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Eventos extremos, como as chuvas dramáticas, não estão acontecendo apenas em São Paulo, no Sul e em outras partes do País. Outros tipos de tempestade estão acontecendo também em Copenhague, na reunião da Convenção do Clima – de onde estas linhas estão sendo escritas na quinta-feira. Elas acontecem até mesmo nas negociações para um acordo que possa levar todos os países a reduzir suas emissões de gases que contribuem para o aquecimento da Terra e a intensificação das mudanças climáticas.
A primeira tempestade maior aqui aconteceu com o vazamento, pelo jornal The Guardian, do texto de um documento confidencial submetido pelo governo da Noruega a uns 15 países, entre eles Estados Unidos, China, Brasil, Índia e vários europeus, com propostas muito polêmicas:
- Criar um grupo intermediário entre países industrializados e subdesenvolvidos, para China, Brasil, Índia e outros “emergentes” (o que quebraria a unidade do G-77);
- exigências maiores de redução de emissões pelos subdesenvolvidos, mas sem criar obrigações maiores de financiamento para os países mais ricos.
- nenhuma proposta de um acordo obrigatório, como o de Kyoto, para o período após 2012, quando termina a vigência da fase atual.
O documento confidencial foi recolhido pela Dinamarca, diante das dissensões, mas a tempestade inevitável foi forte e obrigou a muitas explicações e tomadas de posição, inclusive do Brasil, que discordou das propostas.
A segunda tempestade veio dois dias depois, com uma proposta do país-ilha Tuvalu (um dos mais de 30 ameaçados de desaparecer com a elevação do nível dos oceanos), apoiada por várias nações africanas e outros países-ilhas, que exigem a aprovação, aqui, de um documento vinculante, obrigatório para todos os países e mais duro que o Protocolo de Kyoto. E isso é praticamente impossível, não apenas por causa de discordâncias de muitos países, mas também porque os Estados Unidos não poderiam assiná-lo em Copenhague, já que nem a proposta do presidente Barack Obama para a área do clima foi ainda aprovada pelo Senado – o que é indispensável. Estabelecida a discórdia, as negociações tiveram de ser suspensas no plenário mais amplo. E só continuam nos vários grupos de trabalho (implementação, cooperação a longo prazo, assessoramento técnico e científico, novas metas para os países industrializados, etc.). Mas a suspensão ameaça o resultado final da convenção, porque um acordo teria de ser alcançado até o começo da próxima semana, para ser submetido aos chefes de Estado que chegarão. E nas convenções da ONU qualquer decisão tem obrigatoriamente de ser aprovada por consenso – basta um voto para impedir.
As alternativas são difíceis. A primeira, convocar para o primeiro semestre de 2010 uma prorrogação desta reunião (chamada COP 15), na prática seria quase impossível, por coincidir com a Copa do Mundo de Futebol prevista para a África do Sul, que é um dos países importantes do grupo dos “emergentes”. A segunda, deixar tudo para a COP 16, em dezembro de 2010, no México, certamente provocaria uma enorme decepção aqui e em toda parte, dadas a urgência das questões e as pressões crescentes da sociedade em toda parte. E isso no momento em que até representantes de ONGs em Copenhague (há milhares de todo o mundo na COP15) se mostram cautelosos nas palavras, preocupados com não serem acusados de estar acentuando o pessimismo num momento crucial. E tudo isso sem falar ainda em condições apresentadas por vários países, como a norte-americana de não aceitar outro protocolo como o de Kyoto ou homologar o atual – além de não aceitarem financiar a China.
O Brasil tem aproveitado a enorme afluência de pessoas na reunião para ganhar apoio para programas de bioenergias, fundo amazônico gerido pelo BNDES ou o fundo REDD (com doações de outros países para projetos que evitem desmatamento). Da mesma forma, tem capitalizado a boa repercussão de suas metas voluntárias para redução de emissões. Mas sua delegação está muito preocupada, inquieta, com o impasse mais amplo nas negociações, que pode dificultar tudo.
Os impasses trazem de volta discussões antigas, sobre formas de superar problemas como a exigência de consenso para decisões. Mas as alternativas já foram discutidas em outras COPs, como a de criar uma organização mundial só para o meio ambiente, separada da ONU. Só que ela enfrentaria problemas semelhantes: como ter regras universais sem a concordância de todos os países? E a urgência de decisões é implacável. Ainda há poucos dias a Organização Meteorológica Mundial advertiu que esta primeira década do século 21 está sendo e será a mais quente desde 1850, com temperatura média superior à da década de 1990, que já fora mais quente que a de 1980. Há uma corrida contra o tempo, que não está sendo ganha.
Não têm mudado o rumo nem mesmo advertências dramáticas, como as do ex-secretário-geral da ONU Kofi Anan, mais de uma vez citado neste espaço: hoje, a maior ameaça global não está no terrorismo, como parece; está nas mudanças climáticas e nos padrões de consumo vigentes, já além da capacidade de reposição do planeta; essas questões é que ameaçam “a sobrevivência da espécie humana”. Palavras que, na boca de um diplomata experiente e competente, não podem ser postas de lado. Quem está vivendo os dramas do clima em São Paulo ou no Rio Grande do Sul sabe disso. Quem conhece os diagnósticos para o Brasil, feitos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – para a hipótese de as emissões globais continuarem crescendo -, também teme o que possa acontecer sem novas regras.