cativeiro em todos os lugares. Se pudermos ser como os sábios budistas que entenderam que tudo se origina por causa da Gênese Condicionada, então, ainda que continuemos a existir neste mundo, perceberemos que toda a existência está em permanente mutação e não tem uma verdadeira natureza individual. Não mais seremos apegados, estaremos libertos onde quer que estejamos. Liberação é Nirvana.

CH’ENG-SHIH (chinês; jap., Jôjitsu) – escola chinesa, baseada nos ensinamentos da filosofia indiana Sautrantika; seu texto principal é o Satyasiddhi, escrito por Harivarman (século IV).

CH’U SAN-TSANG CHI-CHI (chinês) – coleção de registros referentes ao Tripitaka.

CHA-NO-YU (chinês) – cerimônia do chá.

CHAITYA ou Caitya (sânscr.; páli, cetiya) – literalmente “santuário”; salão principal da comunidade budista para meditação e apresentação de ensinamentos. Nela sempre encontramos uma imagem de Buda Shakyamuni.

CHAKRAVARTIN (sânscr.) – “O Soberano da Roda”, “Rei do Mundo”; também chamado de “chakravartirajan” na mitologia indiana. Chamava-se assim um rei virtuoso, nobre e poderoso, capaz de governar o mundo inteiro com compaixão e habilidade. Distinguem-se quatro tipos de chakravartin, simbolizados por rodas de ouro, prata, cobre e ferro. Este tornou-se um epíteto do Buda, cujo ensinamento é universal e aplicável a todo o cosmo.. E’ a mais alta potência temporal, como Buda o é na ordem espiritual. Se Gautama não tivesse sido iluminado, teria sido um chakravartln. Possui sete te­souros: roda, elefante branco, cavalo, jóia, pérola das esposas, te­soureiro, ministro e conselheiro (ou caixa de selo). 

CHANDRAKIRTI – um grande erudito e meditador budista indiano, que escreveu, entre muitos outros livros, o Guia ao Caminho do Meio, no qual ele elucida claramente a visão da escola Madhyamika-Prasangika, de acordo com os ensinamentos dados por Buda nos Sutras da Perfei­ção da Sabedoria.

CHANG-AN TA-SHIH (chinês) – O Grande Mestre.

CHANNA, ou Chandaka – fiel escudeiro do príncipe Sidarta, que o acompanhou em suas quatro saídas do palácio do pai, o rei Suddhodanna. Foi Channa quem esclareceu a Sidarta sobre os Quatro Sinais Especiais que ele presenciou: (1) a velhice; (2) a doença; (3) a morte, e (4) o ascetismo.

CHATVARI-APRAMANANI (sânscr.) – “os quatro aspectos ilimitados da mente búdica”: (1) generosidade ilimitada (maitri); (2) compaixão ilimitada (karuna); (3) alegria ilimitada (mudita) e (4) equanimidade ilimitada (upeksa).

CHENG-FA (chinês) – A Lei Correta.

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