O Médico e a Morte

Após a grande alegria pessoal e familiar do ingresso na Faculdade de Medicina, passamos, paulatinamente, por um processo impiedoso de contínuas pressões e horas intermináveis de estudo e trabalhos. Ninguém nos ensina a lidar com o nosso próprio estresse, doença e morte. No grupo profissional responsável por promover a saúde e a vida é onde se encontram os maiores índices de alcoolismo, uso de drogas, depressão e suicídio. Sem falar nos infartos cardíacos, acidentes vasculares cerebrais, gastrites e úlceras. A doença física, psíquica e a morte nos rondam tanto enquanto profissionais como quanto seres humanos.

 

Somos psicologicamente tão incapazes de lidar com a doença quanto com a morte. Juramos atenuar a dor de nosso paciente, mas apenas o sedamos e passamos a desconhecer o que sente psicologicamente. Como aliviar o sentimento de morte de um paciente se fugimos desse sentimento em nós mesmos. Temos uma resistência profissional de admitir que não somos deuses e deixar de lutar contra o processo natural de todo ente vivo: o morrer. E assim mantemos nossos pacientes longe de seus entes queridos, imerso no frio, iluminado e barulhento velório chamado UTI, ligado a tubos e fios.

Devemos contar ao paciente a gravidade de sua doença? Tenho medo de não saber responder às perguntas dele e de seus entes queridos. Frios e distantes ficamos. Tememos fitar o olhar daqueles que sofrem pois não estamos preparados para entrar em contato com os sentimentos mais profundos deles. Dizemos que mentimos ao paciente porque não queremos agravar o seu estado de saúde, mas na realidade nós próprios tememos a palavra morte. Ela não está resolvida em nós e por isso somos incapazes de atenuar a dor de nossos pacientes na hora em que eles mais precisam de auxílio. Os abandonamos à própria sorte, aos cuidados da família, peregrinando em busca de alternativas mil que lhe aliviem a dor.

Não foi isso o que juramos. E o que fazer?? Como lidar com a morte e com o medo que temos dela? Quem teme a morte teme viver, pois viver é um conjunto de mortes e perdas. Como nos comportamos ante as mudanças em nossa vida? Estamos preparados para as perdas e separações que podemos sofrer? E por que sofremos com as nossas perdas? Por causa de nossos apegos. Estamos por demais apegados às nossas conquistas materiais e, da mesma forma que tememos perder as nossas comodidades, tememos perder a nossa vida. E assim a palavra MORTE fica banida de nosso vocabulário e delegamos a outrem o nosso dever de pronunciá-la.

A morte é o mais elevado momento de nossas vidas, a única certeza que temos, pois a vivemos diariamente. A morte não é o fim, mas o prenuncio de um novo início. A morte é o símbolo da renovação. Para conseguirmos algo sempre temos que renunciar a outras coisas. A morte não é o oposto à vida, mas sim do nascimento e a vida é algo que está além do corpo físico e que em algum momento passa a “habitá-lo” ou “preenchê-lo”, a dar-lhe vida. A morte é apenas uma transição de um estado de consciência para outro, e se morremos um pouco a cada dia, no final a única coisa que morre é a morte. A morte é apenas uma PASSAGEM. E essa passagem deve ser o triunfo de uma existência, seu mais glorioso momento. E é isso que teríamos que dizer aos nossos pacientes…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *