Pensamentos Recolhidos em Textos Budistas e Zen-budistas

 

“Sede vós mesmos vossa própria bandeira e vosso próprio refúgio. Não vos confieis a nenhum refúgio exterior a vós. Apegai-vos fortemente à Verdade. Que ela seja vossa bandeira e vosso refúgio. Aqueles que forem eles próprios sua bandeira e seu refúgio, que não se confiarem a nenhum refúgio exterior a eles, que, apegados à Verdade, a tenham como bandeira e refúgio, atingirão a meta suprema.”

“Não acrediteis numa coisa apenas por ouvir dizer. Não acrediteis na fé das tradições só porque foram transmitidas por longas gerações. Não acrediteis numa coisa só porque é dita e repetida por muita gente. Não acrediteis numa coisa só pelo testemunho de um sábio antigo. Não acrediteis numa coisa só porque as probabilidades a favorecem ou porque um longo hábito vos leva a tê-la por verdadeira. Não acrediteis no que imaginastes, pensando que um ser superior a revelou. Não acrediteis em coisa alguma apenas pela autoridade dos mais velhos ou dos vossos instrutores. Mas, aquilo que por vós mesmos experimentastes, provastes e reconhecestes verdadeiro, aquilo que corresponde ao vosso bem e ao bem dos outros – isso deveis aceitar, e por isso moldar a vossa conduta.”

“Só há um caminho que conduz à purificação dos seres, à extinção do sofrimento e da tristeza, à destruição dos males físicos e morais, à aquisição da conduta reta, à realização do Nirvana. Este caminho é o 3os Quatro Fundamentos do Estabelecimento da Atenção (Vigilância). Primeiro, observando o corpo, o discípulo permanece enérgico, claramente consciente, compreensivo, atento, vencendo os desejos e as contrariedades do mundo; segundo, observando as sensações; terceiro, observando a mente; quarto, observando os diferentes assuntos da Doutrina, ele se torna enérgico, compreensivo, atento, afastando os desejos e as contrariedades desse mundo.”

“O Eu é o mestre do eu. Que outro mestre poderia existir?” nota: * A filosofia hindu divide o ser humano em um Eu Superior (Atman), que é imortal, espiritual e eterno, e o Eu Interior (Aham) que é mortal, material e transitório.

“A riqueza é o objetivo do nobre, a sabedoria, sua ambição, o poder, sua resolução, a terra, sua necessidade, a dominação, seu êxito. O objetivo do brâmane é a riqueza, a sabedoria, sua ambição, a recitação dos mantras, sua resolução, os sacrifícios, sua necessidade, o mundo de Brahma, seu êxito. O objetivo do chefe de família é a riqueza; a sabedoria é sua ambição, um ofício, sua resolução, o trabalho, sua necessidade, o trabalho. perfeito, seu êxito. O fim da mulher é o homem, o ornamento, sua ambição, um filho seu, a resolução; a ausência de qualquer rival, sua necessidade, o domínio, seu êxito. O fim do ladrão é o saque, o roubo, sua ambição, uma caravana, sua resolução, as trevas, sua necessidade, não ser visto, o seu êxito. O fim do eremita é a paciência e o perdão; a sabedoria, sua ambição, o hábito moral, sua resolução, o aniquilamento, sua necessidade, o Nirvana, seu êxito.”

“”Tudo existe” é um dos extremos.” Nada existe” é o outro extremo. Devemos sempre nos manter afastados desses dois extremos, e seguir o Caminho do Meio.”

“Há quatro portas pelas quais se escoa a riqueza acumulada: viciar-se em mulheres, viciar-se na bebida; viciar-se no jogo, possuir maus amigos, maus colegas e maus companheiros… Há quatro portas pelas quais entra a riqueza: não se viciar em mulheres, não se viciar na bebida, não se viciar no jogo, não possuir maus amigos, maus colegas e maus companheiros.”

“Os seres têm como patrimônio o seu Karma; são os herdeiros, os descendentes, os pais, os vassalos do seu Karma. É o Karma que divide os homens em superiores e inferiores.”

“Qual é o caminho da salvação'?! É a retidão, é a meditação, é a sabedoria. Penetrada pela retidão, a meditação torna-se fecunda; penetrada pela meditação, a sabedoria torna-se fecunda; penetrada pela sabedoria, a alma se liberta totalmente de qualquer apego: apego ao desejo, apego ao vir a ser. ao erro e à ignorância.”

“Os raios da roda são as regras da retidão de conduta. A justiça é a uniformidade de sua circunferência; a sabedoria, a sua faixa; a meditação é o cubo em que se fixa o eixo da verdade inflexível.”

“Ainda que o corpo esteja envolvido por vestes laicas, o espírito pode se elevar até as mais altas perfeições. O homem do mundo e o eremita não diferem nada um do outro, se ambos tiverem vencido o egoísmo. Enquanto o coração permanecer encadeado pelos laços da sensualidade, toda aparência exterior de ascetismo não passa de coisa vã.”

“Aquele que age com discernimento e se esforça pacientemente obtém riquezas. Com a retidão, alcança fama e praticando doações cria laços de amizade.”

“A vitória engendra o ódio, porque o vencido sofre. Aquele que vive em paz é feliz, pois não sonha com vitória nem derrota. É pela benevolência que se deve vencer a cólera: é pelo Bem que se deve vencer o Mal. Deve-se vencer o avarento pela liberalidade, e o mentiroso pela verdade.”

“Se malvados vos injuriam, dizei: “São bons porque não me batem”. Se vos batem, dizei: “São bons porque não me matam”. Se vos matam, dizei: “Há discípulos aos quais o corpo e a vida trouxeram tantos tormentos, que eles desejam a morte violenta. Encontrei tal morte, sem tê-la, buscado”.”

“Os que vivem conforme a Lei praticam os preceitos, ;falam a verdade, são comedidos, libertos do mundo da impermanência e castos… renascem nos mundos celestiais ou ,em boas famílias deste, alcançando o Nirvana em seguida.”

“A indulgência é a austeridade por excelência; a paciência é o Nirvana por excelência. Não é um fiel aquele que prejudica alguém. Não é um fiel aquele que faz sofrer alguém.”

“Não é sobre as faltas alheias que devemos fixar a atenção, mas sobre o que nós mesmos deixamos de fazer.
Fácil é ver a falta do próximo; difícil, a nossa própria. A dos outros, damos o maior relevo possível; a nossa, ao contrário, dissimulamos, como o trapaceiro esconde seus dados falsos. Que te pode interessar que outrem seja ou não culpado? Vem, amigo, e olha o teu próprio caminho! Que, pouco a pouco, sem se cansar, o sábio sopre sobre as impurezas de tua alma, como o ourives sopra sobre as partículas de prata. Pela atividade viril, pelo esforço vigilante, pela paz da alma e pelo domínio sobre si mesmo, o sábio pode fazer uma ilha que não submerge nas ondas. Calmo é o seu espírito, calma a sua palavra, calma a sua maneira de agir. Quando um homem, que não é crédulo, mas que conhece o Incriado (o Nirvana) , rompe assim suas amarras e diz adeus aos prazeres, torna-se o mais eminente dos mortais.”

“Todas as seitas propõem a sujeição do sentido e a pureza da alma… o Bem é a medula de todas as seitas… Este desenvolvimento da essência de todas as seitas pode-se fazer de muitas maneiras. Mas todas têm uma mesma raiz, que é vigiar a linguagem e não celebrar a sua comunidade depreciando as outras… Deve-se, pelo contrário, prestar às outras seitas as homenagens que lhes são adequadas, e isso em qualquer circunstância. Quem quer que assim proceda faz prosperar a sua seita e se torna útil às outras. Que todos desejem ouvir e aprender o Bem uns com os outros.”

“O que somos hoje e o que seremos amanhã depende de nossos pensamentos. Se procedo mal, sofro as conseqüências; se procedo bem, eu mesmo me purifico.”

“A melhor das vias é a Via de oito ramos: a melhor das verdades, aquela que se contém nos quatro artigos: a melhor das condições, a ausência de paixões; o melhor dos homens, aquele que tem olhos. É a única via, e não há outra para purificar o espírito. Seguindo-a, poreis termo à dor. Essa via foi por mim ensinada, quando descobri o remédio contra os espinhos da existência. Cem anos passados no desregramento e na dissipação não valem um só dia de uma vida consagrada à ciência e à meditação. Cem anos de uma vida passada na indolência e na falta de energia não valem um só dia de uma vida vivida com virilidade e energia. Cem anos de uma vida passada sem enxergar com seus próprios olhos a Lei suprema não valem um só dia de uma vida consagrada a enxergar com seus próprios olhos essa Lei suprema.”

“O que é efêmero é mau; o que é mau não é o Eu. O que não é o Eu não é meu; eu não sou aquilo, aquilo não é meu Eu . . . Felizes em verdade os Perfeitos! O pensamento “Eu sou” estando extirpado, a rede da ilusão se rasga… Não crer que “Eu sou” é a liberdade.”

“O homem superior é aquele que, distribuindo suas riquezas conforme a Lei, oferece aos outros o fruto de sua diligência. O que assim faz é o maior dos pensadores, uma pessoa acima de qualquer dúvida. Seu destino é um lugar feliz, onde não terá nenhuma preocupação.”

“O louco que reconhece sua loucura possui algo de prudente; porém, o louco que se presume sábio esse está realmente louco.”

“As coisas não existem da maneira que pensam os homens comuns e ignorantes da Verdade: elas existem no sentido de que não têm realidade própria. E desde que elas não existam na realidade, são uma ilusão que é decorrente da ignorância. É a essa ilusão que se apegam os homens ignorantes da Verdade. Eles consideram todas as coisas como reais, quando, na verdade, nenhuma é real.”

“A afeição ao prazer produz desgosto; o temor do sofrimento engendra o medo. Quem não se afeiçoa ao prazer nem teme a dor não conhece o desgosto nem o medo. Quem cede à vaidade e se apega ansiosamente ao prazer, invejará mais tarde aquele que adquiriu a virtude por meio da meditação.”

“Eis os quatro impulsos que arrastam para a existência individual: o apego ao desejo, o gosto da especulação metafísica, a prática dos ritos religiosos, a crença na vida imortal da personalidade.”

“Chamo de arahant ao homem sereno, indiferente aos desejos, sem um único vínculo, que transpôs a lama sórdida, que não possui filhos, nem bois, nem campos e nenhum bem material. Ele nada encontra para tomar ou rejeitar. Desaparecidas a inveja e a aspereza para com os lucros, esse sábio não diz “alto”, nem “baixo”, nem “igual”; não procura o tecido do tempo e nada tece. Aquele que nada possui neste mundo, nem se aflige por perder, nem abraça uma opinião, este merece ser chamado de homem sereno.”

“O discípulo que cultiva as Dez Perfeições entra no Caminho que o leva à Libertação. Tais são as Dez Perfeições: a Caridade (Dana) , a Conduta Ética ou Dever (Sila) , a Renúncia (Nekkhamma), a Sabedoria (Panna), o Esforço, a Energia (Virya) , a Paciência (Khanti), a Fidelidade (Sacca), a Determinação (Adhitthana) , a Bondade (Metta) , a Equanimidade (Upekka).”

“Toda mortificação é vã, se a personalidade persiste em desejar os prazeres do mundo e os deleites do céu… Toda sensualidade é enervante. O homem sensual é escravo de suas paixões, e degrada-se vilmente ao buscar o prazer. Porém, não é mau satisfazer as necessidades da vida. Ao contrário; é dever nosso conservar a saúde do corpo, porque de outra maneira não poderíamos manter acesa a lâmpada da sabedoria, nem dar fortaleza e lucidez à mente.”

“Saber de cor todos os Vedas não conduz à Verdade. O conhecimento útil, a verdadeira ciência, só pode ser adquirido pela prática.”

“A esse que é tolerante para com os intolerantes, doce para com os violentos, desapegado de tudo para com os apegados a tudo – a esse eu chamo de sábio. A esse que nada mais espera neste mundo, nem em um outro mundo, que é a tudo insensível, de tudo desprendido – a esse eu chamo de sábio. A esse que, não tendo mais ligações com os homens, superou aquelas que poderia ter com os deuses, que é completamente desprendido de tudo – a esse eu chamo de sábio.”

“De dez formas praticam os homens a virtude, e de dez formas o vício. Quais são essas dez formas? Há três para o corpo, quatro para a palavra, três para o pensamento.

Para o corpo, as três formas de praticar o vício são: tirar a vida; tomar o que não foi dado; não viver com castidade.

Para a palavra, as quatro maneiras são: dizer mentiras; dizer palavras vãs; dizer injúrias; dizer calúnias.

Para o pensamento, as três formas são: a cobiça; a vontade de prejudicar; a ignorância.

Nunca digas injúrias a quem quer que seja: teus adversários responderiam da mesma forma, e dolorosa seria essa troca de injúrias.

Atingirás o Nirvana quando te tornares insensível como um clarim quebrado; não mais terás alterações.
O sábio abstém-se de toda palavra de calúnia. Não repete o que ouviu, para não indispor este com aquele. Reconcilia os desunidos, estreita os lados dos unidos. A concórdia é sua alegria, a concórdia é sua ocupação e sua delícia. Palavras que podem trazer concórdia, essas ele pronuncia.”

 

“Não é o fato de andar nu, nem a imundície, nem o jejum, nem o hábito de se deitar sobre a terra dura, nem a imobilidade que serão capazes de purificar um homem que não venceu a concupiscência. Embora vestido luxuosamente, é um fiel aquele que vive na quietude, calmo, casto, sem fazer mal a ente algum.
Não são os cabelos trançados, nem a riqueza, nem o nascimento que fazem o brâmane. Aquele em que se encontram a verdade e a justiça, esse sim, é feliz, esse é um brâmane. Para que esses cabelos trançados? para que uma veste de pele de cabra? Em ti, o interior é um verdadeiro caos: cuidas apenas do exterior.
O que torna impuro não é o fato de comer carne: é o ódio, a intemperança, a teimosia, a hipocrisia, o embuste, a inveja, o orgulho, a complacência para com os homens injustos.”

“Não busco recompensa alguma, nem mesmo renascer num paraíso; procuro, porém, o bem dos homens, procuro reconduzir os que saíram do Caminho, alumiar os que vivem nas trevas e no erro, banir do mundo toda pena e sofrimento.”

“Tal como numa casa cujo telhado é imperfeito penetra a chuva, assim. também, num espírito onde não reside a meditação penetra a paixão. Não há conhecimento para aquele que não medita; não há meditação para aquele que não busca o conhecimento. Aquele em que habitam conhecimento e meditação, está perto do Nirvana. Completa e eternamente vigilantes são os discípulos de Buda. De noite como de dia, sem folga, está posta na Lei sua atenção.”

“Não corras atrás do passado, Não busques o futuro, O passado passou. O futuro ainda não chegou. Vê, claramente, diante de ti o Agora. Quando o tiveres encontrado Viverás o tranqüilo e imperturbável estado mental.”

“Eu sou o resultado de meus próprios atos, herdeiro de atos; os atos são a matriz que me trouxe, os atos são meu parentesco; os atos recaem sobre mim; qualquer ato que eu realize, bom ou mau, eu dele herdarei.” “Eis em que deve sempre refletir todo homem e toda mulher.”

“Assim como o rochedo não pode ser abalado pelo vento, nem a censura, nem a lisonja tem qualquer poder sobre o sábio.
À sua vontade, os construtores de aquedutos dirigem a água, os armeiros preparam a flecha, os carpinteiras curvam a madeira; é de si mesmos que se fazem os que conhecem a Lei.

Inútil vencer, numa batalha, milhões de homens: vencer-se a si mesmo é a maior vitória.

Para o homem que se domou, que vive na continência, para esse; nem Deus, nem gênio, nem Mara como o próprio

Brahma seriam capazes de mudar em derrota a sua vitória.

A indolência é uma enfermidade; a preguiça, uma nódoa. Arrancai essa flecha envenenada que é a indolência.
A vigilância é o caminho que leva à libertação da morte. Os vigilantes não morrem; os negligentes já são como os mortos.
Quando, graças à vigilância, o sábio repudia toda negligência, eleva-se até a morada da Ciência, e aí, feliz e prudente, com o mesmo olhar daquele que, sobre a montanha, vê os que estão na planície, enxerga a turba aflita e ignorante.
Vigilante entre negligentes, desperto entre adormecidos, o homem inteligente caminha e deixa longe de si os outros, como um rápido corcel deixa para trás um cavalo débil.

Erguei-vos, pois! Não sejais indolentes! Agi de acordo com a Lei. Aquele que observa a Lei vive feliz neste mundo e em todos os outros.”

“O verdadeiro culto não consiste em oferecer incenso, flores ou outras coisas materiais; mas no esforço por seguir o caminho daquele a quem se reverencia.”

“Esses que vêem a essência no que não é a essência, e no que é a essência não vêem a essência – estes entregam-se a aspirações ilegítimas e não atingem a essência.”

“A velhice, a doença, a morte, eu delas ainda não triunfei… Mas serei bem sucedido, sem jamais voltar para trás, na travessia que se obtém pelo caminhar com Brahma.”

“Todos os seres e todas as coisas são constituídas de uma mesma essência, embora pareçam diferentes segundo as formas que tomam, em conseqüência das influências que recebem. Como se formam, agem, e como agem, são. Imaginemos um oleiro que fabrique vasilhas diferentes com o mesmo barro. Cada uma dessas vasilhas terá seu destino, pois uma servirá para arroz, outra para manteiga, outra para leite e algumas serão usadas para depósito de impurezas. Não há diferenças no barro empregado. A diferença está no modelo dado pelo oleiro, segundo os diversos usos requeridos pelas circunstâncias.

Analogamente, todos os seres evolucionam de acordo com uma só lei e se destinam ao mesmo fim, que é o Nirvana.”

“Cada qual pagará a si mesmo pela má ação que cometeu. Praticando uma boa ação, cada qual se purificará a si mesmo. Não se podem purificar uns aos outros. Minhas obras são meu bem; minhas obras são minha herança; minhas obras são o seio que me leva; minhas obras são a raça à qual pertenço; minhas obras são meu refúgio. Em parte alguma existe alguém que esteja ao abrigo das conseqüências de seus próprios atos.”

“Não façais pouco caso do Mal, dizendo: “Ele não recairá sobre mim”. A água, embora caindo gota a gota, acaba por encher o vaso; o Mal, embora praticado pouco a pouco, acaba por encher a alma do culpado.
Quando um homem, depois de uma longa jornada, retorna são e salvo, parentes e amigos festejam com júbilo sua volta. Assim também, quando aquele que fez o bem passa deste para outro mundo, os méritos que conquistou na vida dão-lhe as boas-vindas, como parentes dão as boas-vindas a um ser amado que volta.”

“Aquele que percebe a existência da dor e conhece sua causa, remédio e extinção, compreende as quatro nobres verdades e está no bom caminho.

Seu reto propósito será a luz que iluminará seus passos, e a palavra verdadeira, o seu refúgio. Caminhará em linha reta porque reta é a conduta.

O trabalho honroso terá seu consolo; seus esforços serão seus passos, seus bons pensamentos, seu alento, e a paz será uma companheira inseparável.

Tudo quanto teve princípio terá fim. É vão todo cuidado com a personalidade, todas as atribulações que a afetam são passageiras e desvanecer-se-ão como um pesadelo quando acordar o sonhador.

Quem desperta para o conhecimento da verdade livra-se de todo temor e conhece a futilidade de suas inquietações, ambições e sofrimentos. Acontece que, às vezes, ao sair de um banho, a gente pisa numa corda úmida e a confunde com uma serpente; e horrorizada, sofre a agonia idêntica à causada por uma picada venenosa. Quão alegre ficará o homem ao reconhecer o seu engano e a não existência de tal serpente! O motivo de seu espanto está em seu erro, em sua ignorância e ilusão. Quando souber que pisou numa corda, reconquistará o sossego e a tranqüilidade.

Tal é a atitude de quem conhece a ilusão da personalidade e que a causa de todas as suas dores, sofrimentos, inquietações e vaidades é uma miragem, uma sombra e um sonho.

Feliz aquele que vence o egoísmo, alcança a paz e encontra a verdade. A verdade liberta-nos do mal; não há no mundo libertador igual.

Confiai na verdade, mesmo que não sejais capazes de compreendê-la, mesmo que no começo vos pareça amarga a sua doçura.

O erro extravia; a ilusão é a mãe do Mal, que embriaga como bebida fermentada; porém, muito logo se desvanece, deixando o homem abatido e desgostoso.

A personalidade é uma febre, uma visão passageira, um sonho; porém, a verdade é sublime, saudável, eterna. Unicamente a verdade é imortal, porque permanece para sempre.”

“Ao seu pensamento vacilante, móvel, difícil de conter, difícil de domar, o homem inteligente impõe a mesma retidão que um fazedor de flechas à flecha que prepara.

Como um peixe atirado à terra, agita-se convulsamente esse pensamento para se esquivar à dominação de Mara.
Difícil de conter, arisco, vagando por onde lhe apraz: tal é o pensamento. Domá-lo é coisa salutar; domado; ele conquista a felicidade.

Difícil de se mostrar, muito esperto, vagando por onde lhe apraz: tal é o pensamento. Ao sábio compete vigiá-lo; vigiado, ele conquista a felicidade.

Vadio, solitário e incorpóreo, o pensamento mora nos refolhos do ser. Os que conseguirem contê-lo libertar-se-ão dos grilhões ele Mara.

Antigamente, meu pensamento vadio errava; daqui, dali,. onde o chamavam o amor, o desejo ou o prazer. Hoje, eu o domino completamente; como o cornaca domina o elefante selvagem”

“Existem no mundo quatro tipos de indivíduos. Quais são? Há os sombrios que caminham para as trevas, os sombrios que caminham para a claridade; os claros que caminham para as trevas e os claros que caminham para a claridade .

Qual é aquele que é sombrio, que caminha para as trevas? É, por exemplo, o homem nascido numa família humilde; ele é pobre, mal nutrido, vivendo numa condição miserável, aflito, disforme. Sua conduta da corpo, de palavra e de pensamento é má, de modo que, quando da decomposição de seu corpo após a morte, ele surge no abismo, num mau destino, na queda. É como se o ser caminhasse de cegueira em cegueira, das trevas a outras trevas, de uma mancha de sangue a outra.

Qual é aquele que é sombrio e caminha para a claridade? É, por exemplo, aquele que é nascido nas condições más que acabo de dizer, mas cuja conduta de corpo, de palavra e de pensamento é boa, de modo
que, quando da decomposição de seu corpo após a morte, ele surge num bom destino, num mundo celeste. É como se o ser se elevasse do solo num palanquim, do palanquim ao dorso de um cavalo, do dorso do cavalo ao dorso do elefante e do elefante sobre um terraço.

Qual é aquele que é claro mas que caminha para as trevas? É, por exemplo, aquele que nasceu numa família de elevada estirpe, muito rica, e com tudo que possa assegurar o prazer. Mas sua conduta de corpo, de palavra e de pensamento é má, de sorte que, quando da decomposição de seu corpo após a morte, ele surge no abismo, no mau destino, na queda. É como se o ser descesse de um terraço sobre um elefante, do dorso do elefante ao dorso do cavalo, daí em um palanquim e do palanquim à terra.

Qual é aquele que é claro e que caminha para a claridade? É, por exemplo, aquele que nasceu nas circunstâncias felizes que eu acabo de dizer e cuja conduta de corpo, de palavra e de pensamento é boa, de modo que, quando da decomposição de seu corpo após a morte, ele surge num bom destino e num mundo celeste. ~ como se o ser passasse de um palanquim a outro, de um cavalo a outro cavalo, de um elefante a um outro elefante, de um terraço a um outro terraço. É por esta imagem que descrevo esse tipo de indivíduo.”

“De cinco formas deve um filho testemunhar veneração a seus pais: prover às suas necessidades como eles proveram às suas, substituí-los nos seus deveres, tornar-se digno de ser seu herdeiro, velar pelo que possuem, e, mortos seus pais, cultuar respeitosamente sua memória.

De cinco formas manifesta um marido amor à sua esposa: tratando-a com respeito e bondade, conservando-se fiel a e 1 a , defendendo-a, zelando para que ela seja honrada pelo próximo, provendo às suas necessidades.

De cinco formas demonstra a mulher amor pelo marido: dirige e ordena a casa, recebe com hospitalidade a família e os amigos de seu esposo, sua conduta é pura, é uma hábil dona de casa e cumpre com zelo seus deveres.
De cinco formas um homem prova os seus sentimentos de amizade: sendo generoso, afável, agindo para com os outros como quereria que agissem para consigo mesmo, partilhando com os outros as coisas que desfruta.

De cinco formas um amo deve prover ao bem-estar de seus servidores: equilibrando com suas forças seu trabalho, dando-lhes alimentação e salário razoáveis, cuidando de sua saúde quando enfermos, dividindo com eles os prazeres que possa ter e concedendo-lhes férias.

Os servidores devem corresponder a essa conduta de seu amo cumprindo com consciência seus misteres e falando bem de seu amo.

Viverá honrado aquele que for benevolente, amável, reconhecido, generoso, capaz de ser guia, instrutor e condutor de homens.

Ide de coração trasbordante de compaixão; neste mundo que a dor dilacera, sede instrutores e, onde quer que reinem as trevas da ignorância, iluminai com vossa luz.”

“Há na meditação, ó monges, quatro etapas. Quais são elas?

Na primeira, ó monges, um religioso que se mantém acima dos prazeres dos sentidos, acima dos estados errôneos do espírito, penetra na primeira etapa da meditação e aí permanece; ela comporta a análise e o inquérito, ela nasce da posição superior (aos prazeres, etc.) ; ela é êxtase e felicidade.

Suprimindo a análise e o inquérito, com sua fé interior, o espírito concentrado e voltado numa única direção, ele penetra na segunda etapa da meditação e aí permanece; ela é sem análise e sem inquérito, ela nasce da contemplação; ela é êxtase e felicidade.

O êxtase se atenuando, ele permanece indiferente, vigilante, pensativo, experimenta a comodidade do corpo de tal modo que, penetrando na terceira etapa da meditação, aí permanece um ser do qual os arianos dizem: “Ele é indiferente, vigilante, permanece na comodidade”.

Desfazendo-se da felicidade, desfazendo-se do sofrimento, pela diminuição de suas antigas alegrias e dores, ele entra na quarta etapa da meditação, e aí permanece; ela é sem sofrimento e sem alegria; ela é a pureza absoluta da vigilância, que é diferente. Tais são, ó monges, as quatro etapas da meditação.

Ó monges, da mesma maneira que o rio Ganges se dirige; desliza e gravita para o leste, da mesma maneira, ó monges, quem realiza as quatro etapas da meditação se torna aquele que a aprecia, que se dirige, desliza e gravita para o Nirvana.”

“Minha doutrina é semelhante ao oceano.

O oceano é minha doutrina, ambos pouco a pouco vão se tornando cada vez mais profundos. Ambos em todas as suas mudanças conservam a unidade. Ambos devolvem cadáveres à praia.

Assim como os rios, lançando-se no mar, perdem seu nome e, a partir de então, ficam fazendo parte do grande oceano, assim também os homens de toda casta, entrando para a comunidade, tornam-se todos irmãos e passam a ser contados como filhos do Buda.

O oceano é o reservatório de todos os cursos d’água e da chuva das nuvens e, no entanto, não transborda, nem seca, nunca. Assim, também minha doutrina é compreendida por milhões de pessoas, e no entanto não aumenta nem diminui.
Assim como o grande oceano está impregnado de um só sabor – o do sal -, assim também minha doutrina está impregnada de um só sabor, o da libertação.

O oceano e minha doutrina, ambos estão cheios de pedras preciosas, tesouros e pérolas, e ambos servem de morada a toda uma poderosa existência.

Minha doutrina é pura e não faz distinção alguma entre o nobre e o vulgar, o rico e o pobre.

Minha doutrina é semelhante à água que apaga toda nódoa.

Minha doutrina é semelhante ao fogo que tudo purifica.

Minha doutrina é semelhante ao céu, porque há nela lugar, muito lugar, para receber todos os homens, o nobre e o vulgar, o rico e o pobre, o poderoso e o humilde.”

“Teoria das doze causas.

É um conjunto de proposições de sentido duplo. Quando se desce da primeira causa à décima segunda, assiste-se ao nascimento progressivo da existência; quando, pelo contrário, se sobe da décima segunda para a primeira, suprimem-se, uma após outra, as causas da existência – e acaba-se por atingir a “libertação”.
Da ignorância provêm as ações da vontade; das ações. da vontade provém o conhecimento; do conhecimento provêm os fenômenos mentais e físicos; dos fenômenos mentais e físicos provêm os seis domínios, ou seja, os cinco órgãos do sentido e a mente; dos seis domínios provêm o contato sensitivo e mental; do contato provém a sensação; da sensação provém o desejo; do desejo e da sede provém o apego à existência; do apego provém a existência; da existência provém o nascimento; : do nascimento provêm a velhice, a morte, o sofrimento e o : desespero. Essa é a origem de todo o império da dor.”

“Os livros ensinam que as trevas eram o princípio e que Brahma meditava solitário naquela noite.
Não busqueis ali Brahma nem o Princípio. Olhos mortais não podem vê-lo, nem. é capaz de o conhecer a mente humana. Erguerá um véu após o outro, mas sempre encontrará um outro véu atrás.

Os astros rodam e não perguntam. Basta que a vida e a morte, a alegria e a dor subsistam, assim como a causa e o efeito, o transcurso do tempo e o incessante fluxo e refluxo da existência, que é sempre mutável e desliza como um rio, cujas ondas lentas ou rápidas se sucedem umas às outras desde sua longínqua fonte até o mar onde deságuam.

O sol evapora o mar e restitui perdidas ondas em formas de aveludadas nuvens, que gotejarão montanhas abaixo, para refluir de novo, sem paz nem trégua.

Isso basta para se saber quão ilusórios são os céus, as terras, os mundos e as mudanças- que o alteram em potentes rodas de lutas e violências, cujo turbilhante giro ninguém pode deter nem inverter. Não supliqueis, porque as trevas não iluminarão. Nada peçais ao silêncio, porque ele está rnudo. Nada espereis dos deuses implacáveis, oferecendo-lhes hinos e dádivas. Não pretendais suborná-los com cruentos sacrifícios. Em nós mesmos devemos buscar a libertação. Cada qual cria o seu próprio cárcere. Cada qual tem tanto poder quanto os mais potentes. Porque tanto para as potestades que estão acima, ao redor, e abaixo de nós, como para toda carne e toda vida, a ação engendra o prazer e a dor. Do que foi provém aquilo que é e o que será, melhor ou pior. Podeis elevar vosso destino à maior altura do que o de Indra ou rebaixá-lo mais do que o da larva; o que sobe pode cair; o que cai pode subir. Os raios da roda não param de girar. Ó vós que sofreis! sabei que sofreis porque quereis. Ninguém vos excita à vida nem nela vos retém condenados à morte, girando sobre a roda e abraçando seus raios de agonia, seu aro de lágrimas, seu cubo de rija madeira.

Mais fundo que o inferno; mais alto que o céu, além das mais longínquas estrelas, mais além da morada de Brahma, há um poder estável e divino; existente antes do princípio e que não terá fim, eterno como o tempo, seguro como a certeza, que impele para o bem e é súdito de suas próprias leis. A seu toque, florescem os rosais e sua mão modela as pétalas de lótus e, no obscuro solo e nas silenciosas sementes, cresce o atavio da primavera. Seu pincel colore as luzentes nuvens, e no pescoço do pavão real engasta suas esmeraldas. As estrelas são seu porto, e o relâmpago, o vento e a chuva, seus escravos. Constrói nas trevas o coração do homem, e na obscuridade do ovo, o faisão de colo multicolor, sempre ativo, transmuta a ira e o ódio em amor.

Seus tesouros são os cinzentos ovos no ninho do colibri dourada; as suas hexágonas favas de abelha são suas redomas de mel; a formiga obedece a seus mandatos, e a branca pomba os conhece bem. Solta as asas à água toda vez que com pressa volta a seu ninho; conduz a loba para junto de seus lobinhos; e encontra sustento e amigos para os seres abandonados.

Nada o repugna, nada o detém. Tudo ama. Enche os seios maternais de doce leite. bem como de mortífero veneno os dentes da serpente.

Concerta no interminável dossel do firmamento a harmoniosa música das móveis esferas; nos abismais seios da terra esconde o ouro, o ônix, a safira e as lazulitas.

Envolto perpetuamente no mistério, oculta-se na espessura dos bosques e alimenta ao pé dos cedros admiráveis rebentos com novas fibras, ervas e flores.

Cada vida do homem é o resultado de suas vidas precedentes. Os erros passados engendram tristeza e sofrimento.

A passada retidão traz felicidade. Colhereis o que semeardes. Vede vossos campos. O sésamo foi sésamo, e o trigo. trigo. O silêncio e a sombra o sabem. Assim nasce o destino do homem. Vem à vida e colhe o que semeou: sésamo ou trigo, ou venenosas e daninhas ervas que o corrompem.

Se o homem aprender a causa da dor e pacientemente a suportar, esforçando-se por pagar as dívidas contraídas, por suas culpas passadas, sempre fiel ao amor e à Verdade; se limpar seu sangue do amor e da concupiscência e, sem prejuízo de outrem, sofrer tudo mansamente, perdoando as injúrias, pagando o mal com o bem; se dia a dia for compassivo, justo, amável e sincero, e extirpar o desejo donde quer que penetre com raízes até extinguir o apego à vida; se agir assim, terminará sua vida liquidando e saldando seus débitos, e acrescentando e vivificando os créditos recentes ou longínquos, que também produzirão frutífero crédito.

Quem age assim, não precisa do que chamais vida. Realizou o propósito que o fez homem.

Já não o torturará a ansiedade nem o mancharão os pecados, nem os prazeres e dores humanas turvarão sua perpétua paz, nem voltarão a ele mortes e renascimentos. Entra no Nirvana. Uniu-se com a Vida e, no entanto, não vive. É feliz porque deixou de existir, porém, não deixou de ser.”

“Certa vez, na floresta Simsapa do Kosambi (perto de Allahabad) , pegando algumas folhas na mão, Buda perguntou aos discípulos:

– Que pensais, bhikkhus (discípulos) ? Quais as mais numerosas? Essas poucas folhas na minha mão, ou as que estão na floresta?

– Senhor, certamente as folhas da floresta são muito mais numerosas!

– Da mesma forma, bhikkhus, do que sei não disse tudo e o que não divulguei é muito mais. E por que eu não lhes disse? Porque isso não é útil e não conduz ao Nirvana.”

“Resposta ao brâmane Kutadanta.

Kutadanta: – Se não existe a alma, como pode existir a imortalidade? Se a atividade da alma cessa, nossos pensamentos também cessarão.

Buda: – Nossa faculdade de pensar desaparece, porém nossos pensamentos continuam existindo. Cessa o raciocínio, porém continua o pensamento. Ë como se durante a noite alguém tivesse necessidade de escrever uma carta. Acende a luz, escreve a carta e, uma vez escrita, apaga a luz. Embora esteja a luz apagada, a carta continua escrita. De modo análogo, o raciocínio cessa, mas o conhecimento persiste. A atividade mental cessa, porém a experiência, o conhecimento e o fruto de nossas ações não são perdidos, continuam…
… Faze com que tua mente repouse na Verdade, difunde a Verdade, e põe a Verdade em tua alma. Então viverás eternamente.
O “eu” é a morte, a Verdade é a vida. O apego ao “eu”, ou à personalidade, é morte contínua, ao passo que quem vive e se move na Verdade, alcança o Nirvana, o Eterno.”

“Buda explica como chegou à perfeição. Sentado sob uma árvore em Uravela, às margens do rio Nairanjana, disse:
“Fiz bem em abandonar os exercícios ascéticos. Foi uma felicidade eu ter abandonado aqueles exercícios inúteis. Foi uma felicidade eu ter perseverado no Pensamento Correto até chegar à Iluminação”.
Nesse momento, apareceu Mara, o demônio dos desejos, e lhe disse: “Só perseverando no ascetismo podem os jovens purificar-se. Tu te afastaste do caminho da purificação. És impuro, mas te julgas puro”.
Buda então lhe respondeu:

“Pratiquei o ascetismo visando obter a imortalidade e descobri a inutilidade de tudo isso. Como o remo de um barco que repousa em terra firme, o ascetismo não traz o menor proveito. Graças aos Preceitos, à Concentração e à Sabedoria, palmilhei o Caminho da Iluminação, alcançando agora a mais elevada pureza. Tu foste derrotado, ó Destruidor!”
Vendo-se vencido, Mara desapareceu.

“Certa vez, Buda disse o seguinte a um brâmane conselheiro de um rei:

Outrora o rei Mahavisita decidiu realizar um grande sacrifício religioso, mas o brâmane, que era seu conselheiro, advertiu-o, dizendo que no reino havia muita matança e pilhagem, e que se o rei se dispusesse a recolher impostos em tal situação, estaria agindo contra a Lei. Observou também que não seria bom tentar eliminar o crime por meio de castigos e propôs o seguinte plano: o rei distribuiria sementes e alimentos aos que se aplicassem à agricultura e à criação, concederia crédito aos que se aplicassem ao comércio, ofereceria alimentos e rendas aos detentores de funções públicas. Se todos assim passassem a se dedicar integralmente às respectivas profissões, não perturbariam o reino e ainda acumulariam grandes riquezas para o rei. O reino ficaria então em paz e tranqüilidade, não haveria dissabores e as pessoas, tomadas de contentamento, fariam dançar suas crianças ao colo, sem sequer se preocupar em fechar as portas das casas. Dizem que o rei seguiu os conselhos do brâmane e tudo ocorreu conforme previra.”

“O Semeador

Celebrava um rico brâmane um sacrifício de ação de graças pela sua colheita, quando o Buda lhe veio pedir de comer. Encolerizado, o brâmane bradou: “Melhor te seria trabalhar que mendigar, ó monge! Lavro e semeio, e, tendo lavrado e semeado, como. Se assim fizesses, terias também o que comer!”

Respondeu então o Buda: “Eu também lavro e semeio, ó brâmane!” Julgas-te então um lavrador?”, replicou o outro; “onde estão teus bois? Onde estão tua semente e tua charrua?”

O Bem-Aventurado respondeu: “A fé é o grão que semeio; as boas obras, a chuva que a fecunda; a sabedoria, minha charrua; meu espírito, a rédea que guia; empunho o cabo da Lei; o zelo é o aguilhão de que me sirvo; o esforço é o meu boi de tiro. Minha lavra é feita para destruir as ervas daninhas da ilusão, e a safra que produz é a vida imortal do Nirvana, onde cessam todas as dores.”

“Certa vez, alguns noviços se aproximaram de Buda e perguntaram-lhe a que preceitos deveriam obedecer. Então ele disse:

“Aqueles que desejam entrar na senda para ser fiéis discípulos de Buda devem observar quatro preceitos fundamentais: 1°: procurar boas companhias; 2°: entender a Lei; 3°: fortalecer a mente por meio da reflexão; 4°: praticar a virtude.

No entanto, quanto à norma de conduta, dou dez mandamentos, que são: 1°: não matar; 2°: não roubar; 3°: não falar mal dos outros; 4°:não mentir; 5°: não comer fora das horas prefixadas e abster-se de bebidas alcoólicas; 6°: não assistir a bailes e espetáculos; 7°: abster-se de perfumes, ungüentos, adornos e grinaldas; 8°: não cobiçar nada de ninguém; 9°: evitar a moleza dos leitos macios e camas fofas; 10°: abster-se de receber esmolas em dinheiro.””

“Certa ocasião, Buda estava no bosque de Jeta, junto à cidade de Saravasti. Um monge, de nome Malunkya, aproximou-se com ar preocupado. Ele se afligia com o fato de Buda jamais responder às seguintes questões, bastante discutidas na época:

– O mundo é finito ou infinito?

– Corpo e espírito são uma coisa só ou duas coisas separadas?

– Existe vida depois da morte?

Malunkya, que gostava de filosofia, estava bastante aborrecido por Buda não tratar dessas questões e disse-lhe então :

– Ó Perfeito! Se não responderes às minhas dúvidas, deixarei a comunidade e voltarei à vida mundana.
Buda respondeu-lhe o seguinte:

– Malunkya: certa vez um homem foi ferido por uma seta envenenada. Os amigos correram a buscar um médico, mas o ferido disse que só consentiria que lhe extraíssem a seta e o tratassem depois de lhe explicarem quem atirara a seta, com que arco ela fora lançada, qual a sua forma, etc. Que terá acontecido a ele? Certamente há de ter morrido antes de ver esclarecidas suas dúvidas. Da mesma forma, Malunkya, respostas a perguntas acerca do caráter finito ou infinito do universo, da natureza da alma, etc. não nos libertam do sofrimento. Precisamos libertar-nos do sofrimento nesta mesma vida. Por isso, não te preocupes com as questões que não ensino. Preocupa-te com as que ensino, que são: a Existência do Sofrimento, a Origem do Sofrimento, a Cessação do Sofrimento e o Caminho da Cessação do Sofrimento.”

“Certa vez, Buda explicou a seus discípulos a doutrina de causa é efeito, e eles disseram que a viam e compreendiam claramente. Então disse: – Ó bhikkhus, esse ensinamento que compreendeis de uma maneira tão pura e clara, se vos apegais a ele e o guardais como a um tesouro; então não compreendeis que o ensinamento é semelhante a uma jangada que é feita para um determinado fim, e não para ser continuamente carregada às costas. E assim, deu o seguinte : exemplo: Um homem, viajando, chega à margem perigosa e assustadora de um rio de vasta extensão de água. Então vê que a outra margem é segura e livre de perigo. Pensa: “Esta extensão de água é vasta e esta margem é perigosa, aquela é segura e livre de perigo. Não há embarcação nem ponte com que eu possa atravessar. Acho que seria bom juntar troncos, ramos e folhas e fazer uma jangada com a qual, impulsionada por minhas mãos e meus pés, passe com segurança à outra margem”. Então esse homem executa o que imagina, utilizando-se de suas mãos e seus pés, e passa para a margem oposta sem perigo. Tendo alcançado a margem oposta, ele pensa: “Esta jangada me foi muito útil e me permitiu chegar a esta margem. Seria bom carregá-la à cabeça ou às costas onde quer que eu vá”.

– Que pensais, bhikkhus? Procedendo dessa forma, esse homem agiria adequadamente em relação à jangada?

– Não, senhor! – responderam os bhikkhus.

– Como agiria ele adequadamente em relação à jangada? Tendo atravessado para a outra margem, esse homem deveria pensar: “Esta jangada me foi de grande auxílio e graças a ela cheguei com segurança, agora seria bom que eu a abandonasse à sua sorte e seguisse o meu caminho livremente”.

Assim, lembrou aos monges; contra um dogmatismo excessivo: “A doutrina se assemelha à jangada; deve ser considerada não como um fim, mas como um meio; da mesma forma, a jangada é um meio para se atravessar, não para se guardar”.”

“Certa vez, um grupo de sábios brâmanes foi visitar Buda, com o qual teve uma longa discussão. Então um jovem brâmane chamado Kapatika perguntou ao mestre: “Venerável Gautama, as antigas e santas escrituras dos brâmanes foram transmitidas de geração em geração, mediante uma ininterrupta tradição verbal, através da qual os brâmanes chegaram à conclusão absoluta de que a única verdade seria a deles e qualquer outra seria falsa. . .”
Ouvindo isso, Buda perguntou:

– Entre os brâmanes haverá um só indivíduo que pretenda pessoalmente saber e ter visto, por sua própria experiência, que “esta é a única verdade e qualquer outra coisa é falsa?”

– Não, senhor – respondeu o jovem com toda a franqueza.

– Então, haverá um só instrutor, ou instrutor de instrutores dos brâmanes, anterior à sétima geração, ou ao menos um dos autores originais dessas escrituras, que pretenda saber e ter visto, por sua própria experiência, que esta é a única verdade e que qualquer outra é' falsa?

– Não, senhor.

– Então, é como uma fila de homens cegos; cada um se apoiando no precedente: o primeiro não vê, o do meio não vê e o último não vê tampouco. Por conseguinte parece-me que a condição dos brâmanes é semelhante a essa fila de homens cegos.

Nessa ocasião, Buda deu a esse grupo de brâmanes um ensinamento de extrema importância: “Um homem que sustenta a verdade deve dizer : ‘esta é a minha crença’, mas por causa disso não se deve tirar a conclusão absoluta e dizer: ‘Só há esta verdade qualquer outra é falsa’.”

“Buda explica por que se tornou monge:

“Ó monges! Antes de eu abandonar o mundo; levava uma vida muito feliz. Na casa onde nasci, havia um lago com magníficas flores-de-lótus. Meu quarto sempre recendia aos mais delicados perfumes e minhas roupas eram feitas do melhor tecido de Kashi. Além disso, eu tinha três vilas, uma para residir no inverno, uma para o verão e outra para a primavera. O verão chuvoso, eu o passava na residência de verão, entretido com cantos e danças, quase não saindo. Quando saía, sempre ia coberto por um guarda-sol branco. Além disso, ó monges, em outras residências é costume dar se caldo aos servidores e comensais, mas na minha dava-se-lhes carne.

Ó monges, refleti bastante enquanto levava essa vida.

Os ignorantes, embora fadados a envelhecer, não se lembram disso, e, ao ver pessoas idosas, desprezam-nas e abominam-nas, esquecendo-se de si próprios. Refletindo bem, eu próprio terei de envelhecer, não podendo escapar à decrepitude. Por isso, não é direito que despreze e abomine as pessoas de idade. Quando passei a pensar desse modo, ó monges, desapareceu todo o meu orgulho por minha juventude.

Além disso, os ignorantes, embora fadados a adoecer, não se lembram disso e, ao ver pessoas doentes, desprezam-nas e abominam-nas, esquecendo-se de si próprios. Refletindo bem, eu próprio não posso escapar à doença. Por isso, não é direito que despreze e abomine os doentes. Quando passei a pensar desse modo, ó monges, desapareceu todo o meu orgulho por minha saúde.

E ainda, os ignorantes, embora fadados a morrer, não se lembram disso e, ao ver a morte de alguém, sentem asco e repulsa, esquecendo-se de si próprios. Refletindo bem, eu próprio terei de morrer. Por isso, não é direito que sinta asco e repulsa pela morte alheia: Quando passei a pensar desse modo, ó monges, desapareceu todo o meu orgulho por minha vida”.

“Certa vez, o Bem-Aventurado contou a seus monges a seguinte história:

“ Houve uma vez um par de saltimbancos que fazia acrobacias numa vara de bambu. Um dia, disse o mestre-acrobata a seu aprendiz: ‘Apoie-se nos meus ombros e suba na vara de bambu’. Assim que o aprendiz o fez, falou o mestre: ‘Agora proteja-me bem que eu o protegerei’. Protegendo-nos e vigiando-nos mutuamente, desta forma, seremos capazes de mostrar nossa habilidade, teremos bom proveito e desceremos com segurança da vara de bambu.' Mas, disse o aprendiz, assim não, mestre. Vós, o mestre, deveis proteger-vos, enquanto eu também protegerei a mim mesmo. Assim, cada um de nós protegendo e guardando a si mesmo, melhor desempenharemos nossas tarefas'.

O Buda, que passava, ouvindo o colóquio, disse:

– Assim é que está certo, é exatamente como diz o aprendiz: “Eu mesmo me protegerei. Protegendo-nos a nós mesmos, protegeremos os outros; protegendo os outros, protegeremos a nós mesmos”.

– E como fazer para proteger a si mesmo e aos outros? Pela repetida e freqüente prática da meditação.

– E como fazer para proteger aos outros e a si mesmo? Pela paciência e pela indulgência, por uma vida pura e de não-violência, pela bondade e compaixão.””

“Conta-se que, através das práticas da ioga, Devadata conseguira desenvolver grandemente os poderes psíquicos. Certa vez, um marajá ofereceu uma rica taça de ouro incrustada de pedras preciosas ao homem que pudesse alcançá-la sem subir ao topo do bambu, onde estava pendurada. Vieram muitos iogues, magos e faquires para tentar a prova. Em vão invocaram os seus poderes ocultos. Sabendo do que se passava, Devadata resolveu competir. Sentou-se no chão, perto do marajá, e concentrou toda a sua força mental. E o povo assombrado viu que Devadata, aos poucos, ia-se elevando ao ar. E, assim, levitando, conseguiu obter a taça sem subir no bambu. Contente com a façanha, Devadata foi procurar Gautama Buda e narrou-lhe o ocorrido. Buda sorriu e respondeu serenamente :
– De que valem esses poderes, meu filho? Nada significam para o teu progresso espiritual. São apenas demonstrações vãs.

Indignado, Devadata irritou-se com a resposta de Buda e abandonou-o. Foi para a cidade e começou a pregar contra ele. Mas este continuou sereno e deixou Devadata entregue ao seu próprio destino.

Certa tarde, quando Devadata caminhava pela floresta com um de seus discípulos, de repente caiu em areias movediças. Apesar de toda a sua clarividência, não viu o perigo e, desesperado, começou a afundar. O discípulo correu para salvá-lo, mas nada conseguiu. E Devadata morreu, colhido pelas areias movediças.”

“Certa ocasião, Buda dirigiu-se à assembléia com as seguintes palavras:

“Ananda, desde tempos imemoriais, desde o começo da vida, todos os seres sensíveis sempre tiveram suas ilusões perturbadoras que se manifestaram no seu desenvolvimento natural, cada uma sob a força condicionada do seu próprio karma individual …

… A razão das grandes diferenças é que, não conhecendo os dois princípios básicos, a mente se torna confusa e começa a agir erradamente, como se procurasse cozinhar iguarias fervendo pedras e areia.
A razão pela qual nem todos os discípulos devotados atingem a Iluminação Suprema, é porque eles não concebem os dois princípios primários.

Quais são esses dois princípios fundamentais, Ananda? O primeiro princípio fundamental é a causa primitiva da sucessão das mortes e renascimentos desde tempos imemoriais (é o principio da ignorância, o princípio extremo da individualização, manifestação, sucessão, discriminação) . Partindo desse princípio, resultam as diversas diferenciações da mente de todos os seres vivos, que confundem suas mentes limitadas, perturbadas e poluídas, com a verdadeira Essência da Mente (incondicionada) .

O segundo Princípio Fundamental é a causa primitiva da pura unidade da Iluminação ou Nirvana, que existe desde o princípio da vida (é o Princípio da compaixão integrada, o recolhimento, o princípio unificador da pureza, harmonia, semelhança, ritmo e paz) . Pela indução desse princípio, dentro do esplendor de sua própria natureza, a mente unificadora pode ser descoberta, desenvolvida e realizada sob todas as variedades e condições. A razão de essa mente purificadora perder-se tão rapidamente entre as condições é porque, rapidamente, tu te esqueces do esplendor e da pureza de tua própria Natureza Essencial e, entre as atividades diárias, deixas de imaginar, a tua verdadeira existência. Eis aí, Ananda, os motivos por que tu e todos os outros seres vivos; através da ignorância, chegaram, ao infortúnio e a outros estados diferentes de existência.

Agora, Ananda, tu desejas conhecer o verdadeiro caminho que conduz à Samapatti (* Samapatti significa aquele que consegue alcançar, no estado meditativo, os oito logramentos incluídos nos quatro Jhanas ou Dnyanas: a esfera do espaço infinito, a esfera da infinita consciência, a esfera do vazio, a esfera de nem consciência nem não-consciência, o logramento que precede o transe e o próprio transe de cessação de qualquer percepção ou sensação.); de modo a evitar o ciclo das mortes e dos renascimentos. Não é assim, Ananda? Então, permite-me algumas perguntas mais. O mestre Tathagata levantou um dos braços, com a mão crispada e disse:

– Ananda, estás vendo isso aqui?

– Sim, mestre, estou vendo o mestre com um braço levantado, a mão cerrada, cujo brilho cega meus olhos e aquece meu coração.

– Com que vês, Ananda? – Com os olhos, certamente.

Então Buda disse:

– Muito bem. Agora eu pergunto: enquanto meu punho brilha e enquanto olhas para ele fixamente, o que é que revela a existência de tua mente?

Ananda respondeu:

– Estais agora indagando de mim acerca da existência de minha mente. Para responder a essa pergunta devo usar das faculdades do pensamento e do raciocínio, a fim de procurar achar a resposta. Sim, agora compreendo. Esta ação de pensar e raciocinar é o que chamamos “minha mente”.

O mestre Buda censurou Ananda suavemente:

– Dizer que o teu ser é a tua mente não tem sentido.

Ananda levantou-se e, de mãos postas, disse, cheio de espanto:

– Ora, mestre, se o meu ser não é a minha mente, então o que mais pode ser a minha mente?
Buda respondeu:

– A noção de que o teu ser é a tua mente é simplesmente uma das falsas concepções que nascem da reflexão acerca das tuas próprias relações com os objetos externos que ofuscam a Verdadeira Mente Essencial. Desde os tempos mais remotos até a presente vida, tens estado constantemente confundindo a tua verdadeira Mente Essencial. É como se estivesses cuidando de um pequeno ladrão, como se fosse um filho, e, agindo assim, perdeste a consciência da mente permanente e original e, por isso, tens sido forçado a suportar os sofrimentos das mortes e renascimentos sucessivos…

“… Ananda, e todos os meus discípulos! Eu sempre vos ensinei que todos os fenômenos e seus desenvolvimentos, todas as causas e efeitos do grande universo até a fina poeira apenas vista ao sol, só têm uma existência aparente por meio da mente discriminadora.

“A razão pela qual todo ser deixa de alcançar a Luz e a condição de Buda é o desvio para as falsas concepções relativas aos fenômenos e objetos que poluem suas mentes.”

“Monges, imaginai um homem aterrorizado, por quatro serpentes de veneno mortal, aterrorizado por cinco inimigos que matam, aterrorizado por um sexto assassino, um ladrão; aterrorizado pelos bandidos que saqueiam as aldeias mesmo abandonadas – ele se precipitaria para aqui e para ali. Ele poderia ver uma vasta extensão de água; a margem de cá repleta de perigos e terrores; a margem de lá segura e sem terrores; mas nenhum barco para transpô-lo, nenhuma ponte para atravessar do não-além para o além. Vendo isso, ele pensaria: “Se eu reunisse erva, gravetos, ramos, folhagem, se eu construísse uma balsa, se eu fosse para lá com segurança, agitando braços e pernas, e me fiando em minha balsa?”

Ele então age assim – passa para o lado de lá e atinge a terra firme.

Eu vos dei esta comparação, ó monges, para tornar mais claro o que quero dizer – e eis o que quero dizer:
– As quatro serpentes de veneno mortal, ó monges, são os quatro grandes elementos: o elemento terra, o elemento ar, o elemento água e o elemento fogo.

Os cinco inimigos que matam são as cinco partes componentes do apetite: o apetite para as coisas materiais, para as sensações, para a percepção e para a consciência.

O sexto, o ladrão assassino, ó monges, é a fascinação das paixões.

A aldeia abandonada, ó monges, são as seis esferas ('dos sentidos) subjetivas. Um ser sábio; prevenido, inteligente, por pouco que examine uma delas com seus olhos, a reconhecerá vazia, desertada, oca. Da mesma maneira, se ele examinar as outras por seu nariz, sua orelha, sua língua, seu corpo, seu espírito, ele as reconhecerá vazias, desertadas, ocas.

Os bandidos que saqueiam as aldeias, ó monges, são as seis esferas dos sentidos objetivos. O olho se encontra destruído diante das formas que são deliciosas e não deliciosas; a orelha, diante dos sons, o nariz diante dos odores, a língua diante dos sabores, o corpo diante dos contatos; e o espírito se acha destruído diante dos estados mentais que são deliciosos e não deliciosos.

A vasta extensão de água, ó monges, são as quatro torrentes, a torrente dos prazeres sensuais, a torrente do porvir, a torrente das opiniões, a torrente da ignorância.

A margem do lado de cá é o terror, ó monges, é o mundo corpóreo.

A margem do lado de lá, segura e sem terrores, é o Nirvana.

A balsa, ó monges, é o Caminho dos Oito Ramos.

Agitar braços e pernas, ó monges, é despertar energia.

Ele passou, partiu para o lado de lá; o brâmane está em terra firme; é a imagem do Perfeito.”

“O grão de mostarda

Um opulento comerciante ficara profundamente aflito ao verificar, um dia, que todas as suas moedas e barras de ouro haviam se transformado em carvão, da noite para o dia, e recolhera-se ao leito sem mais querer alimentar-se, pois preferia a morte à indigência.

Um amigo seu, informado do acontecido, foi visitá-lo e. ao ouvir-lhe a causa de seu sofrimento, ponderou-lhe:
– Teu ouro transformou-se em carvão porque não aplicaste bem tua riqueza. O ouro avaramente acumulado não vale mais do que o carvão. Mas ouve um conselho: estende teus tapetes no bazar, põe-lhes em cima o carvão e vende-o.
O mercador seguiu o conselho de seu amigo, e quando os vizinhos lhe perguntaram por que vendia carvão, respondia:

– É a única coisa que possuo.

Algum tempo depois, uma jovem órfã e pobre, chamada Krisha Gotami, passou pelo bazar do mercador e lhe perguntou:
– Meu senhor; vendes também estes montões de ouro?

O mercador respondeu-lhe: – De que ouro falas? Onde está?

Krisha Gotami pegou uns pedaços de carvão, que na vista do mercador se transformaram em ouro.
O mercador supôs que Krisha Gotami possuísse clarividência mental, e a casou com seu filho, pensando consigo mesmo: “Para muitas pessoas o ouro não vale mais que o carvão; mas Krisha Gotami transmuta o carvão em ouro”.
Krisha Gotami teve um filho e este morreu. Transida de dor, ia com o filho morto de casa em casa, pedindo um remédio, e as pessoas diziam: “Está doida; a criança está morta”:

Finalmente, Krisha Gotami encontrou um camponês que respondeu sua súplica dizendo:

– Não posso dar um remédio para a criança, porém sei de um médico capaz de o dar.

E Krisha Gotami respondeu:

– Suplico-te que me digas quem é.

– Vai ver o Buda.

Krisha Gotami foi ver o senhor Buda e exclamou, chorando:

– Senhor meu e mestre. Meu filho estava brincando entre as flores e tropeçou numa serpente que se enroscou no seu braço. Ficou logo pálido e silencioso. Não posso aceitar que ele deixe de brincar ou que deixe o meu colo. Senhor meu mestre, dá-me um remédio que cure o meu filho.

O senhor Buda respondeu-lhe:

– Sim, irmãzinha, há uma coisa que pode curar teu filho e a ti, se puderes consegui-la, porque os que consultam os médicos tomam o que lhes é receitado.

“Procura uma simples semente de mostarda preta, porém só a deves receber de uma casa onde nunca tenha entrado a morte, onde não tenha ainda morrido pai, mãe, filho nem filha, nem irmão, nem irmã, nem escravo nem parente.”

Aflita, Krisha Gotami foi de casa em casa pedindo o grão de mostarda. As pessoas se compadeciam dela e lhe davam, porém, quando ela perguntava se já tinha morrido alguém naquela casa, lhe respondiam :

– Ah! Poucos são os vivos e muitos os mortos. Não despertes nossa dor.

Agradecida, ela lhes devolvia a mostarda e dirigia-se a outros que lhe diziam:

– Aqui está a semente, porém já morreu nosso escravo. – Aqui está a semente, porém o semeador morreu entre a estação chuvosa e a colheita. E não encontrou nenhuma casa onde não tivesse morrido alguém.

Krisha Gotami voltou chorosa para o senhor Buda, dizendo-lhe:

– Ah! senhor, não pude encontrar mostarda em casa onde não tivesse havido morte. Então, entre as flores silvestres, na margem do rio, deixei meu filho que não queria mamar nem sorrir, e volto para ver teu rosto e beijar teus pés. suplicando-te que me digas onde encontrar essa semente, sem deparar ao mesmo tempo com a morte, pois, apesar de tudo. não posso crer na morte de meu filho, como todos me disseram e temo tenha acontecido.

O mestre respondeu-lhe:

– Minha irmã, procurando o que não podes achar, achaste o amargo bálsamo que eu queria dar-te.

“Sobre teu seio, o ser que amas dormiu hoje o sono da morte. Agora já sabes que todo mundo chora uma dor semelhante à tua. O sofrimento que aflige todos os corações pesa menos do que se concentrado num só.

“Escuta! Derramaria eu meu sangue se, ao derramá-lo, pudesse deter tuas lágrimas e descobrir o segredo de o amor causar angústia e através de prados floridos conduzir-nos ao sacrifício, qual mudos animais conduzidos por seus donos,

“Nenhum nascido pode evitar a morte. Assim como os frutos maduros caem da árvore, assim os mortais estão expostos à morte desde que nascem. A vida corporal do homem acaba partindo-se como a vasilha de barro do oleiro. Jovens e adultos, néscios e sábios, todos estão sujeitos à morte.

“Porém, o sábio que conhece a Lei não se perturba, porque nem pelo pranto nem pelo desânimo obtém a paz, mas, pelo contrário, avivam as dores e os sofrimentos do corpo. A morte não faz caso de lamentações.

“Morre o homem, e seu destino está determinado por suas ações. Embora viva dez ou cem anos, acaba o homem por separar-se de seus parentes ao sair deste mundo.

“Quem deseja a paz da alma deve arrancar de sua ferida a flecha do desgosto, da queixa, da lamentação.

“Feliz será aquele que consegue vencer a dor.

“Sepulta tu mesma o teu filho.”

Extenuada pela dor, Krisha Gotami sentou-se à beira do caminho, pôs-se a meditar no silêncio do entardecer e disse consigo:
“Quão egoísta sou eu em minha dor! A morte é o destino comum de tudo quanto vive. Porém, neste vale desolado há um caminho que conduz à imortalidade – aquele que elimina de si todo egoísmo”.

E sufocando o amor egoísta que sofria por seu filho, enterrou-o no bosque. E foi logo refugiar-se no senhor Buda, e encontrou consolo no dharma que alivia o coração dilacerado pela dor.”

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