Discurso de posse de Barack Obama

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

· Em 5 de novembro de 2008, Obama faz seu 1º discurso após ser eleito presidente dos EUA.

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Meus caros concidadãos:

Estou aqui hoje humildemente diante da tarefa que temos pela frente, grato pela confiança que vocês depositaram em mim, ciente dos sacrifícios suportados por nossos ancestrais. Agradeço ao presidente Bush pelos serviços que prestou à nação, assim como pela generosidade e a cooperação que ele demonstrou durante esta transição.

Quarenta e quatro americanos já fizeram o juramento presidencial. As palavras foram pronunciadas durante marés ascendentes de prosperidade e nas águas plácidas da paz. Mas de vez em quando o juramento é feito entre nuvens carregadas e tempestades violentas. Nesses momentos, a América seguiu em frente não apenas por causa da visão ou da habilidade dos que ocupavam os altos cargos, mas porque nós, o povo, permanecemos fiéis aos ideais de nossos antepassados e leais aos nossos documentos fundamentais.

Assim foi. Assim deve ser para esta geração de americanos.

Que estamos em meio a uma crise hoje é bem sabido. Nossa nação está em guerra, contra uma ampla rede de violência e ódio. Nossa economia está gravemente enfraquecida, uma consequência da cobiça e da irresponsabilidade de alguns, mas também de nosso fracasso coletivo em fazer escolhas difíceis e preparar o país para uma nova era. Lares foram perdidos; empregos, cortados; empresas, fechadas. Nosso sistema de saúde é caro demais; nossas escolas falham para muitos; e cada dia traz novas evidências de que os modos como usamos a energia reforçam nossos adversários e ameaçam nosso planeta.

Esses são indicadores de crise, sujeitos a dados e estatísticas. Menos mensurável, mas não menos profundo, é o desgaste da confiança em todo o nosso país — um temor persistente de que o declínio da América é inevitável, e que a próxima geração deve reduzir suas perspectivas.

Hoje eu lhes digo que os desafios que enfrentamos são reais. São sérios e são muitos. Eles não serão resolvidos facilmente ou em um curto período de tempo. Mas saiba disto, América — eles serão resolvidos.
Neste dia, estamos reunidos porque escolhemos a esperança acima do medo, a unidade de objetivos acima do conflito e da discórdia.

Neste dia, viemos proclamar o fim dos sentimentos mesquinhos e das falsas promessas, das recriminações e dos dogmas desgastados que por tanto tempo estrangularam nossa política.

Ainda somos uma nação jovem, mas, nas palavras da escritura, chegou o tempo de pôr de lado as coisas infantis. Chegou o tempo de reafirmar nosso espírito resistente; de escolher nossa melhor história; de levar adiante esse dom precioso, essa nobre ideia, transmitida de geração em geração: a promessa dada por Deus de que todos são iguais, todos são livres e todos merecem a oportunidade de perseguir sua plena medida de felicidade.

Ao reafirmar a grandeza de nossa nação, compreendemos que a grandeza nunca é um fato consumado. Deve ser merecida. Nossa jornada nunca foi de tomar atalhos ou de nos conformar com menos. Não foi um caminho para os fracos de espírito — para os que preferem o lazer ao trabalho, ou buscam apenas os prazeres da riqueza e da fama. Foram, sobretudo, os que assumem riscos, os que fazem coisas — alguns célebres, mas com maior frequência homens e mulheres obscuros em seu labor, que nos levaram pelo longo e acidentado caminho rumo à prosperidade e à liberdade.

Por nós, eles empacotaram seus poucos bens terrenos e viajaram através de oceanos em busca de uma nova vida.

Por nós, eles suaram nas oficinas e colonizaram o Oeste; suportaram chicotadas cortantes e lavraram a terra dura.

Por nós, eles lutaram e morreram, em lugares como Concord e Gettysburg, na Normandia e em Khe Sahn.

Incansavelmente, esses homens e mulheres lutaram, se sacrificaram e trabalharam até ralar as mãos para que pudéssemos ter uma vida melhor. Eles viam a América como algo maior que a soma de nossas ambições individuais; maior que todas as diferenças de nascimento, riqueza ou facção.

Barack ObamaEsta é a jornada que continuamos hoje. Ainda somos a nação mais próspera e poderosa da Terra. Nossos trabalhadores não são menos produtivos do que quando esta crise começou. Nossas mentes não são menos criativas, nossos produtos e serviços não menos necessários do que foram na semana passada, no mês passado ou no ano passado. Nossa capacidade continua grande. Mas nosso tempo de repudiar mudanças, de proteger interesses limitados e de protelar decisões desagradáveis — esse tempo certamente já passou.

A partir de hoje, devemos nos reerguer, sacudir a poeira e começar novamente o trabalho de refazer a América.
Para todo lugar aonde olharmos há trabalho a ser feito. A situação da economia pede ação ousada e rápida, e vamos agir — não apenas para criar novos empregos, mas depositar novas bases para o crescimento. Vamos construir estradas e pontes, as redes elétricas e linhas digitais que alimentam nosso comércio e nos unem. Vamos restabelecer a ciência a seu devido lugar e utilizar as maravilhas da tecnologia para melhorar a qualidade dos serviços de saúde e reduzir seus custos. Vamos domar o sol, os ventos e o solo para movimentar nossos carros e fábricas. E vamos transformar nossas escolas, colégios e universidades para suprir as demandas de uma nova era. Tudo isso nós podemos fazer. E tudo isso faremos.

 

Agora, há alguns que questionam a escala de nossas ambições — que sugerem que nosso sistema não pode tolerar um excesso de grandes planos. Suas memórias são curtas. Pois eles esqueceram o que este país já fez; o que homens e mulheres livres podem conseguir quando a imaginação se une ao objetivo comum, e a necessidade à coragem.

O que os cínicos não entendem é que o chão se moveu sob eles — que as discussões políticas mofadas que nos consumiram por tanto tempo não servem mais. A pergunta que fazemos hoje não é se nosso governo é grande demais ou pequeno demais, mas se ele funciona — se ele ajuda as famílias a encontrar empregos com salários decentes, tratamentos que possam pagar, uma aposentadoria digna. Quando a resposta for sim, pretendemos seguir adiante. Quando a resposta for não, os programas terminarão. E aqueles de nós que administram os dólares públicos terão de prestar contas — gastar sabiamente, reformar os maus hábitos e fazer nossos negócios à luz do dia — porque somente então poderemos restaurar a confiança vital entre uma população e seu governo.

Tampouco enfrentamos a questão de se o mercado é uma força do bem ou do mal. Seu poder de gerar riqueza e expandir a liberdade é inigualável, mas esta crise nos lembrou de que sem um olhar vigilante o mercado pode sair do controle — e que uma nação não pode prosperar por muito tempo quando favorece apenas os prósperos. O sucesso de nossa economia sempre dependeu não apenas do tamanho de nosso Produto Interno Bruto, mas do alcance de nossa prosperidade; de nossa capacidade de estender oportunidades a todos os corações dispostos — não por caridade, mas porque é o caminho mais certeiro para o nosso bem comum.

Quanto a nossa defesa comum, rejeitamos como falsa a opção entre nossa segurança e nossos ideais. Nossos pais fundadores, diante de perigos que mal podemos imaginar, redigiram uma carta para garantir o regime da lei e os direitos do homem, uma carta expandida pelo sangue de gerações. Aqueles ideais ainda iluminam o mundo, e não vamos abandoná-los em nome da conveniência. E assim, para todos os outros povos e governos que nos observam hoje, das maiores capitais à pequena aldeia onde meu pai nasceu: saibam que a América é amiga de toda nação e de todo homem, mulher e criança que busque um futuro de paz e dignidade, e que estamos prontos para liderar novamente.

Lembrem que as gerações passadas enfrentaram o fascismo e o comunismo não apenas com mísseis e tanques, mas com sólidas alianças e convicções duradouras. Elas compreenderam que somente nossa força não é capaz de nos proteger, nem nos dá o direito de fazer o que quisermos. Pelo contrário, elas sabiam que nosso poder aumenta através de seu uso prudente; nossa segurança emana da justeza de nossa causa, da força de nosso exemplo, das qualidades moderadoras da humildade e da contenção.

Somos os mantenedores desse legado. Conduzidos por esses princípios mais uma vez, podemos enfrentar essas novas ameaças que exigem um esforço ainda maior — maior cooperação e compreensão entre as nações. Vamos começar de maneira responsável a deixar o Iraque para sua população, e forjar uma paz duramente conquistada no Afeganistão. Com antigos amigos e ex-inimigos, trabalharemos incansavelmente para reduzir a ameaça nuclear e reverter o espectro do aquecimento do planeta. Não pediremos desculpas por nosso modo de vida, nem vacilaremos em sua defesa, e aos que buscam impor seus objetivos provocando o terror e assassinando inocentes dizemos hoje que nosso espírito está mais forte e não pode ser dobrado; vocês não podem nos superar, e nós os derrotaremos.

Pois sabemos que nossa herança de colcha de retalhos é uma força, e não uma fraqueza. Somos uma nação de cristãos e muçulmanos, judeus e hindus — e de descrentes. Somos formados por todas as línguas e culturas, saídos de todos os cantos desta Terra; e como provamos o sabor amargo da guerra civil e da segregação, e emergimos daquele capítulo escuro mais fortes e mais unidos, só podemos acreditar que os antigos ódios um dia passarão; que as linhas divisórias logo se dissolverão; que, conforme o mundo se tornar menor, nossa humanidade comum se revelará; e que a América deve exercer seu papel trazendo uma nova era de paz.

Ao mundo muçulmano, buscamos um novo caminho à frente, baseado no interesse mútuo e no respeito mútuo. Para os líderes de todo o mundo que buscam semear conflito, ou culpam o Ocidente pelos males de sua sociedade — saibam que seu povo os julgará pelo que vocês podem construir, e não pelo que vocês destroem. Para os que se agarram ao poder através da corrupção e da fraude e do silenciamento dos dissidentes, saibam que vocês estão no lado errado da história; mas que lhes estenderemos a mão se quiserem abrir seu punho cerrado.

Aos povos das nações pobres, prometemos trabalhar ao seu lado para fazer suas fazendas florescer e deixar fluir águas limpas; alimentar corpos famintos e nutrir mentes famintas. E para as nações como a nossa, que gozam de relativa abundância, dizemos que não podemos mais suportar a indiferença pelos que sofrem fora de nossas fronteiras; nem podemos consumir os recursos do mundo sem pensar nas consequências. Pois o mundo mudou, e devemos mudar com ele.

Ao considerar o caminho que se desdobra a nossa frente, lembramos com humilde gratidão daqueles bravos americanos que, nesta mesma hora, patrulham desertos longínquos e montanhas distantes. Eles têm algo a nos dizer hoje, assim como os heróis caídos que repousam em Arlington sussurram através dos tempos. Nós os honramos não só porque são os guardiões de nossa liberdade, mas porque eles personificam o espírito de servir; a disposição para encontrar significado em algo maior que eles mesmos. No entanto, neste momento — um momento que definirá uma geração — é exatamente esse espírito que deve habitar em todos nós.

Pois por mais que o governo possa fazer e deva fazer, afinal é com a fé e a determinação do povo americano que a nação conta. É a bondade de hospedar um estranho quando os diques se rompem, o altruísmo de trabalhadores que preferem reduzir seus horários a ver um amigo perder o emprego, que nos fazem atravessar as horas mais sombrias. É a coragem do bombeiro para subir uma escada cheia de fumaça, mas também a disposição de um pai a alimentar seu filho, o que finalmente decide nosso destino.

Nossos desafios podem ser novos. Os instrumentos com que os enfrentamos podem ser novos. Mas os valores de que depende nosso sucesso — trabalho duro e honestidade, coragem e justiça, tolerância e curiosidade, lealdade e patriotismo — essas são coisas antigas. São coisas verdadeiras. Elas têm sido a força silenciosa do progresso durante toda a nossa história. O que é exigido de nós hoje é uma nova era de responsabilidade — um reconhecimento, por parte de todos os americanos, de que temos deveres para nós mesmos, nossa nação e o mundo, deveres que não aceitamos resmungando, mas sim agarramos alegremente, firmes no conhecimento de que não há nada tão satisfatório para o espírito, tão definidor de nosso caráter, do que dar tudo o que podemos em uma tarefa difícil.

Esse é o preço e a promessa da cidadania.

Essa é a fonte de nossa confiança — o conhecimento de que Deus nos chama para moldar um destino incerto.

Esse é o significado de nossa liberdade e nosso credo — a razão por que homens e mulheres e crianças de todas as raças e todas as fés podem se unir em comemoração neste magnífico espaço, e por que um homem cujo pai, menos de 60 anos atrás, talvez não fosse atendido em um restaurante local hoje pode se colocar diante de vocês para fazer o juramento mais sagrado.

Por isso vamos marcar este dia com lembranças, de quem somos e do longo caminho que percorremos. No ano do nascimento da América, no mês mais frio, um pequeno bando de patriotas se amontoava junto a débeis fogueiras nas margens de um rio gelado. A capital fora abandonada. O inimigo avançava. A neve estava manchada de sangue. No momento em que o resultado de nossa revolução era mais duvidoso, o pai de nossa nação ordenou que estas palavras fossem lidas para o povo:

“Que seja dito ao mundo futuro … que na profundidade do inverno, quando nada exceto esperança e virtude poderiam sobreviver … que a cidade e o país, alarmados diante de um perigo comum, avançaram para enfrentá-lo”.

A América, diante de nossos perigos comuns, neste inverno de nossa dificuldade, vamos nos lembrar dessas palavras atemporais. Com esperança e virtude, vamos enfrentar mais uma vez as correntes geladas, e suportar o que vier. Que seja dito pelos filhos de nossos filhos que quando fomos testados nos recusamos a deixar esta jornada terminar, não viramos as costas nem vacilamos; e com os olhos fixos no horizonte e com a graça de Deus sobre nós, levamos adiante o grande dom da liberdade e o entregamos em segurança às futuras gerações.

 

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