Viva foi minha alegria ao ganhar hoje de minha amiga, a laureada escritora Zulmira Ribeiro Tavares, de quem aprendo sobre as Belas Letras, livro recém-lançado. Recebeu uma edição especial, das mãos cuidadosas de Cosac Naïfy, nesta cidade de São Paulo.
Trata-se de uma singela homenagem aos cem anos de Claude Lévy-Strauss, nascido em Bruxelas a 28 de novembro de 1908. Faleceu, com quase 101 anos, em Paris a 30 de outubro de 2009.
Este acepipe embalado em capítulos foi-me triplamente gratificante: vivenciar o laço afetivo que me une à Zulmira, a novidade do livro fruto de um projeto que eu desconhecia e pelo seu conteúdo para mim inédito. O título é instigante: “O suplício de Papai Noel”, quanto menos, por ter sido escrito pelo antropólogo Lévy-Strauss.
O Natal de 1951 na França foi sui generis. Os sacerdotes cristãos vinham, de algum tempo, manifestando seu descontentamento com a extremada importância dedicada a Papai Noel, assim, paganizando uma festa ao Cristo.
Católicos e protestantes uniram-se neste movimento. Nos jornais e revistas apareceram cartas de leitores e artigos, em geral contra a posição tomada pelos religiosos. Em 24 de dezembro de 1951, na cidade francesa de Dijon acontece um fato culminante, descrito no jornal France-Soir: “Papai Noel é queimado no átrio da Catedral de Dijon diante de crianças de orfanatos”.
O espetáculo foi organizado pelo clero diante de centenas de crianças, e seguiu um rito: primeiro, Papai Noel foi enforcado nas grades da Catedral, às três horas da tarde de domingo. Em seguida, queimado, acusado como herege usurpador do lugar de Jesus Cristo. Mais, como sendo o responsável pelo desaparecimento do presépio nas escolas públicas. Ao final da execução foi distribuído um panfleto onde se lia:
“Representando todos os lares cristãos da paróquia, dispostos a lutar contra a mentira, 250 crianças reunidas diante do portão principal da Catedral de Dijon, queimaram o Papai Noel. Não se tratou de um espetáculo, e sim de um gesto simbólico. Papai Noel foi sacrificado em holocausto.
De fato, a mentira não pode despertar o sentimento religioso na criança e não é, de modo algum, um método educativo – que outros digam e escrevam o que quiserem e façam de Papai Noel o contrapeso do Père Fouettard (o Bicho Papão de lá). Para nós cristãos o Natal deve continuar a ser o festejo que comemora o nascimento do Salvador.
Tudo isso parece um episódio tão somente pueril. Porém, marcou fundo nas transformações de usos e costumes ocorridas na França do pós-guerra. E nada passou despercebido aos olhos de Lévy-Strauss. Um fenômeno de engenharia reversa: enquanto a opinião pública, neste momento, ostensivamente divorciada da Igreja, se coloca como defensora de um Papai Noel ameaçado – que virou um símbolo da irreligião, os clérigos adotam uma profissão de fé em prol da franqueza e da verdade.
Vejam vocês que pândega: no mesmo domingo, dia 24, em Dijon, o prefeito anuncia em comunicado oficial a convocação de todas as crianças, às 18 horas, para a Praça da Libertação, onde fará um pronunciamento declarando a Ressurreição do Papai Noel.
Apesar disso, a França vivia um momento histórico, seu povo mostrava uma tendência à conciliação com a Igreja. Já existia, então, até um partido político democrata-cristão. Neste episódio, o clero resolveu dar um passo atrás, já que dera um tiro no pé. Afinal, as crianças gostam tanto de Papai Noel, e aos adultos fica a bela recordação dessa época.
Os laicos incrédulos e racionalistas davam-se conta de estar defendendo uma superstição. Ao fim e ao cabo, deste fato insólito extraiu-se mais uma boa oportunidade de reforçar a aproximação entre religiosos e não-religiosos. Em seguida, Lévy-Strauss faz em seu livro uma suave análise das raízes do fenômeno Papai Noel, dissertando, também, sobre seus paralelos nas várias Culturas
São Nicolau, ou Santa Claus para os ingleses, segundo a tradição nasceu em Patara, atual Turquia. É o santo padroeiro da Rússia e das crianças, dentre outros. Na juventude realizou peregrinação à Palestina e ao Egito. Na volta, por sua coragem, foi eleito Bispo de Mira, Ásia Menor. Suas relíquias foram transportadas no final do século XI para a cidade de Bari, na Itália, por isso é chamado também Bispo de Bari.
Diz-se que certa vez teria dado presentes secretamente às três filhas de um homem pobre que, por falta de dotes para seus casamentos, estavam destinadas à prostituição. Daí teria se originado o costume de dar presentes na véspera do dia de Natal e sua personificação como o Bom Velhinho. A festa do Santo Arcebispo de Mira e Bari é comemorada pela Igreja Católica Romana no dia 06 de dezembro.
Curioso é que nessa ação da Igreja em tentar destruir Papai Noel, desvelou-se o quanto esta figura ritualística simboliza necessidades arcaicas na história da Mente Humana. Deste incidente ele saiu mais forte e tornou-se perene.