A Morte

Novembro. Esse mês começa com uma homenagem aos mortos, prestada pelos que ainda estão animando seus corpos físicos. Para os materialistas deveria ser uma data inerte, afinal tudo acaba com a morte e não há razão para homenagear quem não existe mais. A maioria das pessoas homenageia a memória de seus entes queridos, mas no fundo estão apenas dando vazão à dor da própria ferida não curada, gerada pela falta que eles fazem: saudades.

 

A Teosofia afirma que essa homenagem remonta à época dos Atlantes, raça de “gigantes” (Gn 6:4), os enacim e os emim presentes na Bíblia Sagrada (Nm 13:33 e Dt 1:28, 2:10s). Historicamente, o culto aos antepassados é tão antigo quanto a história do antigo Egito. Seu povo, longe do conhecimento de sua avançada espiritualidade, restringia o seu culto à veneração de imagens de antepassados, ou de alguma divindade menor, e diversas superstições incluindo o uso de amuletos. Na Índia védica, os filhos do Sol buscavam a ciência pura do fogo sagrado e a adoração ao Deus Supremo e honra aos antepassados, por meio de orações. Ao milenar povo chinês, afastado dos ensinamentos elevados sobre o Tao, restava um culto mágico aos antepassados e uma adoração de espíritos.

Para o xintoísmo, a alma dos que morrem permanece poluída, conservando sua personalidade de quando em vida, necessitando assim de rituais de purificação, para que assuma um aspecto benevolente e pacífico. Dessa forma ela atingirá o grau de guardião, ou deidade (kami) protetora da família. Assim, enquanto religião, a divinização das energias cósmicas foi acompanhada da divinização dos espíritos dos antepassados (considerados deuses tutelares da família), dos sábios ancestrais, dos imperadores, de alguns animais e de forças elementares da natureza.

A Psicologia Transpessoal fala da existência de outros pacotes de inconsciente, além do inconsciente coletivo, descrito por Jung. Um deles seria o inconsciente familiar, responsável pela repetição de padrões de comportamento presentes no seio familiar. Alguns pesquisadores defendem que essas memórias estariam impressas em nosso DNA e, dessa forma, acessíveis à nossa mente inconsciente. Essa tese explicaria também a ocorrência de memórias novas, em transplantados, de fatos ocorridos na vida do doador do órgão. O culto aos antepassados, de forma que se libere essas energias de sua influência em nós, seria uma forma de se trabalhar no inconsciente familiar.

Para os celtas, o ano era dividido em quatro períodos de três meses e no início de cada um havia um grande festival. No primeiro dia do ano celta, celebrado em 1o de novembro, era comemorada a mais importante das quatro festas: o Samhain. Conhecida como “Noite dos Ancestrais” ou “Festa dos Mortos”, pois os celtas acreditavam que nesse dia o véu entre os mundos estaria bem fino, hoje esta festa está associada com o Hallows Day e é celebrada na noite anterior ao Hallowen. O mundo cristão assimilou esta festa pagã e passou a comemorá-la em 2 de novembro. O fato é que o costume sobrevive há milênios, sem nenhuma tendência ao esquecimento.

Homenagem aos mortos. E o que é morte? É a única certeza que temos na vida. A civilização ocidental materialista se amoldou à idéia de que tudo acaba com a morte. Dessa forma ela é tratada como um tabu, algo que não se deve comentar ou investigar. O maior desejo do ser humano é a imortalidade, e esse desejo está intimamente relacionado ao medo da morte. Mas e de onde vem esse medo? Pode ser que venha do medo que se tem do desconhecido, do instinto de autopreservação que estimula o medo da própria extinção. Mas será que viria de uma experiência antiga, guardada na memória, já vivida e não mais desejada?

Se desejamos viver indefinidamente, por que insistirmos em acreditar que morrer é o fim? Provavelmente se o contrário estivesse acontecendo, se o homem tivesse certeza de sua imortalidade ele procuraria a própria extinção. Será que o inconsciente coletivo do homem já tem essa certeza da imortalidade? Será que os atos humanos destrutivos, contra a natureza e contra si mesmos, não são formas veladas (e doentias!) de se buscar atingir esse estado?

Mesmo assim a morte assusta, talvez pelo apego que temos às coisas materiais, às quais perderemos definitivamente quando morrermos, e pelo apego que temos à própria vida. Talvez um apego à nossa , nossa “individualidade” que irá se desfazer, voltar ao “barro” (Ecl 12:6s). Na realidade o nosso medo vem de uma fonte mais profunda: não sabemos quem realmente somos. Somente após a morte do corpo é que se pode experimentar a possibilidade de uma outra vida, caso ela exista. Por outro lado não se pode comprovar a possibilidade contrária (a inexistência de uma outra vida), afinal, não se terá consciência dela. persona

 

“Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas. Ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para outro”.

Sócrates (469-399 a.C.)

 

Então, talvez morrer não seja de todo desagradável. Será que viver é que não seria a nossa “condenação”? Viver implica várias formas de sofrimento e uma busca incessante pela felicidade. Ademais, viver implica morrer um pouco a cada dia, de forma que o evento terminal de uma “vida”, ao qual chamamos “morte”, apenas é a cessação do processo de morte. Deveríamos, então, ter medo da vida e não da morte.

O corpo físico do homem, com seus cerca de 1028 átomos, troca aproximadamente 98% desses átomos todos os anos. A mucosa do estômago se renova em uma semana, a pele inteira em um mês, os ossos em três meses, o fígado em seis semanas, etc., de forma que em aproximadamente cinco anos todos os nossos átomos retornaram ao “barro” e outros foram colocados no lugar. O corpo físico “morre” a cada cinco anos. Então o que é que permanece?

Pode-se pegar um atalho conceitual, e afirmar que morte é ausência de vida. Mas o que é vida? Existe vida após o nascimento? Realmente se vive, somente pelo fato de termos nascido? Afinal o que é que nasce e o que é que a morte faz cessar? Desde que o “cérebro se tornou capaz de investigar o cérebro”, uma pergunta é repetida e respondida pelo homem: existe alguma forma de consciência após a morte do corpo físico? A neurociência não consegue, ainda, responder a essa questão. Não há nenhuma evidência que sim, nem que não.

A vida é algo que está além do corpo físico e que em algum momento passa a “habitá-lo” ou “preenchê-lo”, a dar-lhe vida. Partindo do conceito científico moderno de que não existe algo como um corpo individual delimitado no espaço, pois todos os corpos são interdependentes, processos vivos compartilhados, e que a vida e a consciência devem estar de alguma forma escondidas no mundo quântico, pode-se afirmar que a vida é uma propriedade do universo em geral, ligada a tudo e a todos. Se a vida é Una, algo que está imerso em toda a manifestação, nós podemos concluir que para que algo morra é necessário que tudo morra.

 

“A morte de qualquer homem diminui-me, porque eu estou englobado na humanidade”.

Carl Gustav Jung (1.875-1.961)

 

“Eu, enquanto homem, não existo somente como criatura individual, mas me descubro membro de uma grande comunidade humana”

Albert Einstein (1.879-1.950)

 

“O que é oposto à morte? … É o nascimento, pois a Vida é eterna!”

Sidarta Gautama, O BUDA (563-483 a.C.)

 

A crença generalizada na existência da morte, como aniquilação individual, fez sumir a visão de longo prazo e afetou o planeta inteiro. Não se prepara mais o futuro, apenas se vive em busca de prazeres e desejos pessoais do ego. O capitalismo é uma forma de vida geradora de desejos. O homem está destruindo o planeta e a si mesmo. Definitivamente não há morte como a concebemos. A morte existe apenas porque não se sabe o que a vida é, porque ainda estamos inconscientes da vida, da sua ausência de morte.

Assim os que perguntam o que acontece após a morte o fazem por não lhes ter acontecido nada durante a vida. É necessário um nascimento espiritual, para que a Vida nos permeie em sua abundância. Quando se conhece a Vida, se conhece a morte. A morte é apenas uma transição de um estado de consciência para outro, e a única coisa que morre é a morte. A morte é apenas uma PASSAGEM. E essa passagem deve ser o triunfo de uma existência, seu mais glorioso momento.

 

“A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos para o futuro”.

John Lennon (1.940-1.980)

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