Diálogo Inter-religioso

Lamento profundamente que alguém possa sonhar com a sobrevivência exclusiva de sua própria religião e com a destruição de todas as ooutras. Chamo a atenção de quem pensa dessa forma para o fato de que, sobre a bandeira de todas as religiões, em breve estará escrito, a despeito de qualquer resistência: cooperação, e não confronto, inclusão, e não destruição, harmonia e paz, e não discórdia.

Svami Vivekananda

No dia 27 de setembro de 1.893, em pronunciamento no Primeiro Parlamento Mundial das Religiões, realizado em Chicago, o mestre indiano Svami Vivekananda proferia as palavras postas em epígrafe a este artigo. Lendo hoje o discurso do sábio hindu, ficamos pensando no quanto gostaríamos que ele tivesse sido profético. Num certo sentido o foi, pois há mais de cem anos, antes que se tornasse moda falar em diálogo inter-religioso, Vivekananda já assumira como missão mostrar os pontos de encontro entre as religiões e, portanto, as possibilidades de diálogo. No entanto não foi profético ao se constatar que a propalada harmonia ainda permanece um anelo distante.

Muito mais que modismo passageiro, a questão do diálogo inter-religioso tornou-se um imperativo, num momento em que assistimos, atônitos, ao recrudescimento de práticas que reputávamos medievais e, portanto, já há muito superadas. Isso, bom que se deixe claro, se verifica não somente entre religiões não-cristãs, mas no seio do próprio cristianismo e, inclusive, da Igreja Católica. É necessário frisar esse aspecto –  e nunca será demais fazê-lo – para que não se incorra na fácil e confortável postura de quem sempre age na perspectiva de que 'o diabo são os outros'. Um 'mea culpa' de vez em quando é necessário.

Isso posto, pretendemos propor aqui algumas ponderações que considero necessárias e pertinentes, tendo em vista a complexidade do tema. Um conhecido aforismo popular aconselha: 'religião, futebol e política não se discute'. Essa máxima tem a sua razão de ser. A busca religiosa diz respeito a uma das necessidades mais profundas do ser humano, pois ela remete, em última instância, à busca pelo sentido da vida e, até, da pós-vida, do além da vida. Controvérsias á parte, alguns autores, entre os quais destacaríamos Carl Gustav Jung, propõem que esta necessidade seja estruturalmente constituinte do ser humano. É um dado com qual o ser humano, mais cedo ou mais tarde, terá que se defrontar. Talvez, por isso mesmo, motive tantas e tão acaloradas discussões. Esse seria o primeiro aspecto que destacaríamos em nossa tentativa de analisar as dificuldades e possibilidades da questão.

Um segundo aspecto, igualmente importante, diz respeito ao objeto da religião, ou seja, o sagrado. Ele será sempre a pedra angular de qualquer religião. Pode-se afirmar que o que funda e dá consistência a uma religião é o sagrado, mas o que vai constituí-la serão as manifestações dessa dimensão e as formas como as pessoas se relacionam com ela. Um dos maoires estudiosos de história das religiões, o romeno Mircea Eliade, propôs o termo hierofania para designar as manifestações do sagrado. /assim, sumariamente falando, uma religião seria o conjunto de algumas formas instituídas de lidar com determinadas hierofanias.

Disso decorre um terceiro aspecto concernente à questão de que vimos tratando. No caso, talvez o mais importante a considerar, que é o seguinte: se o sagrado apresenta algumas características comuns encontráveis em qualquer religião, sua manifestação passa por medições culturais. E aqui saímos da generalidade para a singularidade, para a especificidade. O dado cultural é um aspecto importantíssimo a considerar no estudo das hierofanias. Quando o sagrado se manifesta, ele o faz num determinado lugar, para uma pessoa ou um determinado grupo de pessoas que têm características e peculiaridades que lhe são próprias. O que estamos dizendo, em suma, é que as determinações de uma dada cultura sempre estarão presentes na relação com o sagrado, portanto, nas religiões.

Do exposto, decorre uma conclusão inevitável: advogar a aniquilação das diversas religiões com o objetivo de impor uma religião universal revela apenas um grande desconhecimento daquilo mesmo que as funda, ou seja, as hierofanias, as quais sempre são eivadas das peculiaridades próprias dos diversos agrupamentos humanos em que se dão. Talvez existam tantas religiões porque os seres humanos são constituídos por características bem diversas, e características diferentes demandam práticas religiosas diferentes.

Resta, portanto, a possibilidade do diálogo como única alternativa para as religiões, caso optem por defender aquilo mesmo que deveria ser seu anelo primordial e objetivo comum a todas: a preservação da vida. E diálogo implica, necessariamente, em reconhecer – e, mais que isso, respeitar – o diferente. Talvez somente assim se possa falar em unidadee – aqui no sentido de unidade de propósitos -, o que não se confunde com uniformidade.

Concluímos com as sábias palavras de um outro mestre indiano, por quem temos enorme apreço, Paramahansa Yogananda, proferidas em Boston, em 1.926, durante a realização do Congresso Internacional de Religiões Liberais, ao qual fora na condição de convidado. As palavras aqui reproduzidas são citadas no seu livro “Autobiografia de um Iogue”. Ao se referir ao objetivo comum a todas as religiões, disse o mestre hindu: “A religião é uma só e universal. Não podemos universalizar costumes e convenções particulares; mas o elemento comum nas religiões pode ser universalizado, e a todos podemos pedir que o sigam e cumpram”.

José Vasconcelos Arruda Filho é psicólogo, professor de História das Religiões no Instituto de Ciências Religiosas (ICRE – Fortaleza, CE) e autor do livro “Viagem Mística no Tibete”

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