“O pai morre, e é como se não morresse, pois deixa depois de si um seu semelhante. Durante sua vida viu seu filho e nele se alegrou; quando morrer não ficará aflito; não terá de que se envergonhar perante seus adversários, pois deixou em sua casa um defensor contra os inimigos, alguém que manifestará gratidão aos seus amigos”.
“Aquele que estraga seus filhos com mimos terá que lhes pensar as feridas; a cada palavra suas entranhas se comoverão. Um cavalo indômito torna-se intratável; a criança entregue a si mesma torna-se temerária. Adula o teu filho e ele te causará medo; brinca com ele e ele te causará desgosto. Não te ponhas a rir com ele, para que não venhas a sofrer com isso, e não acabes rangendo os dentes”.
“Não lhes dês toda a liberdade na juventude, não feches os olhos às suas extravagâncias: obriga-o a curvar a cabeça enquanto jovem, castiga-o com varas enquanto ainda é menino, para que não suceda endurecer-se e não queira mais acreditar em ti, e venha a ser sofrimento para a tua alma”.
“Educa o teu filho, esforça-te (por instruí-lo), para que te não desonre com sua vida vergonhosa”. Eclesiástico 30
Nós, pais, vivemos sempre o apuro de educar, pois não fomos educados para educar nossos filhos. A maioria de nós não fez um curso de “novos pais”. Não é porque nos tornamos pais que ganhamos a credencial de educadores de nossos filhos. Na maioria das vezes nos tornamos“deseducadores” deles. A educação deles nunca é pautada em conhecimentos adquiridos e, sim, baseada no instinto ou na mera repetição da educação que recebemos de nossos pais. Intuimos que a verdadeira educação deve incluir ética, cidadania, disciplina, gratidão e espiritualidade, pois são valores que, na vida cotidiana, podem ser passados e exigidos dos filhos.
Mas a quem é delegada a tarefa de educar. Até a pouco tempo atrás, à mãe cabia essa tarefa, mas o cotidiano atribulado da mãe, que saiu de casa em busca de “igualdade” com o pai, fez com que essa tarefa fosse delegada a terceiros. Hoje, ao colégio, à babá ou ao responsável pelo reforço escolar, cabe a tarefa de “educar” nossos filhos. Eles terminam recebendo, sendo otimista, conhecimento e não a verdadeira educação. Confia-se que o colégio tem toda a preparação para educar nossos filhos. E eles crescem e nós não percebemos.
Nossos pais foram duramente criados, uma educação altamente repressora na qual bastava o pai olhar para os fazerem tremer: a geração dos reprimidos. O pensamento “se eu fui reprimido então não vou reprimir” faz surgir uma geração de crianças que têm tudo que o pai não pôde ter. Para compensar a educação repressiva que tiveram na infância e na adolescência, muitos pais acabam se tornando extremamente permissivos com os filhos e dessa forma não os estão educando, pois um filho precisa ter limites.
A educação deve sempre visar o que o filho precisa. Içami Tiba, psiquiatra, afirma que o filho precisa ganhar o presente que pode absorver e não o que os pais podem dar, senão a criança troca de foco:o prazer passa a ser ganhar brinquedos e não curtir o que ganhou . As crianças hoje são chantagistas e imperiosas, extorquem os pais para ter mais um cartucho de videogame, para conseguir o segundo brinquedo do mês, mais uma fivela para o cabelo, mais uma caneta para o seu estojo, a ficha para o brinquedo do Shopping, mais dinheiro para o lanche, a saída para um fast-food, etc..
Se damos tudo aos nossos filhos, estamos os educando mal, porque o mundo não dará tudo a eles. Eles acabarão, como adultos, se encostando em alguém que continuará dando tudo a eles e viverão sua vida adulta dependentes de alguém para viver, parasitas de seus cônjuges, amigos ou sócios. Precisamos dar-lhes o poder interior da realização, fazer com que confiem em si mesmos e criem auto-estima.
É imenso erro fazer tudo para os filhos em nome do amor, pois só se aprende a fazer, fazendo. Não é poupando o filho de seus erros que ele aprende a não errar. Quando o filho aprende com o erro, aquele erro foi bom para ele, não existe a segurança de acerto eterno. Na vida, sempre estamos errando para poder traçar o nosso caminho. ParaPiaget, a criança cria e recria, continuamente, seu modelo de realidade à medida que sua evolução mental progride até a fase adulta.
Ser pai ou mãe é a arte de dizer “não” e “sim” na hora certa. Não devemos ser repressivos nem liberais. Desperdiçamos muitos “nãos” com frivolidades e os “nãos” essenciais são desobedecidos. A frase”sou seu pai (mãe) e você tem que me obedecer” não funciona mais, pois nossos filhos querem os porquês. Devemos falar menos “não”, mas quando o falarmos, nós deveremos ser obedecidos, pois isso cria um padrão. A criança que sabe o que pode e o que não pode, vive muito melhor do que aquela que “tudo não pode” ou “tudo pode” – ela não tem parâmetros.
Ser pai ou mãe é a arte de se tornar desnecessário, já dizia Roberto Shinyashiki. Amor produz liberdade. Devemos dar a liberdade de nossos filhos resolverem os seus próprios problemas, que assumam a responsabilidade por seus atos, e isso se vê claramente no seu convívio com os coleguinhas. Devemos auxiliá-los a desenvolver o potencial para enfrentar os momentos desfavoráveis e não resolver os seus problemas. Devemos orientá-los e apoiá-los para que aprendam a confiar em si próprios, e ter consciência de que se for necessário para seu desenvolvimento que eles errem, então que os deixemos errar. Criar sua auto-estima é ensinar-lhes a dar o melhor de si e não aceitar que “menos mau” seja sinônimo de bom. Dizer “pelo menos passe de ano” é inadimissível.
Mas geralmente metemos os pés pelas mãos e usamos de nossa autoridade para mandos e desmandos, “nãos’ inexplicados, carinhos não concedidos e castigos absurdos. Descontamos em indefesas crianças nossos traumas infantis e acabamos repetindo erros que foram cometidos conosco quando éramos crianças. Geramos feridas emocionais em nossos filhos.
Crianças… Adultos…/ Amor… Ódio…/ Sonho… Realidade…/ Inocência…
Freud nos trouxe a noção de que é quando crianças que apreendemos todos os nossos medos, culpas e complexos. Formamos a nossa personalidade através de nossas experiências com o mundo externo. Assim somos um misto de frustrações e conquistas que nos sacode o interior. Mas por que é assim?
O nosso processo de autoconhecimento começa na mais tenra idade, quando começamos a perceber o nosso corpo, as pessoas à nossa volta, nossos brinquedos e todos os estímulos sensitivos que nos chegam pela porta dos nossos sentidos. Freud afirma que a vida infantil é regida exclusivamente pelo Princípio de Prazer. Crianças, quando o nosso ego personalístico ainda está em desenvolvimento, temos a sensação de infinitude e perfeição que buscamos no nosso mundo finito e imperfeito de matéria, inclusive em nossos pais, aos quais cobramos essa perfeição. A criança exige dos pais um amor incansável, uma firmeza psicológica inabalável e uma conduta moral perfeita e perene. Daí advém o nosso primeiro trauma e conseqüente ferida no “corpo emocional”: nossos pais e nós mesmos somos seres humanos imperfeitos.
Um simples “não” pode causar uma ferida emocional imensa na criança, e causar conclusões absolutamente absurdas, mas perfeitamente admissíveis na mente infantil. Essas conclusões, provindas de quando éramos criança, uma criança que quis perfeição e felicidade absoluta, mas que só encontrou privação, insatisfação e frustração, geramImagens congeladas que ficam registradas no nosso subconsciente. A Imagem da frustração, da insatisfação e da privação.
A essa época, começamos a esquecer o nosso autoconhecimento e a nos guiarmos, como autômatos, por nossos hábitos e mecanismos de defesa. Assim, nossas reações emocionais, geralmente, são fruto de condicionamentos criados ao longo da vida, baseados num tipo de lógica limitada e errônea que é própria de nossa dimensão emocional. Esses condicionamentos são conclusões infantis subconscientes que governam a nossa vida consciente inundando-a de desejos, repulsas, ódios e paixões.
Por exemplo, quando crianças podemos ter sido obrigados a agredir a quem amamos, como forma de chamar a atenção e conseguir uma demonstração de amor delas, nem que seja a atenção delas na hora de repreender. Podemos ter sido obrigados a esconder os nossos erros para obtermos o amor e a admiração daqueles a quem amávamos. Com o tempo, passamos a ser sádicos e agressivos sem sabermos os por quês. Passamos a ser arrogantes e a mostrar a todos que nunca erramos, para podermos ser amados e admirados. Adultos, somos crianças ainda e continuamos agindo segundo nossos hábitos e mecanismos de defesa, procurando contato com o que nos dá prazer e fugindo da dor.
“Você culpa seus pais por tudo. Isso é um absurdo. São crianças como você. O que você vai ser quando você crescer”.
Renato Russo – cantor brasileiro
Levamos para a vida adulta atitudes infantis viciadas, Sombras disfarçadas com Máscaras. Uma Máscara de “bonzinho”, que esconde uma pessoa vingativa que acha que assim despertará o amor daquele que ele ama. Uma Máscara de perfeito e impecável que esconde uma Sombra arrogante que quer a admiração daqueles que ele ama. O ascetismo espiritual quase sempre nos afasta dessa criança e de seus mecanismos. A verdadeira busca pelo autoconhecimento, verdadeiro gerador da auto-estima, não deve prescindir o conhecimento desses mecanismos infantis. A energia gasta pela nossa negatividade, que deve ser oculta pelas suasMáscaras, e a energia represada que constitui nossa Sombra, devem ser liberadas, conhecidas e reintegradas, para que possamos, inteiros, sermos livres.
Caminhar inteiros significa não ter que parar porque algum fator cotidiano disparou mecanismos infantis de raiva ou frustração, que vêm à tona quando menos esperamos. Só quando vemos e sentimos que esses mecanismos não funcionam mais e trazem apenas sofrimento, é que conseguimos vencer os nossos sentimentos mesquinhos e inferiores. Deixamos de ser adultos e voltamos a ser aquelas crianças que buscavam perfeição em tudo, novamente inocentes, mas vividos, novamente sonhadores, mas realistas, novamente amorosos, mas sábios, usando a negatividade quando deve ser usada, pois são das crianças o Reino dos Céus.
Nas palavras de Miklos Burger, fundador do Instituto Transpessoal de psicologia: “nas entrelinhas de nossa conversa vazia, nas metáforas doídas de nosso corpo cansado, a preciosidade maior, a luz de nossa vida. Ela está lá, esperando, onde o tempo não importa, congelada, travada e travando. É preciso ir a ela. Reconquistar sua confiança. Falar-lhe em termos que ela possa compreender. Estender-lhe a mão para que ela possa ver que o tempo passou, e que sobrevivemos. Ela mesma encontrará uma saída. Não mais nos atormentará. Para que? Seguiremos juntos, de mãos dadas, trilhando a doce trilha da liberdade”.