Opção nuclear: opção econômica, ambiental e social

Publicado por Marcus Vinícius Simioni em 4 janeiro 2010 às 19:31
 

Sugiro mudanças no programa, com o objetivo de se considerar as novas perspectivas da energia nuclear, conforme as disposições no programa INPRO da Agência Internacional de Energia Atômica.

O intuito desse título não é defender a opção nuclear como única opção à geração de energia e sim defender a opção nuclear como grande alternativa para geração de energia TÉRMICA e elétrica. A diferença é sutil, mas importante: Fontes alternativas são úteis e devem ser utilizadas, quando disponíveis. No entanto, é preciso muito mais do que regime de ventos e níveis de reservatório de represas para cumprir as demandas por energia da nossa sociedade. Diminuir a demanda por energia pode ser parte da resolução do problema, desde que se trabalhe a eficiência e a redução de desperdícios. No entanto, a experiência nos diz que, havendo uma maior eficiência e desperdício zero, a economia gerada é convertida em mais consumo por se tratar de um ativo disponível na ponta da economia. É o caso análogo do cidadão que compra um carro “Flex” e, com a economia gerada no gasto de combustível, ele gasta numa longa viagem de avião.

Num ciclo termodinâmico de potência, como é o caso de todas as termoelétricas (carvão, gás, biomassa e nuclear), parte considerável da energia deve ser rejeitada na forma de calor. Isso se deve à Segunda Lei da Termodinâmica que enuncia (enunciado de Kelvin-Planck) “é impossível para qualquer sistema operar em um ciclo termodinâmico e fornecer uma quantidade de trabalho líquida para suas vizinhanças enquanto recebe energia por transferência de calor de um único reservatório térmico”. Infere-se a partir deste enunciado que não é possível aproveitar todo o calor gerado para conversão de trabalho. Há possibilidade de se dimensionar ciclos de regeneração e recuperação de energia, contudo sempre limitado ao enunciado da 2ª Lei. Apenas 30% da energia disponibilizada pelo combustível é convertida em trabalho, o resto, 70%, é dissipado em calor.

Por outro lado, os ciclos térmicos de potência têm sido amplamente utilizados por apresentar confiabilidade na produção. É possível gerar a energia nominal da capacidade instalada somente abastecendo a usina com combustível. Melhor, este combustível pode ser armazenado, podendo ser estabelecido reservas estratégicas para a regulação e cobrindo possíveis oscilações de carga (desde que não ultrapasse a capacidade instalada). Quando tratamos o combustível, estamos ampliando os marcos da economia. Explico a seguir.

Vejamos como contraponto o caso de uma grande usina hidrelétrica: na construção a geração de emprego pode chegar a um pico de 30.000 trabalhadores (a grande maioria de baixo nível de escolaridade e baixa renda), uma parcela significativa dessa grande massa acaba “indo pra ficar”. Esperam que na usina criem-se empregos a longo prazo e que se forme uma cidade entorno. No entanto, as características inerentes a nossa rede de distribuição (extremamente centralizada na produção e gigante na transmissão) faz com que as usinas sejam cada vez mais longe do seu local de consumo, ou seja, as industrias, os maiores empregadores. Distantes da industrias, longe dos grandes centros, largados no nada, o que resta a essa gente? Outro ponto é que, na implementação, a usina irá afastar muitas comunidades ribeirinhas, devido as áreas inundadas. O stress socioambiental está configurado. Uma usina hidrelétrica emprega poucas pessoas na sua operação, tudo que ela faz é gerenciar o nível da barragem pela demanda de energia, abrindo, quando há excesso de água, a eclusa do “ladrão”. Tudo automaticamente, apertando botões. Para apertar os botões é preciso ter o segundo grau completo, no mínimo. Para o estado que recebe o investimento o interesse recai sobre os royalties gerados com a venda da energia.

Vejamos a energia nuclear numa concepção de pequenos reatores, conforme o projeto do Prof. Farhang Sefidvash, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da UFRGS. Para compreender o que quero dizer com “Quando tratamos o combustível, estamos ampliando os marcos da economia.” É preciso conhecer o ciclo do combustível nuclear (segue texto retirado e adaptado de O Ciclo do Combustível Nuclear, PUC Rio):

1) Mineração e beneficiamento

A mineração e a produção de concentrado de urânio consistem na primeira etapa do ciclo do combustível. Após o conjunto de operações, que têm como objetivo descobrir uma jazida e fazer sua avaliação econômica – prospecção e pesquisa – determina-se o local onde será realizada a extração do minério do solo, e o início dos procedimentos para mineração e para o beneficiamento. Na usina de beneficiamento o urânio é extraído do minério, purificado e concentrado sob a forma de um sal de cor amarela, conhecido como “yellowcake”. O Brasil está hoje, ao lado da Austrália, Canadá, Cazaquistão, África do Sul, Estados Unidos, Rússia e Namíbia, entre os países que possuem grandes reservas de urânio, a matéria-prima utilizada para produzir o combustível usado nos reatores nucleares.

Segundo as recentes projeções, (Matos et al, 1999), as atuais reservas geológicas brasileiras de urânio expressas como U3O8, somam 309 mil toneladas (5,9 % das reservas mundiais conhecidas). Entre as reservas já conhecidas, a Província de Lagoa Real, descoberta em 1977 com base em levantamentos aerogeofísicos, abrange uma área de 1200 Km2. A área de Lagoa Real localiza-se no centro-sul do Estado da Bahia, sendo limitada pelas coordenadas geográficas 42007’30” – 42022’30” e 13045’00” – 14007’30”. Nesta região se situa a mais importante província uranífera conhecida no Brasil. A área está inserida no quadrilátero formado pelas cidades de Caetité, Lagoa Real, Maniaçu e São Timóteo, próximo à divisa com Minas Gerais. Após a sua descoberta, diversos trabalhos foram realizados com vistas a cartografar os corpos mineralizados em urânio e suas encaixantes, caracterizar o seu arcabouço estrutural, datar e entender a gênese da mineralização uranífera e sua distribuição espacial (Cruz, 2004).Segundo Matos (Matos et al 1999, 2000), são consideradas como jazidas/depósitos, dez áreas (doze anomalias) apresentando um total de 100.770 toneladas de U3O8 (medida, indicada e inferida), com teor médio de 2.100 ppm.

2)Conversão e enriquecimento do urânio

Nessa etapa do ciclo do combustível nuclear o urânio na forma de yellowcake é dissolvido e purificado. Então é convertido para o estado gasoso, sendo obtido o hexafluoreto de urânio (UF6). A etapa a seguir é a de enriquecimento do urânio que tem por objetivo aumentar a concentração do urânio 235 que é de apenas 0,7% de urânio 235 para 2 a 5% o que viabiliza o seu uso como combustível. O produto gasoso, UF6, é então, enriquecido em 235U.

Após uma longa história que mescla pioneirismo, soberania, persistência, descaso e fome de recursos, o CTMSP (Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo) consegue desenvolver uma ultracentrífuga com êxito a fim de se obter urânio enriquecido. Recentemente o INB comprou a tecnologia do CTMSP e irá aplicá-la de modo a não mais enviar o UF6 para o exterior, para que por lá ele seja enriquecido.

3)Fabricação do combustível nuclear

Após ser enriquecido, o UF6 é enviado em recipientes para a Fábrica de Combustível Nuclear. Na referida fábrica é realizada a reconversão do UF6 em UO2. As pastilhas de urânio, depois de prontas, são submetidas à última etapa do ciclo do combustível nuclear, que é a montagem do elemento combustível. Na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), pertencente à INB, são realizadas as etapas de: Reconversão de UF6 em pó de UO2, Fabricação de pastilhas de UO2 e a Montagem do Elemento Combustível. Na etapa de reconversão o hexafluoreto de urânio (UF6) é transformado em dióxido de urânio (UO2). O processo de reconversão é o retorno do gás UF6 ao estado sólido, sob a forma de pó de dióxido de urânio (UO2). A principal matéria-prima dessa etapa do processo é o urânio enriquecido na forma de hexafluoreto de urânio (UF6), com nível de enriquecimento da ordem de 0,71 a 5,0% em peso, armazenado em recipientes cilíndricos.

O vapor de UF6 é então misturado a uma corrente, pré-aquecida a 100ºC, de gás carbônico (CO2) e amônia (NH3). A hidrólise do UF6 e a precipitação do tricarbonato de amônio e uranila (TCAU) ocorrem em um reator químico despressurizado onde o UF6 reage com amônia (NH3), gás carbônico (CO2) e água (H2O) desmineralizada. Esta reação química produz o tricarbonato de amônio e uranila (TCAU), sólido amarelo e insolúvel em água. A decomposição térmica do TCAU e subseqüente redução para UO2 processa-se em forno de leito fluidizado com hidrogênio e vapor d’água a 6000C, sofrendo, então, uma redução química para UO2. Do forno de leito fluidizado, o pó de UO2 recebe a adição de N2 gasoso. O UO2 é transportado para homogenizadores, onde é adicionado o U3O8. Após as etapas acima descritas, a matéria prima para a fabricação da pastilha para o elemento combustível esta pronta, o pó de UO2, cuja concentração isotópica, em 235U, é da ordem de 0,71 a 5,0 % em peso.

O pó utilizado nesta etapa possui até 100 ?m de diâmetro. Nesta fase do processo, as pastilhas são chamadas de “pastilhas verdes”. O pó com diâmetro maior que 100 ?m é levado para a estação de peneiramento, onde são quebrados, novamente classificados e, posteriormente, reintroduzidos no homogeneizador. As “pastilhas verdes” são encaminhadas ao forno de sinterização, sob temperatura de 1.750°C. O sistema de retificação de pastilhas de UO2 é constituído por um dispositivo de alimentação contínua de pastilhas, um equipamento de retificação, uma seção de controle dimensional e inspeção visual e um dispositivo de retirada e arrumação de pastilhas. Para que sejam atendidas as exigências da especificação, todas as pastilhas sinterizadas sofrem uma retificação do diâmetro.

A montagem do elemento combustível é a última etapa do ciclo do combustível nuclear. Nesta etapa são montados os conjuntos de elemento combustível.

4) Elemento combustível após a utilização

No caso do Reator do Prof. Farhang Sefidvash e de todos os elementos combustíveis de reatores de IV geração, após a fissão, há uma maneira de se reutilizar esse rejeito. No caso específico do FBNR, pode ser utilizado na forma de irradiadores, devido às suas características anti-proliferativas e a baixa dose de radioatividade presente. Um irradiador consiste num equipamento que faz a esterilização de microorganismos. Sua utilização vai desde a esterilização de alimentos (prolongando o tempo de consumo dos mesmos), domicílios e equipamentos hospitalares (sem adição de substâncias químicas) até o tratamento de esgoto (impedindo a proliferação de pragas domésticas), água potável, entre outras…

Como foi visto neste texto, para produzir o combustível nuclear é preciso um longo processo industrial, que começa com a mineração e termina na produção da pastilha nuclear. Em sendo uma indústria, nós podemos considerar a quantidade de empregos gerados (direta e indiretamente), as divisas geradas, a ganho tecnológico envolvido e a melhor vantagem: a inserção disso na economia e da economia na sociedade.

Um reator de pequeno porte se insere convenientemente na nossa economia, ficando próximo ao principal consumidor: a indústria. A única objeção é a presença abundante de água. Coincidentemente boa parte das indústrias (ao menos as que mais gastam energia) necessitam da mesma coisa: água. Melhor, por ser de baixo custo de fabricação, construção e operação, pode-se obrigar conglomerados industriais a comprar seu próprio reator. O calor rejeitado pelo reator pode ser utilizado para gerar vapor, outra excelente coincidência pois boa parte da indústria também necessita de vapor para os seus processos. Se considerado o aproveitamento do vapor no cálculo energético, o rendimento do reator chega facilmente a 75%.

Outras boas perspectivas para o reator estão no seu uso para a dessalinização da água, plantas de produção de hidrogênio, descentralização da produção de energia e em países pequenos, com pequenas redes elétricas. O Uruguai e a República Dominicana já demonstraram interesse no reator. Após a aprovação do projeto pela AEIA (Agência Internacional de Energia Atômica) como um reator de IV geração, o projeto está liberado para a construção do protótipo. Sabemos que, a partir do protótipo, não demorará até que seja uma realidade no mercado.

 

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