Este artigo foi publicado originalmente no livro “Fragmentos da Sabedoria Arcana”, editado pela Loja Teosófica Piracicaba, em 1998.
A descoberta
Em dezembro de l.945 um camponês árabe fez uma descoberta arqueológica espantosa em Nag Hammadi, vilarejo do Alto Egito a 500 km do Cairo: um pote de cerâmica de quase 1 metro de altura que continha 13 papiros encadernados em couro!
Foi o início de uma história dramática e policialesca que terminou com 10 destes livros – posteriormente chamados códices – confiscados pelo governo egípcio e depositados no museu copta do Cairo; os demais códices foram contrabandeados para fora do Egito, finalmente caindo nas mãos de estudiosos de várias linhas filosóficas e religiosas.
Hoje encontram-se todos traduzidos, permanecendo o centro da atenção dos historiadores para uma nova interpretação da história.
A língua e as datas
Os papiros estavam escritos em copta, que é uma língua camito-semítica do sec. III DC., com características gregas, e que hoje é usada apenas como língua litúrgica; eram traduções de originais escritos em grego ( a língua do Novo Testamento), entre os anos 400 a 500 D.C.
E quanto às datas dos textos originais, os estudiosos divergem: alguns não poderiam ser posteriores a 120 ou 150 DC, pois Irineu, o bispo ortodoxo de Lyon, escrevendo por volta de 180 DC, declarou que “os hereges dizem possuir mais evangelhos do que realmente existem “, e lastima que nessa época esses escritos tivessem atingido grande circulação – da Gália até Roma, e da Grécia até a Ásia Menor !
O pesquisador Quispel e seus colaboradores sugerem que os originais sejam datados por volta do ano 140 DC; um alemão, prof. Helmut Koester, de Harvard, sugeriu que uma das coletâneas, a do Evangelho de Tomé, talvez inclua algumas tradições ainda mais antigas que os evangelhos do novo testamento, contemporâneas ou anteriores a Marcos, Mateus, Lucas e João (escritos por volta de 50 a 100 DC).
O assunto dos textos
Um dos mais eminentes pesquisadores foi o professor Gilles Quispel, um historiador da religião em Utrech, Holanda. Ao examinar a primeira linha de um texto ficou estupefato e incrédulo com o que leu: “Essas são as palavras secretas que Jesus, o Vivo, proferiu, e que o seu gêmeo Judas Tomé, anotou ” – O texto continha O Evangelho Segundo Tomé, que ao contrário do Novo Testamento, se apresentava como “secreto”.
Quispel viu que o texto continha muitos ensinamentos presentes também no Novo Testamento; mas esses mesmos dizeres, colocados em contextos pouco familiares, sugeriam outras dimensões de significados!
Verificou, ainda, que algumas passagens diferiam totalmente de qualquer tradição cristã conhecida: Jesus, o Vivo, por exemplo, fala de maneira tão intensa e enigmática quanto os Koans Zen. Jesus disse: “Se manifestarem aquilo que têm em si, isso que manifestarem os salvará. Se não manifestarem o que têm em si, isso que não manifestarem os destruirá”. O que Quispel tinha em mãos era apenas um dos 52 textos descobertos em Nag Hammadi.
Encadernado no mesmo volume do Evangelho de Tomé estava o Evangelho de Filipe. Em outro volume encontraram-se ensinamentos criticando crenças cristãs bastante comuns, como a concepção imaculada – ou a ressurreição corporal, considerando-as ingenuamente equivocadas!
Boa parte da literatura encontrada em Nag Hammadi é nitidamente cristã . Certos textos, contudo , mostram pouca ou nenhuma influência cristã; alguns provêm de fontes ditas pagãs, e outros fazem uso extenso de tradições judaicas.
Os Textos
LISTA DOS TEXTOS ELABORADA PELO PROJETO CANADENSE DA BIBLIOTECA COPTA DE NAG HAMMADI
- Prece do Apóstolo Paulo Fragmento de A Republica
- Epístola Apócrifa de Tiago Octoade e Eneade
- Evangelho da Verdade Prece de Ação de Graças
- Tratado sobre a Ressurreição Asclépio
- Tratado Tripartite Paráfrase de Sem
- Apócrifo de João Segundo Tratado do Grande Set
- Evangelho de Tomé Apocalipse de Pedro
- Evangelho de Filipe Ensinamento de Silvano
- Hipóstase dos Arcontes As Três Estelas de Set
- Escrito sem título Zostriano
- Exegese da Alma Epístola de Pedro a Filipe
- Livro de Tomé, O Atleta Melquisedec
- Apócrifo de João Noréia
- Evangelho dos Egípcios Testemunho de Verdade
- Eugnosto, o Bem-aventurado Marsano
- Sabedoria de Jesus Cristo Interpretação da Gnose
- Diálogo do Salvador Exposição Valentiniana
- Evangelho dos Egípcios Batismo A
- Eugnosto, o Bem-aventurado Batismo B
- Apocalipse de Paulo Eucaristia A
- 1o- Apocalipse de Tiago Eucaristia B
- 2o- Apocalipse de Tiago Alógeno
- Apocalipse de Adão Hypsiphrone
- Atos de Pedro e dos 12 Apóstolos Sentenças de Sexto
- Bronté ou Trovão Evangelho da Verdade
- Authentikos Logos Protenóia Trimorfe
- Conceito de Nossa Grande Força Escrito sem título
Agrupamento de assuntos:
Coletânea das palavras de Jesus/diálogos com seus discípulos:
• Evangelho de Tomé
• Diálogo do Salvador
• Epístola de Pedro a Filipe
Relatos apócrifos sobre Jesus e seus discípulos:
• Epístola Apócrifa de Tiago
• Evangelho de Maria
Apocalípses:
• Adão
• Pedro
• Paulo
• Tiago
Tratados sobre as origens do mundo visível/invisível:
• Tratado Tripartite
• Apócrifo de João
• Origem do mundo
Tratados filosóficos sobre a alma/destino humano:
• Exegese da Alma
• Marsano
• Zostriano
Tratado Hermético:
• As Três Estelas de Set
Coletânea de sentenças de sabedoria (tipo monástico):
• Sentenças de Sexto
• Ensinamentos de Silvano
As origens do Gnosticismo
Hipólito, um cristão de Roma, escrevendo em grego por volta do ano 225, ouvira falar dos brâmanes indianos – e inclui a tradição destes entre as fontes de heresia: “Há, entre os indianos, a heresia daqueles que filosofam entre os brâmanes – que vivem uma vida auto-suficiente abstendo-se de ingerir criaturas vivas e todo alimento cozido. Eles afirmam que Deus é luz, não como a luz que se vê, nem como o sol ou o fogo. E para eles Deus é discurso; não o discurso que se expressa em sons distintos e inteligíveis, mas o do conhecimento (gnose) através do qual os mistérios secretos da natureza são apreendidos pelos sábios”!
Já Edward Conze, o estudioso britânico do budismo, sugere que “os budistas mantiveram contato com os cristãos tomistas (i.é., cristãos que conheciam e usavam escritos como o Evangelho de Tomé) no sul da Índia!”. As rotas comerciais entre o mundo greco-romano e o extremo oriente estavam sendo abertas na época em que o gnosticismo floresceu (entre os anos 80 e 200 DC); missionários budistas vinham pregando em Alexandria já há gerações!.
O estudioso do Novo Testamento, Wilhelm Bousset, remontou a origem do Gnosticismo às antigas tradições babilônicas e persas, declarando que “o gnosticismo é antes de tudo um movimento pré-cristão cujas raízes estão em si mesmo. Deve, portanto, ser compreendido… em seus próprios termos, e não como uma ramificação ou sub-produto da religião cristã”! O filólogo Richard Reitzenstein concordou com este ponto, mas argumentou que o gnosticismo proveio da antiga religião iraniana, e que foi influenciado por antigas tradições do zoroastrismo.
Os atuais estudiosos e pesquisadores acima citados não fizerem mais do que corroborar o que HPB já revelara no final do século passado. Já havia um certo conhecimento sobre o gnosticismo em sua época, além da literatura católica que anatematizava os gnósticos, de alguns textos originais em grego descobertos em outras regiões: o próprio Evangelho de Tomé (descoberto em meados de 1895); e a Pistis Sophia, descoberto em meados do sec. 18), contendo muitas páginas onde o próprio Jesus instruía seus discípulos sobre a reencarnação, ensinamento comum nos primeiros tempos do cristianismo primitivo.
Helena P. Blavatsky escreveu vários artigos sobre “O Caráter Esotérico dos Evangelhos” destacando sempre que Jesus ensinava aos seus discípulos uma doutrina esotérica: “A vós vos foi dado o mistério do Reino de Deus; aos de fora, porém, tudo acontece em parábolas” (Marcos 4:11). Em Isis sem Véu, HPB menciona que no Evangelho de João e nos atos de São Paulo, o Novo Testamento apresenta um grande número de expressões gnósticas, como admitem os eruditos hoje.
George R.S. Mead, secretário particular de HPB entre os anos de 1887 a 1891, recebeu dela a incumbência de que “se dedicasse ao estudo e à pesquisa na área do Gnosticismo” (o que ele realizou com brilhantismo). Em um de seus trabalhos, O Hino de Jesus – Um Rito Gnóstico, encontramos o que segue: “Como está atualmente provado,fora de qualquer dúvida, que a Gnosis é pré-cristã , estamos então tratando com uma gnosis cristianizada que existia demonstradamente no tempo de Paulo e que este encontrou já existindo nas igrejas”. Sem dúvida, a gnosis era pré-cristã no sentido de que já existia no sec. I AC, especialmente na região da Samaria e da Síria. e
A catedrática Elaine Pagels, da Universidade de Colúmbia, que escreveu “Os Evangelhos Gnósticos”, diz que “a maioria dos estudiosos hoje concorda que o que nós chamamos – gnosticismo – foi um movimento muito difundido cujas fontes podem ser encontradas em diversas tradições”.
O Gonosticismo e o cenário religioso da época
Elaine Pagels explora uma linha de pesquisa que busca a relação entre o Gnosticismo e o cenário religioso da época; ela mostra, em parte, como as formas gnósticas de cristianismo primitivo interagiram com as formas ortodoxas, que mais tarde deram origem ao Catolicismo.
Sendo este também um dos objetivos deste trabalho, podemos colocar as seguintes questões : por que esses textos foram enterrados? por que não foram usados pela igreja cristã , posteriormente institucionalizada? e por que os cristãos gnósticos foram chamados de “hereges”, e perseguidos pelos cristãos ditos “ortodoxos” ( aqueles que pensam corretamente)?
As considerações abaixo apontarão algumas respostas a tão cruciais questões!:
No século IV, na época da conversão do Imperador Constantino e quando o cristianismo tornou-se religião oficial do Império Romano, os bispos cristãos, anteriormente perseguidos pela polícia da época, passaram a comandá-la! Possuir livros denunciados como heréticos tornou-se crime civil – assim, quase toda a literatura gnóstica preciosa foi destruída pelo fogo; mas, no alto Egito, possivelmente um monge do mosteiro de São Pacômio (próximo ao vilarejo de Nag Hammadi), teve a feliz inspiração de enterrar os textos, hoje estudados! Antes desta valiosa descoberta, tudo o que sabíamos daquela época é de origem ortodoxa. A supressão dos textos cristãos gnósticos é o resultado de toda uma disputa crítica para a formação da igreja católica.
Muitos autores gnósticos afirmavam apresentar tradições sobre Jesus que eram secretas, ocultas dos “muitos” (os que passaram a ser conhecidos como ortodoxos). A palavra “Gnósis” geralmente é traduzida por “conhecimento”, mas a Gnose não é, primordialmente, um conhecimento racional; a língua grega distingue entre o conhecimento científico (ele conhece matemática) e, reflexivo (ele se conhece), experiência que é Gnose, percepção direta daquilo que é, percepção interior, um processo intuitivo de conhecer-se a si mesmo. Como um ensinamento dessa natureza poderia ser utilizado pela igreja?.
Aqueles que não participavam da mesma interpretação de “textos sagrados” (no mais das vezes simples interpolações dogmatizadas!) dada pelos padres, passaram a ser denunciados como “heréticos” ( aquele que pratica doutrina contrária ao que foi definido pela igreja em matéria de fé). No entanto, essa campanha contra a heresia envolvia um reconhecimento de seu poder de persuasão! … e no entanto, foram os bispos que prevaleceram.
Traçaremos, agora, um paralelo entre o que acreditavam e o que falavam os cristãos ortodoxos e os gnósticos seguidores de Valentino, um dos líderes moderados da época, e que até pretendia a união entre as duas facções, pretensão esta repudiada por Irineu e outros bispos:
os cristãos ortodoxos: -Uma distância abissal separa a humanidade de seu criador. Ele é inteiramente distinto de Sua criação. |
os gnósticos valentinianos: – Negam essa distância e afirmam que o conhecimento de si mesmo é conhecimento de Deus; o “eu” e o “divino” são idênticos. |
-Jesus fala em “pecado” e “arrependimento”. |
– Jesus fala em ilusão e iluminação. |
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– Jesus é o Senhor e o Filho de Deus, de uma maneira única e singular; permanece eternamente distinto do resto da humanidade que veio “salvar”. |
– Jesus veio como um guia que abre o acesso para o entendimento espiritual, e quando o discípulo se ilumina, ele deixa de ser seu Mestre, pois ambos se tornam semelhantes. |
– Seguindo os tradicionais ensinamentos judaicos, “todo sofrimento vem do pecado”, que teria maculado uma criação originalmente perfeita . |
– É a ignorância e não o pecado que leva uma pessoa a sofrer. No Evangelho da Verdade encontra-se: “…a ignorância…trouxe angústia e terror. E a angústia tornou-se espessa como uma neblina, de modo que ninguém conseguia enxergar. Por isso o erro é tão poderoso…” Isto significa que a maioria das pessoas vivem no oblívio, na inconsciência. Sem jamais se tornarem cientes de si mesmas, elas não têm raízes. Os que vivem deste modo sofrem “terror, confusão, instabilidade, dúvidas e desunião”, sendo enredados por “muitas ilusões”. |
– A paixão e a morte de Jesus como um sacrifício que redime a humanidade da culpa e do pecado. E a única chave para abrir o Paraíso é “o nosso próprio sangue”. |
– A “crucificação” é o momento para descobrirmos a essência divina em nós mesmos. O “Testemunho da Verdade” declara que aqueles que se entusiasmam com o martírio não sabem “quem é o Cristo”. O autor ridicularizava a crença de que o martírio assegura a salvação e diz que os ortodoxos o vêem como uma oferenda a Deus e pensam que ele deseja sacrifícios humanos!”. Cristo é um ser espiritual e apenas a sua natureza humana sofreu. |
– A ressurreição de Jesus e do cristão. |
A “Fé dos Tolos”. A existência humana comum é morte espiritual. É necessário receber a ressurreição espiritual enquanto vivem!. |
– A discriminação da mulher: Tertuliano, nos preceitos da “disciplina eclesiástica para as mulheres”, especificava: “Não é permitido a nenhuma mulher falar na igreja, nem é permitido que ensine ou que batize, ou que ofereça a eucaristia’ … para não falar em qualquer cargo sacerdotal. Em 1.977, o papa Paulo VI declarou que a mulher não pode ser padre “porque Nosso Senhor era homem”. |
– Entre alguns grupos gnósticos , as mulheres eram consideradas iguais aos homens; algumas ensinavam, outras evangelizavam e curavam. |
– A fé ortodoxa diz que o ensinamento original dos apóstolos é a norma e o critério; aquilo que se afastar é heresia! |
– Os escritos gnósticos previam que o futuro propicia um aumento ininterrupto do conhecimento! |
– Os três evangelhos sinóticos do Novo Testamento, em sua maior parte, traçam uma biografia da vida de Jesus em ordem cronológica, fazendo dele o Messias esperado pelos judeus. O destino humano depende dos eventos da “história da salvação”, particularmente da sua vinda, vida, morte e ressurreição como fato histórico. |
– Os gnósticos aceitavam os acontecimentos históricos como secundários; interessavam-se, acima de tudo, pelo significado interior dos acontecimentos e parábolas. Tanto o gnosticismo como a psicoterapia valorizam sobretudo, o conhecimento – o autoconhecimento que é a percepção interior. De acordo com o “Diálogo do Salvador”, quem não compreender os elementos do Universo, e de si mesmo, está fadado ao aniquilamento: “… quem não compreender como o corpo veio a existir, há de perecer com ele. Quem não compreender como veio, não há de compreender como irá…”.! |
– Os ortodoxos concebiam o “Reino de Deus” literalmente, como se fosse um lugar específico. Segundo Mateus, Lucas e Marcos, Jesus proclamou o advento próximo do Reino de Deus, quando “os encarcerados obteriam a sua liberdade, os doentes seriam curados, os oprimidos receberiam alívio, e a harmonia prevaleceria sobre todo o mundo”. Marcos afirma “que os discípulos esperavam que o reino se instaurasse num evento cataclismico que ocorreria ainda durante suas vidas”, pois Jesus dissera que alguns deles viveriam para ver “o reino de Deus chegando com poder”. |
– No Evangelho de Tomé, Jesus teria ridicularizado aqueles que concebiam o Reino de Deus literalmente: “…antes, o reino de Deus está dentro devoces; e está fora de voces. Quando vierem a se conhecer, então se farão conhecidos, e perceberão que são os filhos do Pai Vivo. Mas se não conhecerem, existirão em pobreza”. O “Reino” então simboliza um elevado estado de consciência. |
– Os líderes criaram um arcabouço simples e claro, constituído de doutrina, ritual e estrutura política que provou ser um sistema extraordinariamente eficaz de organização. Criou-se uma hierarquia de três níveis – bispos, padres e diáconos, e a concepção: “Um Deus, um Bispo”. Clemente diz que Deus delega sua autoridade para reinar a líderes e governantes na terra!. Separar-se do bispo é separar-se da igreja e de Deus ! Fora dessa igreja não há salvação – “Ela é a entrada para a vida!”. |
– Os gnósticos foram potencialmente “subversivos” quando diziam que os “muitos” (os ortodoxos) eram “canais sem água”! Afirmavam oferecer a todo iniciado um acesso direto a Deus, sem representantes ou intermediários. Em o “Testemunho da Verdade ” encontramos que “obediência à hierarquia clerical exige que os fiéis se submetam a guias cegos”; a fé nos sacramentos demonstra um raciocínio mágico e ingênuo. Contra essas mentiras o gnóstico declara que, quando um homem se conhecer a si mesmo, e ao Deus que está acima da verdade, ele será salvo. |
– A autoridade da igreja é incontestável e é a base para a “infalibilidade papal “. Concebiam Jesus como Senhor, identificando-o como alguém exterior e superior aos seus discípulos. Em Marcos encontramos: “E Jesus partiu com seus discípulos…No caminho perguntou-lhes: “Quem dizem os homens que eu sou?” Ao que replicaram: “João Batista; outros, Elias, outros ainda, um dos profetas” E ele perguntou: “Mas quem vocês dizem que eu sou?” Pedro respondeu: “És o Cristo”. Mateus acrescenta que Jesus abençoou Pedro pela sua acuidade, e em seguida declarou que a igreja seria edificada sobre ele e sobre o seu reconhecimento de Jesus como o Messias. |
– O Evangelho de Tomé narra o episódio de maneira diferente; Jesus disse a seus discípulos: “Comparem-me e digam-me com quem me pareço eu”. Disse Simão Pedro: “És semelhante a um anjo justo”. Disse-lhe Mateus: “És semelhante a um filósofo sábio”. Disse-lhe Tomé: “Mestre, minha boca é totalmente incapaz de dizer com quem tu és semelhante”. Jesus disse: “Não sou o seu Mestre. Porque vocês beberam, ficaram embriagados da fonte borbulhante da qual eu lhes servi”. Jesus não nega aqui o seu papel de Mestre. Mas os discípulos e suas respostas representam um nível inferior de compreensão. Daí Tomé, que reconhecia a impossibilidade de atribuir qualquer papel específico a Jesus, transcendeu , naquele instante de reconhecimento, a relação discípulo/mestre. |
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O modelo gnóstico aproxima-se do modelo psicoterapeutico: ambos admitem a necessidade de orientação, como medida provisória apenas. O propósito de aceitar a autoridade é aprender a superá-la; aquele que se torna maduro não precisa mais de uma autoridade exterior. |
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Quem alcança a gnose torna-se “não mais um cristão, mas um Cristo” E quem esperava “tornar-se Cristo”, dificilmente poderia admitir que as estruturas institucionais da igreja – seus bispos e padres, seu credo e cânone, e seus ritos – possuíssem a autoridade suprema. |
– Aquele que confessasse o Credo, aceitasse o ritual do batismo, participasse do culto e obedecesse ao clero, pertencia à igreja. |
– Os gnósticos afirmam que o que distingue a verdadeira da falsa igreja não é a sua relação com o clero, mas o nível de compreensão dos seus membros e a qualidade das relações que esses mantém entre si, unidos pela amizade e amor fraternal. |
Conclusão
Vimos que a corrente filosófica e religiosa de nome Gnosticismo foi um movimento pré-cristão, cfe. os atuais estudiosos Bousset/Reitzenstein, que vieram a corroborar as pesquisas de George R.S. Mead, erudito secretário de HPB durante os últimos anos de vida desta grande iniciada.
Podemos dizer que essa grande corrente – O Gnosticismo – pode ser dividida em: uma popular (influenciada pelas antigas religiões, notadamente o Zoroastrismo – 1400 AC , que também veio a influenciar o Catolicismo contribuindo com as “crenças no céu, no inferno, na ressurreição dos mortos e no juízo final”); e outra esotérica, de origem grega (pelo Orfismo do VI sec. AC, e o Neoplatonismo, através de Plotino, entre 204 AC e 70 DC ) – doutrinas que professavam, entre outros aspectos, a purificação da alma para evitar futuros renascimentos.
Esta corrente helenística influenciou notavelmente os primeiros padres cristãos (que eram gregos), inclusive o conhecido São Paulo, que era um judeu helenizado e com uma visão universalista cristã, contrária ao segregacionismo judaico. Mas, aos poucos, o cristianismo puro de Jesus foi sendo dominado, com a emergente igreja católica assimilando cada vez mais, através dos concílios, ensinamentos do Velho Testamento, tornando-se, na realidade, uma igreja judaica-cristã. Muitas interpolações foram feitas nos evangelhos ditos canônicos, com evidente objetivo.
Ao estudarmos as origens do Catolicismo começamos a entender o por que da sua sobrevivência por quase 2000 anos! É a façanha de uma organização hierarquizada que se autodenominando representante de Deus na face da terra, através de seus clérigos, procurou nivelar as consciências por meio de dogmas. E tal organização jamais iria abrir mão da sua “representatividade”, pois sem ela não haveria razão para a sua existência!
O dogmatismo e a intolerância advindas dessa imposição (como se o homem fosse um ser estático, não passível de evolução), castraram o desenvolvimento de muitas consciências, e as que se rebelaram sofreram restrições terríveis. Suficiente é nos lembrarmos da “Santa Inquisição” e dos “trabalhos” de catequese que tiraram de muitas sociedades o direito de seus membros à liberdade de culto! E em muitos casos, as suas riquezas materiais…
Sylvia Cranston, em sua recente obra Helena Blavatsky, relata que “o trabalho da Teosofia … foi reconhecido na Encyclopaedia Britannica num artigo sobre o Cristianismo pelo historiador da religião, Ernst Wilhelm Benz… definindo-a (a teosofia) como “caracterizada principalmente por uma combinação de tradições e ensinamentos cristãos e elevadas religiões asiáticas” , concluindo a seção com um comentário surpreendente: …”Muitos eruditos estão convencidos de que, no século vinte, é necessário um Cristianismo Esotérico para cumprir uma tarefa positiva como um contra movimento capaz de compensar a perda de substância espiritual na organização institucional, social e dogmaticamente estática da Igreja”.
Em Isis Sem Véu, HPB cita Max Müller, que escreveu em l860: “A ciência da religião está só começando… Durante os últimos 50 anos, documentos autênticos das religiões mais importantes do mundo foram recuperados de maneira inesperada e quase miraculosa…” (e até então, nada se sabia de Nag Hammadi!) . E ela pergunta se a freqüente ocorrência dessas descobertas não obedece a algum propósito pré-determinado: “Será tão estranho pensar que os guardiões da sabedoria “pagã”, vendo que chegou o momento certo, façam com que o documento, livro, ou relíquia necessários cheguem como que por acaso às mãos do homem certo?”.
Estará chegando “por acaso” às suas mãos?
P.S.: Este trabalho representa “o direito de liberdade de pensamento e de expressão” , e o 2o- objetivo da Sociedade Teosófica que é o de “Encorajar o estudo da Religião comparada, Filosofia e Ciência”. Portanto, não representa, necessariamente, a filosofia da Sociedade, que procura “remover os antagonismos religiosos… e unir os homens de boa vontade quaisquer que sejam as suas opiniões religiosas, estudar as verdades apresentadas pelas religiões e compartilhar os resultados de seus estudos com outros.”
Bibliografia:
Pagels, Elaine – Os Evangelhos Gnósticos ; Ed. Cultrix, 1979
Kuntzmann, R – Nag Hammadi – O Evangelho de Tomé ; Edições Paulinas, 1990
Mead, George R.S. – O Hino de Jesus – Um Rito Gnóstico ; Ed. Teosófica, 1994
Rodhen, Huberto – O Quinto Evangelho ; Ed. Alvorada
Le Cour, Paul – O Evangelho Esotérico de São João ; Ed. Pensamento, 1980
Hinnells, John R. – Dicionário das Religiões ; Ed. Cultrix, 1984
Cranston, Sylvia – Helena Blavatsky – A Vida e a Influência Extraordinária da Fundadora do Movimento Teosófico Moderno ; Ed. Teosófica, 1997