6a Discussão realizada na quinta-feira, 13/06/96, 14 hs., sala 310 da Ala I do IFUSP, contando com 13 participantes: Kaled Dechoum (condutor), Carlos Escobar, Osvaldo Pessoa, Jackson Maia, Bia Fagundes, Eder Gonçalves, Paulo Lopes, Dunga, Paulo Lima, Almy, Geraldo Beggiato, João Ferreira e José Cupertino.
Do original em http://www.fis.ufba.br/dfg/pice/ff/ff-06.htm
Apresentação
Vácuo é ausência de matéria, mas isso equivale ao nada? Que nada! Vários fenômenos foram explicados no final da década de 40 supondo-se que existem flutuações do vácuo, associados à “energia de ponto zero” ½hwi de cada modo (com freqüência wi/2p) do campo eletromagnético.
Por exemplo, a emissão espontânea de um fóton por um átomo em um estado excitado pode ser parcialmente explicado pelas flutuações dos campos do vácuo. A taxa de emissão espontânea pode inclusive ser diminuída suprimindo-se modos de flutuação do vácuo. Isso foi demonstrado experimentalmente passando-se átomos de Rydberg por uma cavidade de micromaser (Kleppner et al., MIT; Haroche et al., ENS, 1983).
Mas qual é a natureza deste vácuo? Podem as flutuações de ponto zero serem tratadas como flutuações reais, de tipo clássico, conforme faziam Planck, Einstein e Nernst na década de 10, ou conforme é defendido por uma abordagem mais recente conhecida como “eletrodinâmica estocástica”? Ou as explicações a partir de flutuações do vácuo são um mero instrumento heurístico, devendo ser substituídas por tratamentos quânticos mais rigorosos? Pode-se pensar o vácuo como contendo “partículas virtuais”?
Essas questões relativas ao vácuo eletromagnético são exploradas nesta Discussão, juntamente com considerações sobre os vácuos de diferentes campos materiais, e sobre o vácuo da recente “teoria topológica de campos quânticos”.
Resenha sobre a Natureza do Vácuo
[1] “Mesmo em seu estado fundamental, um sistema quântico possui flutuações e uma energia de ponto zero associada; senão, o princípio de incerteza seria violado. Em particular, o estado de vácuo de um campo quantizado possui essas propriedades. Por exemplo, os campos elétrico e magnético no vácuo eletromagnético são quantidades que flutuam. Isso leva a um tipo de reintrodução do éter, já que alguns sistemas físicos interagindo com o vácuo podem detectar a existência de suas flutuações. No entanto, este éter é Lorentz invariante, e portanto não contradiz a teoria da relatividade restrita.” [Sciama, in Saunders & Brown, 1991, p.137.]
[2] “O conceito mais básico da teoria quântica […] é o de estado de um sistema. Desde Maxwell, ‘o sistema’, no nível mais fundamental, significa um sistema de campos. Consideremos as energias dos estados desse sistema de campos. Há um estado de energia mínima – o estado fundamental, de estabilidade; os outros estados são ‘estados excitados’. O vácuo é, de fato, precisamente o estado de menor energia do sistema fundamental de muitos campos. Por contraste, os estados excitados podem ser descritos como contendo quanta – os chamados quanta elementares de excitação. Estes quanta são o aspecto corpuscular do campo. Assim, o vácuo não é uma substância, mas um estado. Já que as partículas são quanta de excitação, e já que o vácuo é o estado no qual nenhum dos campos está excitado, o vácuo é também o estado no qual não há nenhum quanta de excitação – o estado sem partículas.” [Aitchison, 1985, p. 334.]
[3] “A teoria quântica de campos nos ensinou que o vácuo não é um tranqüilo estado do nada, mas um estado quântico com flutuações e conseqüências físicas. Talvez o universo, ele mesmo, tenha surgido de uma flutuação quântica. Discutirei o vácuo eletromagnético. [Alguns efeitos que podem ser explicados a partir de flutuações do vácuo são:] emissão espontânea, o deslocamento de Lamb, efeitos Casimir, forças de van der Waals, emissão espontânea modificada por cavidades, efeito Unruh [espectro térmico observado por referenciais acelerados].” [Milonni, 1988, p. 102.]
[4] “[Acima] ilustramos a ‘realidade’ das flutuações de campo do vácuo no deslocamento de Lamb. O leitor pode bem estar em dúvida com relação à seguinte consideração. O vácuo eletromagnético é o estado sem quanta – sem fótons. Mesmo assim há, em algum sentido, campos nele. E fótons são os quanta destes campos: então certamente, em algum sentido, haveria, afinal de contas, fótons no vácuo, causando todas essas coisas? Isso nos leva à idéia de ‘fótons virtuais’ – mais um termo lingüístico, junto com energia de ponto zero e flutuações de ponto zero, que é útil para pensarmos sobre a física do vácuo. […]
[Discutindo campos materiais…] o vácuo tem carga nula. As flutuações permitidas de matéria precisam ter carga nula, i.e., elas precisam ser pares de um quantum e seu antiquantum correspondente, de carga oposta. […] Flutuações de matéria podem ocorrer espontaneamente, sendo que a energia requerida é ‘emprestada’ durante um tempo apropriadamente curto: pares virtuais podem ser criados e aniquilados na vizinhança de qualquer partícula carregada. Apesar de ter uma existência transitória, esses pares exercem um efeito mensurável: eles fazem com que o vácuo se comporte como um meio polarizável. […]
A criação virtual de pares no vácuo da eletrodinâmica quântica leva a uma blindagem da carga fundamental e, reduzindo a carga aparente a grandes distâncias, ou, alternativamente, aumentando-a a pequenas distâncias. Gross e Wilczek, e independentemente Politzer (1973), descobriram que, em teorias do tipo da dinâmica eletro-fraca quântica e da cromodinâmica quântica, a polarização do vácuo produz um efeito de anti-blindagem: a carga efetiva desaparece inteiramente a distâncias muito curtas, e as partículas que carregam esta carga deixam de interagir! Esta propriedade notável é chamada de liberdade assintótica. Ela é extremamente importante, já que ela explica o sucesso de interpretações simples do modelo de quarks para o espalhamento de léptons de alta energia em nêutrons e prótons.” [Aitchison, 1985, pp. 350, 359, 368, 371-2.]
[5] “Welton em 1948 escreveu que a emissão espontânea ‘pode ser concebida como emissão forçada ocorrendo sob a ação do campo de flutuação [do vácuo]’. Repetidamente encontram-se afirmações semelhantes na literatura. Porém, se levarmos a sério esta idéia e calcularmos a taxa de emissão devida ao campo de vácuo, encontramos apenas metade do coeficiente A de Einstein. Além disso, este retrato não explica porque não ocorre absorção espontânea a partir do campo de vácuo.
Uma interpretação mais velha e motivada classicamente da emissão espontânea atribui este fenômeno à reação da radiação [van Vleck, 1924]. A idéia, grosso modo, é que a emissão espontânea é simplesmente uma conseqüência do fato de que dipolos oscilantes irradiam. Mas não podemos usar aqui a eletrodinâmica clássica – obteríamos resultados errôneos. Por esta razão, talvez, a interpretação do campo de vácuo acabou vencendo.
A idéia de que a emissão espontânea pode ser atribuída ao campo eletromagnético do vácuo também foi criticada por Ginzburg, a partir de 1939. Em particular, ele refere-se à ‘discrepância de ½’ aludida anteriormente. Ele também nota […] que uma explicação inquestionável da emissão espontânea foi dada por Fermi em 1932: ‘Radiação espontânea aparece porque aquele estado no qual um átomo se encontra em um nível e o campo de radiação está ausente não é um autoestado estacionário do sistema completo (átomo + campo eletromagnético).’” [Milonni, 1988, p. 108.]
[6] [O cálculo obtido na eletrodinâmica quântica para o espectro de radiação de ponto zero do vácuo eletromagnético é:]
[7] “Neste artigo apresentamos a teoria da eletrodinâmica clássica com radiação de ponto zero eletromagnética clássica, sob o nome de ‘eletrodinâmica estocástica’. […] A eletrodinâmica clássica consiste das leis de movimento de Newton para massas pontuais, e as equações diferenciais de Maxwell para os campos eletromagnéticos, junto com condições de contorno nas equações diferenciais. Lorentz escolheu uma condição de contorno particular para as equações de Maxwell, e assim obteve uma teoria específica de elétrons. […]
Gostaríamos de salientar que a escolha de Lorentz para as condições de contorno das equações de Maxwell não é a única escolha, e de fato hoje ela parece ser uma escolha ruim. Alterando as condições de contorno da teoria clássica de elétrons para incluir a presença de um campo homogêneo [e isotrópico] de radiação aleatória com um espectro Lorentz invariante, esta teoria eletromagnética puramente clássica explica muito mais fenômenos do que a teoria de elétrons original de Lorentz. […]
O modelo planetário para um átomo deve ser reconsiderado. Os elétrons movendo-se em torno do núcleo estão de fato irradiando energia, em acordo com os cálculos do eletromagnetismo clássico. Porém, um novo elemento aparece. A radiação aleatória de ponto zero age de forma a produzir movimentos aleatórios nos elétrons, efetivamente transferindo energia aos elétrons através de forças aleatórias do eletromagnetismo clássico. É o balanço entre a energia perdida por radiação e o energia ganha da radiação de ponto zero que deve explicar a estabilidade da matéria na eletrodinâmica estocástica.” [Boyer, 1975, pp. 790-2, 799.]
Debate sobre a Natureza do Vácuo
A última discussão, com 13 participantes, envolveu o vácuo eletromagnético. Dentre os fenômenos que são explicados a partir deste vácuo, está a sonoluminescência, observada desde 1934, mas que até hoje vem desafiando qualquer explicação. Neste fenômeno, bolhas de ar dentro d’água sofrem um colapso devido à presença de ultrasom, e emitem um clarão de luz azul que tem um espectro de corpo negro correspondente a 40.000 K! Recentemente, Claudia Eberlein (1996) (U. Illinois) seguiu uma idéia de J. Schwinger (1992) e explicou este fenômeno como uma transição do estado de vácuo para um estado de dois fótons, devido à grande aceleração das paredes da bolha durante o colapso. Este fenômeno estaria diretamente relacionado com o efeito Unruh, no qual um referencial acelerado detecta fótons com espectro térmico provindos do vácuo. Alguns autores têm criticado esta proposta (ver nossa pasta verde na biblioteca).
Na ultima discussão debateu-se também a Eletrodinâmica Estocástica, uma teoria clássica que consegue explicar vários fenômenos quânticos a partir da existência de flutuações do vácuo. Por exemplo, o princípio da incerteza que rege a posição e momento de um elétron é adequadamente explicado supondo que a partícula clássica interage com este vácuo eletromagnético. Tal explicação, porém, parece não funcionar para partículas nêutras sem momento magnético, como o kaon nêutro. Ademais, tal teoria não tem conseguido explicar porque o elétron exibe um padrão de interferência em um experimento de duas fendas.
Essas limitações não perturbam a “ala moderada” dos que trabalham nesta teoria, que está interessada em explorar os limites da Física Clássica, e não em substituir a Mecânica Quântica. Mesmo assim, talvez seja possível acrescentar um postulado adicional à Eletrodinâmica Estocástica (como um princípio de dualidade onda-partícula) e obter a Mecânica Quântica in toto. Outra idéia próxima a esta seria introduzir o vácuo estocástico na Mecânica Bohmiana, como forma de evitar problemas como o da “onda s” (ver Debate da Discussão no 2).
Bibliografia
Aitchison, I.J.R. (1985), “Nothing’s Plenty: The Vacuum in Modern Quantum Field Theory”, Contemp. Phys. 26, 333-91.
Boyer, T.H. (1975), “Random Electrodynamics…”, Phys. Rev. D 11, 790-808.
Eberlein, C. (1996): “Sonoluminescence as quantum vacuum radiation”, Phys. Rev. Lett. 76, 3842-5.
Milonni, P.W. (1988), “Different Ways of Looking at the Electromagnetic Vacuum”, Physica Scripta T21, 102-9.
Saunders, S. & Brown, H.R. (orgs.) (1991): The Philosophy of Vacuum, Clarendon, Oxford.