Muṇḍaka Upaniṣad

 

OM…

Com nossos ouvidos, ouçamos o que é bom.

Com nossos olhos, contemplamos vossa integridade.

Tranqüilos no corpo, possamos nós, que vos veneramos, encontrar descanso.

OM… Paz – paz – paz.

 

 

  1. DO INFINITO OCEANO da existência surgiu Brahman, primogênito e o primeiro entre os deuses. Dele jorrou o Universo, e ele se tornou seu protetor. O conhecimento de Brahman, alicerce de todo conhecimento, ele revelou a seu filho primogênito, Atharva.
  2. Atharva, por sua vez, ensinou esse mesmo conhecimento de Brahman a Angi. Angi ensinou-o a Satyabaha, que revelou a Angiras.
  3. Certa vez, Sounaka, o famoso chefe de família, dirigiu-se a Angiras e perguntou-lhe respeitosamente:
  4. “Sagrado senhor, o que é aquilo através do qual todo o resto é conhecido?”
  5. “Aqueles que conhecem Brahman“, replicou Angiras, “Dizem que existem dois tipos de conhecimento, o superior e o inferior.
  6. “O inferior é o conhecimento dos Vedas (O Rig, O Sama, O Yajur e o Atharva), e também o conhecimento da fonética, dos cerimoniais, da gramática, da etimologia, da métrica e da astronomia.
  7. “O mais elevado é o conhecimento daquilo através do qual se conhece a realidade imutável. Através disso, é totalmente revelado aos sábios aquilo que transcende os sentidos, que não tem causa, que é indefinível, que não tem olhos nem ouvidos, nem mãos nem pés, que tudo permeia, que é mais sutil do que o mais sutil – o que dura eternamente, a origem de tudo.
  8. “Como a teia vem da aranha, como as plantas crescem do solo e o cabelo do corpo do homem, assim jorra o Universo do eterno Brahman.
  9. Brahman quis que fosse assim, e extraiu de si mesmo a causa material do Universo; disso veio a energia primordial; e da energia primordial a mente; da mente os elementos sutis; dos elementos sutis os diversos mundos; e das ações realizadas por seres nos diversos mundos a cadeia de causa e efeito – a recompensa e punição das ações.
  10. Brahman tudo vê, tudo sabe; ele é o próprio conhecimento. Dele nascem a inteligência cósmica, o nome, a forma, e a causa material de todos os seres criados e das coisas.”
  11. Finitos e transitórios são os frutos dos rituais de sacrifício. Os iludidos, que os encaram como os mais elevados bens, permanecem sujeitos ao nascimento e à morte.
  12. Vivendo ao abismo da ignorância, porém sábios em seu próprio conceito, os iludidos dão voltas e voltas, como cegos levados por cegos.
  13. Vivendo no abismo da ignorância, embora sábios em seu próprio conceito, os iludidos se crêem abençoados. Apegados a palavras, não conhecem Deus. As ações levam-nos apenas ao céu, onde, para sua tristeza, suas recompensas rapidamente se esgotam, e são lançados de volta à terra.
  14. Ao considerarem a religião como sendo a execução de rituais e a prática de ações de caridade, os iludidos permanecem ignorantes do bem mais elevado. Após aproveitar no céu a recompensa das suas boas ações, eles penetram novamente no mundo dos mortais.
  15. Porém as Almas sábias e tranqüilas e que possuem autocontrole – que estão satisfeitas em espírito, e que praticam a austeridade e a meditação na solidão e no silêncio – são libertadas de toda impureza, e atingem, através do caminho da libertação para o imortal, o que verdadeiramente existe, o imutável Eu.
  16. Que o homem dedicado à vida espiritual examine cuidadosamente a natureza efêmera de tal prazer, seja aqui ou no além, como pode ser obtido através de boas ações, e perceba assim que não é pelas ações que se ganha o Eterno.
  17. Que não dê atenção às coisas transitórias, e sim que, absorto na meditação, renuncie ao mundo. Para conhecer o Eterno, que se aproxime humildemente de um guru dedicado a Brahman e que conheça bem as escrituras.
  18. A um discípulo que se aproxima reverentemente, que é tranqüilo e possui autocontrole, o mestre sábio, sinceramente e sem restrição, fornece esse conhecimento através do qual e conhecido o que verdadeiramente existe, o Eu imutável.
  19. O imperecível é o Real. Assim como inúmeras fagulhas sobem de um fogo flamejante, das profundezas do imperecível surgem todas as coisas. Para as profundezas do imperecível elas tornam a descer.
  20. Dotado de luz própria é esse Ser, e não possui forma. Ele habita dentro de tudo e fora de tudo. Ele nunca nasceu, é puro, maior do que o maior, não possui alento, não possui mente.
  21. Dele nascem o sopro vital, a mente, os órgãos dos sentidos, o éter, o ar, o fogo, a água e a terra, e ele mantém tudo isso unido.
  22. O céu é a sua cabeça, o sol e a lua os seus olhos, as quatro fases os seus ouvidos, as escrituras reveladas a sua voz, o ar o seu fôlego, o Universo o seu coração. Dos seus pés veio a terra. Ele é o mais profundo Eu de todos.
  23. Dele surge o céu iluminado pelo sol, do céu a chuva, da chuva o alimento, e do alimento a semente que o homem dá à mulher.
  24. Assim, todas as criaturas descem dele.
  25. Dele saem os hinos, os cantos devocionais, as escrituras, os rituais, os sacrifícios, as oblações, as divisões do tempo, o que age e a ação, e todos os mundos iluminados pelo Sol e purificados pela Lua.
  26. Dele nascem deuses de diversas descendências. Dele nascem anjos, homens, feras, pássaros; dele nascem a vitalidade e o alimento para sustentá-la; dele vêm a austeridade e a meditação, a fé, a verdade, a continência e a lei.
  27. Dele jorram os órgãos dos sentidos, suas atividades, e seus objetos, junto com a consciência desses objetos. Todas essas coisas, partes da natureza do homem, saem dele.
  28. Nele os mares e as montanhas têm sua origem; dele jorram os rios, e dele nascem as ervas e outros elementos que sustentam a vida, com a ajuda dos quais o corpo sutil do homem subsiste no corpo físico.
  29. Assim, Brahman é tudo em tudo. Ele é ação, conhecimento, bondade suprema. Conhecê-lo, oculto no lótus do coração, é desatar o nó da ignorância.

  30. Dotado de luz própria é Brahman, sempre presente nos corações de todos. Ele é o refúgio de todos, é a meta suprema. Nele existe tudo o que se move e respira. Nele existe tudo que é. Ele é ao mesmo tempo aquilo que é grosseiro e tudo aquilo que é sutil. Ele é adorável. Ele está além do alcance dos sentidos. Ele é supremo. Atingi-o!
  31. Ele, o dotado de luz própria, mais sutil do que o mais sutil, em quem existem todos os mundos e todos os que neles habitam – esse é o imperecível Brahman. Ele é o princípio da vida. Ele é a palavra, ele é a mente. Ele é real. Ele é imortal. Atingi-o, Ó meu amigo, a única meta a ser atingida!
  32. Juntai-vos ao ?pani?ad, o arco incomparável, a flecha afiada do culto devocional; então, com a mente absorta e o coração fundido no amor, arremessai a flecha e acertai o alvo – o imperecível Brahman.
  33. OM é o arco, a flecha é o ser individual, e Brahman é o alvo. Mirai com o coração tranqüilo. Perdei-vos dentro dele, do mesmo modo como a flecha se perde no alvo.
  34. Nele estão reunidos o céu e a terra, junto com a mente e todos os sentidos. Conhecei-o, apenas o Eu. Desisti de conversas fúteis. Ele é a ponte da imortalidade.
  35. Dentro do lótus do coração ele habita, onde, como os raios de uma roda, os nervos se encontram. Meditai nele como OM. Facilmente podereis atravessar o mar da escuridão.
  36. Esse Eu, que tudo compreende, que tudo sabe, e cuja glória está manifestada no Universo, mora dentro do lótus do coração, o trono brilhante de Brahman.
  37. Ele é conhecido pelos puros de coração. O Eu existe no homem, dentro do lótus do coração, e é o mestre da sua vida e do seu corpo. Com a mente iluminada pelo poder da meditação, os sábios o conhecem, o abençoado, o imortal.
  38. O nó do coração, que é a ignorância, se afrouxa, todas as dúvidas se dissolvem, todos os efeitos malignos das ações são destruídos, quando ele, que é ao mesmo tempo pessoal e impessoal, é percebido.
  39. No fulgurante lótus do coração habita Brahman, que não possui paixões e é indivisível. Ele é puro, ele é a luz das luzes. Ele é alcançado pelos conhecedores do Eu.
  40. O Sol não o ilumina, nem a Lua, nem as estrelas, nem o relâmpago – nem, na verdade, fogos acesos sobre a terra. Ele é a luz que dá luz a tudo. Quando ele brilha, tudo brilha.
  41. Esse Brahman imortal está na frente, esse Brahman imortal está atrás, esse Brahman imortal se estende para a direita e para a esquerda, para cima e para baixo. Verdadeiramente, tudo é Brahman e Brahman é supremo.
  42. Como dois pássaros de plumagem dourada, inseparáveis companheiros, assim o Eu individual e o Eu imortal se empoleiram nos galhos da mesma árvore. O primeiro prova as frutas doces e amargas da árvore; o último, nada experimentando, observa calmamente.
  43. O Eu individual, iludido pelo esquecimento da sua identidade com o Eu divino, confundido pelo seu ego, sofre e fica triste. Porém, quando reconhece o venerável Senhor como seu verdadeiro Eu e contempla sua glória, não sofre mais.
  44. Quando o que vê contempla o fulgurante, o Senhor, o Ser Supremo, então, transcendendo tanto o bem como o mal, e libertando-se das impurezas, une-se a ele.
  45. O senhor é a única vida que brilha em cada criatura. Ao vê-lo presente em tudo, o homem sábio é humilde, não se coloca à frente de nada. Seu deleite está no Eu, sua alegria está no Eu, ele serve ao Senhor em tudo. Como ele, de fato, são os verdadeiros conhecedores de Brahman.
  46. Esse Eu fulgurante deve ser percebido dentro do lótus do coração através da continência, da firmeza na verdade e na meditação e pela visão superconsciente. Com suas impurezas extintas, os que vêem o percebem.
  47. Só a verdade tem sucesso, e não a falsidade. O caminho da verdade é aberto através da verdade, o caminho que é seguido pelos sábios, libertos dos desejos, e que os leva à morada eterna da verdade.
  48. Brahman supremo; ele é autoluminoso, está além de todo pensamento. Ele é mais sutil, do que o mais sutil, mais veloz do que veloz, mais próximo do que o mais próximo. Ele habita o lótus do coração de todos os seres.
  49. Os olhos não o vêem, a palavra não pode pronunciá-lo, os sentidos não podem alcançá-lo. Ele não é alcançado nem por austeridade nem por rituais de sacrifício. Quando o coração se torna puro através da discriminação, então, na meditação, o Eu impessoal é revelado.
  50. O Eu sutil dentro do corpo que vive e respira é percebido naquele estado de consciência puro onde não existe dualidade – aquele estado de consciência através do qual o coração bate e os sentidos executam suas funções.
  51. Seja do céu, ou dos prazeres celestes, seja do desejo, ou dos objetos do desejo, qualquer pensamento que surja no coração do sábio é satisfeito. Assim, que aquele que procura seu próprio bem venere e adore o sábio.
  52. O sábio conhece Brahman, o alicerce de tudo, o puro ser fulgurante em que está contido o Universo. Os que veneram o sábio, e o fazem sem pensar em si, cruzam a fronteira do nascimento e da morte.
  53. Aquele que, meditando a respeito de objetos dos sentidos, vem a ansiar por eles, nasce aqui e ali, vezes e vezes sem fim, levado pelo desejo. Porém aquele que percebeu o Eu, e dessa forma satisfez toda fome, alcança a libertação até mesmo nesta vida.
  54. O Eu não é conhecido através do estudo das escrituras, nem através das sutilezas do intelecto, nem através de muito aprendizado. Porém é conhecido por aquele que anseia por ele. A esse verdadeiramente, o Eu revela seu verdadeiro ser.
  55. O Eu não é conhecido pelos fracos, nem pelos descuidados, nem pelos que não meditam corretamente. Mas pelos que meditam corretamente, pelos sérios e pelos fortes, ele é completamente conhecido.
  56. Após conhecerem o Eu, os sábios se enchem de felicidade. Tornam-se abençoados, tranqüilos na mente e livres de paixões. Percebendo em todos os lugares o Brahman que tudo permeia, profundamente absortos na contemplação do seu ser, penetram nele, o Eu de todos.
  57. Após terem verificados e percebido completamente a verdade do Vedanta, após terem-se estabelecido na pureza de conduta por seguirem a ioga da renúncia, esses grandes atingem a imortalidade nesta mesma vida; e, quando seus corpos os abandonam na hora da morte, atingem a libertação.
  58. Quando a morte surpreende o corpo, a energia vital penetra na força cósmica, os sentidos se dissolvem na sua causa e os Karmas e a alma individual se perdem em Brahman, o puro, o imutável, o infinito.
  59. Do mesmo modo como os rios correm para o mar e, ao fazerem isso, perdem o nome e a forma, assim o homem sábio, liberto do nome e da forma, alcança o Ser Supremo, o autoluminoso, o infinito.
  60. Aquele que conhece Brahman torna-se Brahman. Ninguém que ignore Brahman nasce jamais na sua família. Ele passa além de todo sofrimento. Ele supera o mal. Liberto dos grilhões da ignorância, torna-se imortal.
  61. Que a verdade de Brahman seja ensinada somente àqueles que obedecem à sua lei, que são dedicados a ele, e que são puros de coração. Que ela jamais seja ensinada aos impuros.
  62. Salve os sábios! Salve as almas iluminadas!
  63. Essa verdade sobre Brahman foi ensinada em tempos remotos a Shounaka por Angira. Salve os sábios! Salve as almas iluminadas!

 

OM… Paz – paz – paz.

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