Prólogo de S. João (entoado em grego, depois em francês, por Jean-Yves com tradução em português, acompanhado pelo mantra OM, entoado na platéia ):
No início, o Logos. O Logos está voltado para Deus. O Logos é Deus. Está no início junto com Deus. Todas as coisas existem por ele. Sem ele, nada. Ele habita dentro de todo ser e a vida é a luz dos homens. A luz brilha nas trevas e as trevas não conseguem alcançá-la.
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Aparece um homem enviado por Deus. Ele vem como testemunho, para dar testemunho de Luz, a fim de que todos se unam a ele. Ele não é a luz. Ele é o testemunho da luz verdadeira que ilumina todo homem. Ele está no mundo. O mundo está por ele, mas o mundo não o conhece.
Ele veio para quem é seu, mas os seus não o recebem. Mas aqueles que o receberem, aqueles que crerem em seu nome, têm o poder de se tornarem filhos de Deus. Eles serão engrandecidos, não pelo sangue, não pela carne, nem pela vontade do homem, mas por Deus.
O Logos toma o corpo. Ele habita entre nós!
O que nos une, em nosso início, primeiro, na origem? Arquè. De arquè vem arqueologia, arquétipo, que nos remetem à gênese da origem do mundo, não só a origem de outrora, mas também a de agora.
De onde nos vem o Sopro, o Amor, o pensamento? Nesse instante (do Sopro) nós temos a mesma origem: esse silêncio de onde emergem todas as coisas. Manter-se na proximidade de nossa origem é reencontrarmos nossa fraternidade essencial.
Quando observamos as profundezas da nossa origem, descobrimos também essa outra palavra: Logos. Logos é informação (no sentido genético do termo) do coração, da origem de todas as coisas – lá onde somos todos irmãos uns dos outros, e também irmãos do vento, das estrelas…
Nós todos temos a mesma origem, e muitas vezes é bom sentir no nosso próprio sangue o eco dos outros sangues, e também da seiva das árvores. E quando temos essa sensação, não podemos tratar a terra da mesma maneira. Como dizia Francisco de Assis, a terra, o sol, a água, o vento, são verdadeiramente nossos irmãos, e devemos cuidar deles como uma verdadeira presença, pois temos o mesmo Pai, a mesma Origem, e somos todos habitados pela mesma Informação. Esse Logos que toma formas diferentes, a Inteligência Criadora, que toma formas diversas, mas é a mesma Informação, é o mesmo Logos.
Temos todos a cor da terra. Como dizem os hebraicos: nós somos todos argilosos, nós pertencemos à mesma argila, e é o Logos que dá a essa argila a capacidade de comunhão (comum união). Temos a mesma Origem, temos a Informação Criadora que nos une, e que é a própria Vida.
A Vida é aquilo que atravessa todos os diferentes planos do real, todos esses níveis da realidade. Estando em comunhão com a nossa vida profunda, estamos em comunhão também com todos os seres vivos: o vivente mineral, o vivente vegetal, o vivente animal, o vivente angélico e todos os outros viventes.
Quando escutamos essa vida dentro de nós, estamos em comunhão não só com o nível celeste, mas também com o mundo terrestre – e a missão do ser humano é unir o céu e a terra. O ideograma chinês que representa o ser humano tem as mãos voltadas para o céu e a cúpula voltada para a terra. Não nos cabe virarmos anjos e sim, integrar essa dimensão angelical em nós; não somos animal ou besta, mas devemos integrar essa dimensão animal do nosso ser. Fazer a paz entre o ‘anjo’ e o ‘animal’ que existe em nós, é nos tornarmos humanos.
Nós temos a vida em comum e o Prólogo de S. João nos diz que essa vida é a luz, é a luz dentro de nós, uma Clara-Luz.
Muitas vezes nossos olhos ficam cegos pelas coisas que vemos, e não vemos a luz que existe entre as coisas. Trata-se de ver realmente o que olhamos. É ver o visível e também ver o invisível que envolve todas as coisas visíveis; ver as coisas que aparecem nessa luz, manter ambos unidos: o visível e o invisível.
Nós temos em comum esse mundo invisível da Luz, mas nós não vemos a Luz. E é ela que nos permite ver todas as coisas – essa é uma experiência de meditação profunda. Não apenas ver aquilo que olhamos, mas também ver aquilo que vê através de nós, aquilo que existe através de nossos olhos, que nos torna capazes de ver.
A Vida é a Luz. E muitas vezes não existe uma comunhão, não somente no nível da afetividade e emoção. Mas há uma comunhão silenciosa e invisível nessa Luz. Devemos nos lembrar sempre disso, mas muitas vezes, nos sentimos submergindo em todo tipo de forças obscuras. Mas existe em nós uma Luz que, nada nem ninguém pode destruir. Algo que é mais profundo que os infernos psicológicos, espirituais, que podemos atravessar. E nesses momentos obscuros, devemos nos lembrar dessa luz, que é a luz da Vida, a luz do Logos.
Essa Luz não nos pode ser tirada. A vida que temos pode nos ser tirada, mas a Vida que somos, esta não nos pode ser tirada – o Vivente que somos.. O nosso ser finito é parte finita dessa luz. O tempo que vivemos nesse mundo, é o tempo necessário à nossa finitude, para tomarmos conhecimento (consciência) do infinito que nos habita.
O prólogo de S. João também nos diz que essa luz, que nós podemos não acolhê-la; e trata-se de algo que não podemos perder: a Liberdade. A liberdade de dizermos Sim a esse Ser, a essa Vida, mas também a liberdade de dizer Não, de recusar. Nós temos a escolha entre o Aberto e o Inferno: a abertura ou o fechamento, a infernização; o fechamento que é também a infernização de nossa finitude, o fechamento em nossas certezas.
Mas nós podemos nos abrir, e isso significa perder as nossas certezas (ir além), nos abrirmos a ‘outras certezas’, compartilhá-las. E aí o Prólogo de S. João nos lembra que o Logos pode bater à nossa porta, o Sol pode brilhar na nossa porta, mas nós podemos manter a porta fechada, no exercício da nossa liberdade. Nós podemos nos abrir à Luz ou nós podemos estar ‘desligados’, por trás da vida. Por isso existe um refrão que aparece inúmeras vezes nos textos antigos: “Escolha a vida!” “Escolha a luz!” Onde estamos nós? Talvez seja isso que nós temos de humano.
Uma árvore não pode deixar de mover-se em direção à luz. É o próprio movimento de sua seiva que se realiza na matéria, que sobe em direção à luz. O homem faz isso através de seus atos livres: ele pode lembrar-se de subir à Luz (Amor) que se enraíza na Matéria (tudo que existe).
Enfim, uma última palavra: “O Logos tomou forma. O Logos habita entre nós.” No texto grego está bem explícito que isso é presente. Não está escrito: “O logos tomou forma outrora. Apenas em um único homem..”
E se hoje em dia a Informação Criadora toma corpo em cada um de nós, cada um de nós tem uma maneira única (muito própria) de ‘tomar forma’: a maneira de ser inteligente de um, a maneira de ser inteligente do outro; assim como o corpo de um é diferente do corpo do outro, mas é a mesma vida, é o mesmo Sopro. Devemos manter a consciência dessa unidade, esse respeito pelas diferenças.
Mas por que a Consciência toma corpo? É pra que o corpo tome consciência. E então encontramos esse movimento de descida, de encarnação, do espírito na matéria, da Luz na matéria.
O que chamamos de matéria é manifestação da velocidade mais lenta da luz. A luz está no coração da matéria. Devemos encontrar em nós a velocidade da luz, a Consciência da Luz. O Logos toma forma para que o corpo se torne Logos. O Logos habita entre nós para nós habitarmos Nele, e aí, cada um com sua maneira própria de encarnar o Amor e a Liberdade de unir essa maneira particular à dos outros.
Nós temos muitas coisas em comum: a mesma Origem, junto com as árvores, o sol, a lua; nós temos o Logos, a Informação Criadora; nós temos a Luz, a Consciência; e nós temos também a Liberdade de compartilharmos tudo isso. E através da partilha, da celebração, é a Paz que toma corpo em nós.
Obrigado Deus. Obrigado a todos vocês.
OMMMM…..
Jean Yves-Leloup
Encontro com representantes das diferentes tradições espirituais
Festival Mundial da Paz