A Aceleração das mudanças e como “enfrentá-la”

 

Publicado no Jornal “Estado de Minas”, Coluna R. Humanos, em 01/12/96 – B. Horizonte – MG
* Publicado na Revista Rae Light, Fundação Getúlio Vargas, Volume 4, Número 2, abr/jun. 1997 – S. Paulo – SP

 

Inevitável, nos dias de hoje, ao se falar sobre Educação, Empresas, Recursos Humanos, Desenvolvimento, Treinamento, como dos demais ramos do conhecimento, sem nos referirmos ao já desgastado assunto que dá título a esse artigo.

Entretanto, nas atuais circunstâncias, um enfoque mais abrangente torna-se necessário para o “enfrentamento” dessas mudanças. Algumas tentativas conhecidas têm sido nebulosas nesse campo, razão pela qual preferimos nos aprofundar nesse aspecto.

Nesses últimos anos, avanços substanciais têm sido notados em quase todos os campos do conhecimento: Física, Química, Biologia, Matemática e outros. Pessoas envolvidas nesses estudos nos têm proporcionado uma evolução em relação à longevidade e qualidade de vida, pessoal e profissional.

No entanto, ao falarmos sobre educação, recursos humanos e comportamentos em geral, será que podemos constatar uma evolução semelhante? Certamente não. É cada vez maior, nessa área (e em muitas outras), o abismo que separa o comportamento das pessoas do formidável avanço tecnológico em curso. Não seria então razoável inspirarmo-nos nessas novas conquistas da ciência e, a partir daí, tentarmos diminuir esse abismo na procura de um melhor desempenho? As Teorias do Caos, da Autopoiese, dos Fractais e das Estruturas Dissipativas são algumas dessas conquistas que devem merecer nossa atenção.

 

TEORIA DO CAOS

A partir de estudos sobre a Teoria do Caos 1, é possível demonstrar o que terá de ser “enfrentado” daqui para frente, na educação, nas empresas, na economia, nas sociedades, em Recursos Humanos etc, é com o que contamos para conviver de maneira harmônica com isso. Essa Teoria nos revela que sistemas complexos, dinâmicos, não lineares, em desordem (Caos) (todos os sistemas em que as variáveis interagem e com diversas alternativas de soluções) têm, muitas vezes, na sua origem, leis e padrões simples. Entretanto, as interferências e acasos no seu percurso tornam impreditível seu comportamento futuro, gerando desordens aparentes e de difícil explicação e entendimento. Ocorrências imprevistas criam ordens desconhecidas (desordem). 

É principalmente na origem do percurso que os acasos exercem maior influência. Vale aqui citar a conferência de Edward Lorenz que se tornou símbolo dessa Teoria: “Previsibilidade: pode o bater das asas de uma borboleta no Brasil ocasionar um tornado no Texas”? Inspirado em seus estudos sobre Meteorologia, Lorenz observou que pequenas ocorrências, principalmente nas condições iniciais, geraram grandes e profundas alterações nas suas previsões. Chamam os estudiosos de “Sensibilidade às condições iniciais”.

Como, então, num mundo em acelerado processo de transformação, pode-se predizer, planejar, se pequenas ocorrências gerarão grandes mudanças? Planejando, sim, para ser possível a intervenção em momentos adequados, mas, principalmente, com flexibilidade e prontidão, que aliadas à informação, nos ajudarão a “enfrentar” essas “mudanças que mudarão”, essas transformações impreditíveis. É necessário lembrar que pequenas ocorrências não devem ser negligenciadas, pois podem gerar grandes efeitos. Informação, flexibilidade e prontidão são nossas potencialidades a serem acionadas para “enfrentar” o “Caos”. Na educação, nas empresas e em Recursos Humanos o avanço da informática tem permitido acesso às informações com precisão e presteza, porém, Flexibilidade e Prontidão são imprescindíveis para responder com versatilidade e agilidade aos desafios advindos da impreditibilidade.

Entenda-se, entretanto, que a nova normalidade oriunda da aceleração das mudanças é a do “Caos”, crise constante, turbulência. Não se cogitam mais períodos de calma ou tempo para reflexão. Até pouco tempo, após momentos de mudanças e revoluções, advinham tempos de calma e tranqüilidade. Agora, não mais. Prontidão, sim.

Um goleiro de futebol treina horas e horas por dia para defender uma bola que ele não sabe aonde vai. Um jogador de tênis, idem. Podemos fazer o mesmo com a Educação e com o comportamento dos Recursos Humanos nas empresas? E no comportamento em geral? Não tenho dúvidas de que sim.

 

AUTOPOIESE

A partir de Maturana 2, biólogo chileno, com sua “Autopoiese” (termo que se refere à autocriação, intergeração, auto-organização dos sistemas vivos) a visão dos fatos ganha novas dimensões.  Os ácidos nucleicos (dos quais o DNA faz parte) participam da formação de proteínas que, por sua vez, participam da formação de ácidos nucleicos. Essa é a circularidade dos processos biológicos, é a representação de um ser vivo. Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Eles são intergerativos, um só existe a partir do outro: o mesmo ocorre com indivíduo e sociedade. Observador e observado interagindo, “o modo de olhar mudando o entendimento do que se vê e se faz”.

Conclusões a partir desses estudos nos mostram que todos os sistemas vivos, em relação a crescimento são criativos, flexíveis e versáteis. Cada célula de um ser vivo, animal ou vegetal, tem no seu núcleo, todas as informações (DNA) da matriz que a gerou, do todo que vai ser e, inclusive, flexibilidade para “enfrentar”, com prontidão, imprevistos que possam ocorrer. Por exemplo, uma semente plantada gera raízes que, ao se desenvolverem, contornam obstáculos, dão a volta em pedras, mas continuam seu caminho para possibilitar a alimentação de uma planta que, ao emergir, cresce. Se uma sombra se impõe, ela desvia, procurando a luz. Como aquelas células sabiam o que deveria ser feito? Como sabiam que o comportamento adequado seria esse?

Ao sofrermos um corte na pele, após a coagulação, as células se comunicam (recentemente, foi fotografado o momento da comunicação entre células) e se unem cicatrizando a ferida. Como elas souberam que deveriam agir daquela maneira se a sombra, a pedra, o corte, foram acasos ou imprevistos?

A partir dessas considerações podemos, ao menos, achar razoável que, se todas as células do corpo têm flexibilidade, o indivíduo como um todo também a tem. É uma potencialidade inata. Cabe ao indivíduo resgatá-la, desenvolvê-la, treiná-la.

Como visto anteriormente, temos a convicção de que, para “enfrentar” as incertezas de um futuro turbulento, é precioso informação, flexibilidade e prontidão. Só assim será possível responder satisfatoriamente aos desafios advindos dessas novas ordens. Flexibilidade é característica do ser humano. Sentidos, imaginação, intuição e sensibilidade são suas potencialidades e os instrumentos adequados para exercitar esta flexibilidade.

Tratemos, pois, de treiná-las. E essa é uma tarefa cujo foco é o indivíduo, principalmente na sociedade e nas organizações. É através de jogos, vivências lúdicas, palestras, sempre embasadas teoricamente, que, aliados a um resgate das experiências vividas, que conseguimos uma conscientização das potencialidades (consciência que leva à ação). São ferramentas modernas advindas de estudos e observações feitas por estudiosos do comportamento, tanto pessoal como profissional.

 

GEOMETRIA FRACTAL 

Vejamos agora como o conhecimento dos Fractais, um novo conceito matemático que tem sido aplicado nos mais variados campos do conhecimento, pode ser relacionado com o comportamento das pessoas.

Fractais são estruturas cujos componentes têm semelhança com a totalidade da estrutura. Estes componentes, por sua vez, são formados por subcomponentes também semelhantes ao todo. Uma samambaia ilustra bem como esse fenômeno ocorre com freqüência na natureza. As folhas que formam a haste principal têm semelhança com a haste. As folhinhas que formam a folha também têm semelhança com o todo. Da mesma maneira estamos acostumados a ver o comportamento de um indivíduo refletindo o comportamento do todo. Ao ser mal atendido em uma empresa por um funcionário é comum observar-se a generalização de que a empresa atende mal, não serve. Esse comportamento individual, para o observador, é um reflexo do comportamento do todo.

Agora, generalizando ainda mais, a União Européia, Mercosul e Nafta são organizações de países que priorizam seus interesses em relação aos de outros países. Eles defendem seus interesses independentemente dos impactos sobre os outros. Há aí uma política de autodefesa implícita e de afastamento dos interesses alheios. O mesmo se observa com relação aos estados, municípios, associações de bairros, famílias etc. O comportamento do todo reflete, simplesmente, o comportamento da família ou do indivíduo. O comportamento do indivíduo é Fractal Comportamental do todo. O foco, principalmente no âmbito das empresas, na educação e nas sociedades em geral, é o comportamento do indivíduo. Não conseguiremos acompanhar as mudanças se não mudarmos esse comportamento, essa visão, esse foco. Os estudos dos Fractais podem esclarecer ainda mais sobre educação, empresas, política, Recursos Humanos, Direitos Humanos etc.

Em suma, a turbulência advinda da aceleração das mudanças terá que ser “enfrentada” com flexibilidade, que é um valor humano inato, tendo como foco o indivíduo. Entretanto, não se entenda essa turbulência como algo negativo, mas sim como uma proposta dinâmica e positiva, como movimento e como vida.  

 

ESTRUTURAS DISSIPATIVAS

As idéias de Ilya Prigogine 3 (Nobel de Química, 1977) permitem estabelecer novos paralelos com o comportamento humano, a partir de suas experiências em Termodinâmica. Este autor conceitua as Estruturas Dissipativas como sistemas vivos não lineares, afastados do equilíbrio, nos quais a instabilidade (Caos) leva a novas formas de comportamento e, conseqüentemente, novas ordens e estruturas, diferentes das anteriores. Prigogine atuou sobre líquidos e gases provocando turbulências, criando uma instabilidade (através de variações de pressão, temperatura etc). Percebeu que, após cessar essa ação, as estruturas moleculares das novas ordens geradas eram diferentes das anteriores e, às vezes, mais complexas. “A instabilidade, a desordem e a imprevisibilidade são fatores preponderantes nessas novas formações, às vezes, mais complexas na sua organização”.    Eis porque podemos entender o caos, a turbulência, não como um fim, algo negativo, mas sim como princípio de novas ordens, às vezes, até enriquecedoras, complexas, e até abrindo novas possibilidades, em novas circunstâncias.

Um aspecto significativo no estudo de Caos, Fractais, Autopoiese e Estruturas Dissipativas é o de que eles são encontrados no mundo físico e biológico, de onde se extraem seus conceitos básicos. Entretanto, são encontrados esses mesmos conceitos nas esferas social e humana, o que de certa maneira, “transcende a ‘discussão’ acerca de semelhanças e diferenças entre ciência física e humana”. Reafirma-se, assim, como diz Prigogine, uma “Nova Aliança”, um novo elo, agora indissolúvel. “Não se pode mais separar o ser humano da natureza que ele descreve”.

 

CONCLUSÃO

A Teoria do “Caos” nos mostra uma nova normalidade, o fim das certezas, pequenas causas gerando grandes efeitos. A partir da idéia de “Autopoiese” percebemos nossas potencialidades a serem resgatadas e desenvolvidas: criatividade, flexibilidade e prontidão.

O estudo dos “Fractais” possibilita perceber que o foco no indivíduo, sem a perda da visão do todo, é preponderante para mudanças. E, finalmente, a compreensão da dinâmica das “Estruturas Dissipativas” proporciona a convicção de que as novas ordens geradas pela turbulência dos nossos dias podem ser encaradas como algo dinâmico, positivo, permitindo enxergar um futuro de convivência com a formidável aceleração das mudanças em curso.

Essas ilações não pretendem de maneira alguma demonstrar certezas ou dar respostas, mas, sim, apresentar propostas. Aliás, muito de acordo com o título do último livro de Prigogine: O Fim das Certezas: Tempo, Caos e as Leis da Natureza.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1)  GLEICK, James. CAOS: a criação de uma nova ciência. Ed. Campos. S.Paulo 1990.

2)  MATURANA, H. “Entrevista em Ciência Hoje” – Vol. 14 nº 84.

3)  PRIGOGINE & STENGERS. A nova aliança. Brasília: Ed. UNB 1984.

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