O Observador

 

Extraído do livro (no prelo) ‘O Observador, a Verdade e a Vida’: uma Visão Transpessoal da Psicologia no Advaita Ved?nta

 

Teve um momento em nossa existência em que adquirimos a capacidade de perceber a noção de que temos uma individualidade, que passamos a sentir que ‘eu sou eu’ e ‘o outro é o outro’. A partir desse momento de separação, devido a uma Suprema Força Universal Atrativa, surgiu a necessidade de reaproximação, de falar com o outro, interagir, de discutir como estamos nos sentindo. A mesma capacidade mental que nos individualiza é a que imagina a existência de um passado ou de um futuro. Nossa mente vasculha o passado e o percebe glorioso ou nefasto e projeta um futuro, igualmente otimista ou pessimista.

 



Buscamos incessantemente ser felizes e a tradição oriental nos diz que nosso estado real é de absoluta felicidade, mas testemunhamos tantas injustiças à nossa volta que achamos que a perfeição não existe e que a verdade das coisas é inalcançável. Vivemos num tempo em que pedir sinceridade é pedir muito: não acreditamos em nada nem ninguém, não temos fé e duvidamos de tudo. Almejamos pureza sem compreendê-la nem sequer saber verdadeiramente o que essa palavra representa.

Por que queremos mudar o mundo? Sonhamos com um mundo melhor e mais verdadeiro simplesmente porque não podemos separar o mundo e a nossa existência. Aquela nossa percepção de separatividade não é uma verdade, em absoluto. Por isso o homem, que na verdade não é separado de nada, sempre buscou soluções materiais (e externas a si mesmo) ou transcendentais (internas em sua psique) para melhorar tanto o mundo quanto a si mesmo, em busca daquele estado de felicidade.

Alguns querem educar as pessoas, dar-lhes uma base ética e moral de como portar-se em sociedade e de como governar e promover a justiça e a felicidade da mesma. Já outros querem corrigir a si mesmos e descobrir se o que percebem como injustiças e infâmias, corrupção e ódio, roubo e destruição, nos atos e pensamentos do plano das aparências, têm uma realidade implícita mais profunda ou não. Para isso, tem-se que limpar a mente de todas as idéias pré-concebidas para poder se perceber o que verdadeiramente está acontecendo.

Vivemos em múltiplas dimensões, todas ao mesmo tempo, e todas elas têm a sua própria realidade, de forma que não existem saídas “celestiais” para os obstáculos terrenos à nossa percepção da felicidade, mas toda solução tem que ser encontrada no seu próprio espaço-tempo, no aqui-e-agora do presente, e não fugindo, escapando para outras dimensões da existência.

Para Sidhartha Gautama, há obstáculos que são vencidos pelo discernimento, outros pelo autocontrole, outros pelo uso correto de meios de proteção, outros pela tolerância, outros são vencidos evitando-os, outros são vencidos repelindo-os e outros são superados pelo desenvolvimento espiritual[1].

Não adianta não querer ver e fugir! Não adianta escapar mentalmente para outro lugar no tempo (passado ou futuro)! Não adianta esperar pelo paraíso prometido depois da morte! Algumas pessoas tentam escapar usando drogas lícitas ou ilícitas, mas não conseguem. Onde quer que estejam, suas mentes as acompanham e, mais cedo ou mais tarde, elas têm que encarar seus problemas e obstáculos (seus kle?as) [2]. Felicidade e infelicidade são apenas condições da mente.

Vivemos encarcerados mentalmente, tanto na noção de separatividade, do “eu” e do “meu”, quanto nos conceitos de espaço-tempo convencionais. E isso nos limita! Não percebemos a felicidade porque não somos livres. Nossos obstáculos mentais nos limitam a percepção da felicidade e somente seremos “salvos” se alcançarmos a nossa Liberdade (mok?a).

Tudo o que nos acontece é, tão somente, o efeito de um modo de viver prévio e a única função de nossa percepção mental de um passado que não existe mais é o aprendizado cognitivo das lições do passado. Os efeitos presentes de uma viver prévio incorreto podem e devem ser corrigidos por um viver correto aqui-e-agora, da mesma forma que nossos problemas de agora têm que ser resolvidos agora!

Não existem soluções miraculosas para os problemas da vida. Temos que ser Observadores de nossa própria vida e perceber a realidade dela. Essa é a essência do ensinamento do Ved?nta e a única forma de alcançarmos o autoconhecimento e nossa autotransformação. E essa autotransformação, na realidade, é um descondicionamento, uma purificação de nossa mente para que ela possa refletir a pureza e felicidade de nosso Ser. Esse é o objetivo último de nossas vidas.

Segundo o Ved?nta, existem quatro objetivos e/ou valores da vida humana:

 

Artha? – dinheiro, riqueza; propriedade, bens; fortuna; abundância; objeto dos sentidos, objeto estimado. Bem estar econômico e sucesso no mundo.

K?ma? desejo pelos objetos que estimulam os sentidos. Satisfação de desejos legítimos.

Dharma? – desejo pela virtude, mérito; dever, justiça, lei natural, religião, ordem estabelecida, costume, instituição, obrigação individual ou coletiva (física, moral ou espiritual); a perfeição ética e moral.

Mok?a – emancipação do espírito das ilusões da existência; liberação, salvação, libertação – autoconhecimento.

A satisfação dos desejos (k?ma?) e a prosperidade econômica (artha?) devem ser guiadas por um viver correto, com valores morais e éticos, conhecidos coletivamente como dharma. Sem este princípio orientador (dharma), os outros dois aumentam a ambição e ânsia de poder. Mas, esses três primeiros valores só se tornam significativos quando alinhados com o quarto: mok?a.

Primeiro alinhar nossos objetivos com a meta final e depois buscar a meta final, a libertação de todos os nossos cárceres (crenças e condicionamentos mentais) é a ‘receita’ para perceber novamente que não estamos separados uns dos outros, nem separados do Universo à nossa volta. Nosso senso de individualidade esconde a Verdade da Unidade da Vida. Sejamos Observadores…

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