Rio de Janeiro, 10 de junho de 1992
Em certas circunstâncias através das preces, da meditação. Mais do que isso, através do exame da nossa condição mental, através do treinamento da mente. A semente da paz mental é a compaixão
Porque, depois que você abre aquela porta interior, você pode se comunicar com qualquer outra pessoa. Como se elas fossem nossos velhos amigos. Esta é a verdade que elimina o medo, a desconfiança de uma pessoa por outra. Desenvolve autoconfiança. Desenvolve determinação.
Mas eu penso que podemos fazer uma distinção entre religião e valores humanos básicos, fundamentais. Sem dúvida as diferentes religiões e a fé têm o seu valor para cultivarmos essas qualidades humanas fundamentais. Porém é possível o ser humano sobreviver sem religião, mas sem compaixão, sem afeto o ser humano não consegue sobreviver. Se observarmos o ser humano desde a sua concepção até o final de sua vida nós vamos ver que em cada momento o afeto, a afeição está na base da vida do ser humano todo tempo.
O próprio corpo humano gosta da afeição humana, é fácil nós nos convencermos disso, basta nós observarmos o nosso corpo e vermos como ele aprecia a docilidade. De acordo com alguns cientistas após o nascimento da criança o contato físico é vital para que o seu cérebro cresça apropriadamente. De acordo com a nossa experiência diária se nós conseguimos manter uma serenidade, se temos amigos íntimos, isso faz com que nossa saúde mesmo física seja melhor. A pessoa que carrega a compaixão dentro do coração não precisa buscar ajuda e alívio em tranqüilizantes e sedativos. A mente compassiva é fonte de boa saúde.
Por outro lado, se sofremos de ódio, se somos tomados por estados mentais muito agitados, aos poucos isso afeta nossa digestão, nosso sono e com o tempo a nossa saúde. E uma outra razão – e isto é uma característica singular no ser humano – nós temos o nosso sorriso. É possível que alguns macacos também tenha capacidade de sorrir. O sorriso, o sorriso gentil, alegre e genuíno, não o sorriso social e diplomático ou sarcástico, mas o sorriso interior e autêntico, ele mesmo provoca felicidade.
Porque a natureza humana é de que nós somos sociais. E do contato com a sociedade humana o afeto é a chave. Eu penso que temos um número suficiente de razões para afirmar que a natureza humana é afetuosa. Cada ser humano tem a semente do altruísmo. A semente da compaixão (palmas). É muito importante compreender isso. Isto faz nascer a nossa responsabilidade, os nossos esforços para que desenvolvamos essa potencialidade, para atingirmos essas metas. E paralelamente a este trabalho de fazer aumentar a nossa compaixão é importante o nosso maior empenho para reduzirmos o ódio.
Na vida como seres humanos é inevitável que, num momento ou noutro, coisas desagradáveis estejam acontecendo conosco. Quando nos deparamos com esses infortúnios é necessário que nós olhemos para esse fato com uma certa distância. Se olharmos o problema muito de perto ele vai nos parecer muito grande! Se olharmos de uma certa distância ele vai diminuir de tamanho e de importância. E todo acontecimento, todo fenômeno que ocorre é de certa maneira relativo.
Todo fato tem diferentes aspectos. O mesmo acontecimento, se você mudar de perspectiva, se você o vê de maneira diferente, por um outro ângulo, você vai ter um diferente sentimento em relação a ele. Por exemplo a minha própria experiência. Se eu olhar pelo ângulo de que eu perdi o meu próprio país e há 33 anos vivo no exílio, se eu observar isso de perto isso vai me entristecer muito. Mas também existe um outro lado. Essas circunstâncias puderam propiciar que eu pudesse conhecer novas pessoas, outras culturas, outras tradições, outras religiões, tudo isso me enriqueceu, tudo isso me deu liberdade, hoje eu posso dispensar as formalidades, ficou mais fácil de eu me comunicar com outra pessoa.
(muitas palmas)
Por isso, quando nos defrontamos com problemas, é preciso olhá-lo de diferentes maneiras para reduzir o seu impacto de tristeza. E existe também um outro método: Alguns problemas acontecem, e têm solução e não há necessidade de nos preocuparmos. Outros acontecem e não têm solução e não há nenhuma utilidade em nos preocuparmos com eles.
(palmas)
Na nossa vida há muitos conflitos e contradições e certamente se olharmos a nossa própria mente vamos lá encontrar muitos conflitos e contradições. Se observarmos com uma visão correta, o próprio conflito é causa de nosso progresso. Através de nossa sofisticada inteligência podemos perceber muitos de nossos conflitos. E quando estamos diante de um problema, de um conflito, se olharmos para ele de uma certa distância, vamos sempre encontrar naquela situação um elemento comum que é aglutinador daquela circunstância. E a partir do reconhecimento daquele elemento comum que tem a possibilidade de aglutinar nós nos convencemos de que é necessário mantermos o controle, não perdermos a cabeça, e a partir dessa postura utilizando a nossa inteligência humana nós vamos trabalhar buscando um caminho para a solução. É a isso que chamamos de Sabedoria.
Mesmo as diferentes religiões do mundo no passado e nos dias de hoje manifestam um certo conflito. Se observarmos as diferentes religiões ou filosofias vamos ver que seus fundamentos às vezes parecem contraditórios, por exemplo o Budismo, o Janaísmo não acreditam num criador, mas para a maior parte das religiões a figura de um criador é básica, é fundamental. Mas apesar das diferenças existem pontos de base comuns apesar da maneira diferente que certos valores são apresentados. Por exemplo em todas as religiões vamos encontrar um ponto comum que é o calor do coração, em todas há a valoração da compaixão, do amor e do perdão.
Uma outra idéia que alimento das coisas religiosas é que como nós seres humanos somos bastantes diferentes como pessoas ou com disposições pessoais diferentes, se houver uma diversidade, uma pluralidade de religiões isso é algo muito positivo. Uma única religião não é capaz de satisfazer a diversidade dos seres humanos. Olhando por este ângulo, não só é possível termos respeito pelas diferentes religiões como também vamos encontrar uma unidade entre as religiões diferentes. Este ponto de vista não só é possível como necessário.
(palmas)
A distinção que havia entre Ocidente e Oriente se desfez. E eu acho que isso é uma coisa bastante positiva. Agora nós encontramos uma distinção entre Norte e Sul, basicamente a partir de parâmetros econômicos. Se cada país for olhar só para seus próprios interesses vamos ter muitos conflitos. Por isso temos de chegar a ter uma diferente perspectiva: quer seja no Norte, quer seja no Sul, ambos os lados pertencem a só mundo.
Antigamente as nações conseguiam sobreviver de forma isolada, até mesmo elas eram eram auto-suficientes, bastavam-se a si próprias. Porém, com a economia que temos hoje no mundo isto é impossível devido à globalização, à comunicação que existe. Agora o interesse de cada um está diretamente entrelaçado com o interesse de todos. O seu próprio futuro depende do futuro das outras. Em outras palavras, há um só mundo. Nessas circunstâncias vai haver o bem geral se houver harmonia, se houver cooperação entre as nações. Isto é principalmente relevante no que se refere à ecologia. Os problemas estão além das fronteiras nacionais. Nessas circunstâncias é crucial ter o sentido da responsabilidade universal. Se falarmos em paz, é necessário pensar na paz interior, na paz de espírito A paz imposta pelo ódio é impossível.
(palmas)
A paz mundial, a paz internacional, a paz entre as famílias e cidades vem do indivíduo, da paz individual, da iniciativa individual. Quando proclamamos a necessidade de haver paz devemos desenvolver primeiro a necessidade de haver paz dentro de nossos corações.
(palmas)
A paz com compaixão, a redução dos sentimentos negativos vamos chamar de desarmamento interior (palmas).
Mas o desarmamento interno é suficiente? A resposta é “não”. Primeiro o desarmamento interior, depois a desmilitarização. O aparelho militar é muito caro de ser mantido, ele é um desperdício e é muito destrutivo. De uma certa maneira a guerra faz parte da História. Através das civilizações as pessoas buscaram o progresso. A tecnologia faz parte da evolução, do progresso. Mas o mundo mudou. Pelos dias de hoje eu penso que a maior defesa que uma nação pode ter é a não-violência e a compreensão.
Chegou a hora de nós pensarmos com seriedade na desmilitarização do mundo. É claro que isso não é uma coisa a ser conseguida da noite para o dia. Isso é uma evolução gradual. Podemos começar banindo as armas nucleares, depois armas ofensivas, até chegar a uma desmilitarização. E é possível que continue necessária uma polícia internacional sob um certo controle. Mas eu acredito que se houvesse uma desmilitarização global nós não mais teríamos guerras nacionais, guerra civil, ditadores…
(palmas)
Por conclusão eu diria que, apesar de todos os problemas, de todas as dificuldades, as condições hoje são mais positivas, há mais esperanças em um mundo melhor. Se nós utilizarmos a inteligência, se nós planejarmos bem, o próximo Século vai ser um Século mais feliz.
Para encerrar eu gostaria de agradecer a apresentação que me foi feita [pela artista norte – americana Shirley MacLaine e pelo Senador Abdias]
(palmas)
Quando me apresentaram penso que foram muito excessivos nos elogios, eu fiquei um pouco constrangido. De qualquer maneira, meus agradecimentos sinceros.
(palmas)
Eu tive muito prazer de conversar com vocês hoje, de estar com vocês hoje e de participar de algumas das minhas idéias. Se de tudo que eu disse vocês viram algo útil, tentem praticar. Se sentiram que essas coisas não são úteis, basta esquecê-las
(prolongadas palmas)