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” Até onde as leis da matemática se refiram à realidade, elas estão longe de constituir algo certo, e na medida em que constituam algo certo, não se referem à realidade.”
(Albert Einstein)
Em o Tao da Física, Fritjof Capra desenvolve um trabalho ao mesmo tempo arrojado e pioneiro: estabelecer pontos de encontro entre a moderna física quântico-relativística e as tradições do misticismo oriental. Não se trata de tarefa fácil, reveste-se de muita coragem ao traçar paralelos entre o pensamento científico ocidental (cujo ícone sem sombra de dúvidas é a Física) , orientado principalmente pela influência inconteste do pensamento Cartesiano e Newtoniano, e as tradições orientais, em especial o Hinduísmo, o Taoísmo e o Budismo.
Nós não conhecemos a realidade. O que conhecemos são representações que fazemos da realidade. O trabalho do homem de ciência é criar modelos explicativos, modelos esses que nos forneçam uma compreensão dos fenômenos da natureza. Desse modo, elaboramos quadros explicativos, que nos permitem compreender como os fenômenos se processam. O método experimental baseia-se na observação do que acontece para estabelecer pressupostos que deverão novamente ser observados. Por sua vez, o misticismo oriental baseia-se na percepção direta da natureza da realidade.
Entretanto, o trabalho racional é complementado pelas intuições que chegam dos ” comos” e “porquês”. São os insights, é precisamente aí que a Física, vai ficando mais mística. A introvisão é a porta de acesso por excelência das tradições orientais. Torna-se uma questão de abordagem da realidade. O pensamento Ocidental imprimiu uma cisão entre a coisa extensa (res extensa) e a coisa pensante (res cogita), ou melhor entre espírito e matéria, observador e observado. No oriente, a via de abordar a natureza é integralizada, portanto, holística: A individualidade (Self) e a coletividade fazem parte integrante e indissolúvel de um mesmo processo.
Fundamentalmente a maneira de observarmos o mundo faz-nos estabelecer cosmovisões. Para os místicos, interessa a experiência da realidade, enquanto os físicos preocupam-se com a descrição dessa experiência. Ambos, elaboram interpretações compartilhadas através de palavras. Esbarram, inevitavelmente na limitação da linguagem. O autor insiste, aliás, em colocar que quando a natureza essencial das coisas passa pelo crivo analítico, ela se afigura como sendo absurda, paradoxal. Nas palavras de Capra: “Tanto o físico quanto o místico desejam comunicar o seu conhecimento e, quando o fazem com o auxílio de palavras, suas afirmações são paradoxais e cheias de contradições lógicas”.(p. 43). Uns procuram descrever a realidade a partir de intricadas equações matemáticas, outros utilizam-se de mitos, símbolos e imagens. De um modo ou de outro, terão que sempre que lidar com a barreira da linguagem e do pensamento linear. Novamente Capra:
“A física moderna, toma hoje a mesma atitude em relação aos seus modelos e teorias verbais. Estes, são também aproximados e necessariamente imprecisos. Constituem a contrapartida do mito, dos símbolos e das imagens poéticas orientais. E é precisamente neste nível que estabeleço os paralelos. A mesma idéia acerca da matéria é transmitida, por exemplo ao hindu através da dança cósmica do Deus Shiva, e para o físico por certos aspectos da teoria quântica dos campos. O Deus que dança e a teoria física são criações da mente, modelos que buscam descrever a intuição que seus autores possuem acerca da realidade.” ( O Tao da física, p.41)
A cosmovisão vigente até o final do século XIX, no ocidente, era a assentada no modelo Newtoniano desdobrando todos os fenômenos físicos dentro do espaço tridimensional da geometria euclidiana, cujos elementos eram formados por unidades (partículas) sólidas e indestrutíveis e preso à noção linear de tempo. As descobertas da nova física apontaram para questões no mínimo surpreendente e paradoxais: espaço e tempo não são entidades isoladas mas constituem um continuum quadridimensional; a massa é uma forma de energia e mesmo em estado inercial, sua energia encontra-se armazenada; a matéria é formada de unidades subatômicas extremamente abstratas e de comportamento dual: ora apresenta-se como partícula, ora como onda, sujeito e objeto fazem parte de um esmo processo influenciando-se mutuamente. São tantas as implicações destas descobertas que fugiriam à pretensão deste resumo. O que se deseja salientar, no entanto, é: a)Evidentemente o estabelecimento de um novo modelo não necessariamente significa a anulação de outro, o modelo anterior (como na física) continua sendo válido para explicar uma certa gama de fenômenos. o que novamente. b)Não conhecemos à realidade e precisamos formular novos modelos que possam dela aproximar-se um pouco mais, explicando uma nova variedade de fenômenos.
A análise é mais grave quando transposta para o campo da prática “psi”. Nós não conhecemos o psiquismo humano, por mais que as cartografias da consciência possam abarcar um número grande de posturas e comportamentos. Que seria a consciência? A consciência ao mesmo tempo tem a atribuição de pensar e acessar o mesmo oceano subjacente de onde saiu. De acumular informações e individualizar-se como uma entidade própria. É causa e efeito de si mesma.
Em Psicologia, muitos são os modelos formulados sobre a consciência, nenhum detêm a verdade independentemente. Talvez, todos sejam complementares, se entendermos que se aplicam a uma certa variedade de experiências dentro de um contexto determinado. Essa também é a posição de Ken Wilber ao propor uma cartografia da consciência baseada em no modelo do espectro de ondas eletromagnéticas. Dentro do espectro, as ondas apresentam-se em diferentes frequências: sonoras, luminosas, radioativas, de audio e de rádio-frequências, etc. Em cada faixa do espectro a onda apresenta características singulares.
Do mesmo modo, cada modelo do psiquismo pode atingir uma ou muitas faixas do espectro da consciência, pode enunciar modelos bem aproximados da realidade de acordo com a perspectiva que se queira enfocar. Não obstante, a totalidade do espectro, ou a realidade última poderá permanecer inatingível. Tal raciocínio outra vez mais nos leva a pensar que estamos diante de um mapa que pode nos ajudar a entender particularidades e nos guiar muito bem dentro de um espaço geográfico. Pode nos ajudar a entender melhor a complexidade da mente humana, colocando esses entendimentos em prol da humanidade em geral. A humildade nos indica, por sua vez, que o modelo explicativo não deve ser confundido com a própria realidade. “Tudo acontece como se…” Não nos esqueçamos disso. O mapa por mais aproximado, não é o território.
É possível portanto, a partir das considerações feitas ao longo do texto, que tanto a Física quanto a Psicologia em particular possam trilhar um caminho com coração. Para além do utilitarismo, dos processos de coerção e dominação sócio-econômica. Um caminho que seja voltado para o bem estar público, a saúde coletiva que nos conduza a auto-realização e ao progresso, através de um senso de responsabilidade e cooperação comunitária para com a vida em todas as suas expressões.