A Paixão de Cristo

“Eu estou fazendo isso, eu sou co-responsável por isso… Meu Deus, que dor…”.

 

“Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19:18, Mt 22:39, Mc 12:31 e Lc 10:27), disse o Cristo ser o segundo maior mandamento, abaixo apenas do amor a Deus. Essa frase condiciona o amor ao próximo ao amor a si próprio. Para amar o próximo devo amar primeiro a mim mesmo. Mas como amar algo ou alguém a quem não se conhece. Só se ama e conhece o outro quando se ama e se conhece a si mesmo. O amor, verdadeiro e incondicional, compreende o outro sem reservas, coloca-se no lugar dele, respeitando-o. Amar é saber escutar e interpretar, é olhar o outro e saber vê-lo em seu íntimo, sem teorias e sem “pré-conceitos”. Para isso necessitamos saber nos escutar e interpretar, olhar e ver o nosso íntimo, sem teorias e sem “pré-conceitos”.

 

E Jesus viveu na carne esse amor. Ele conseguia ver todas as imperfeições humanas, entendê-las e perdoá-las. Ele não só amava, mas estava apaixonado por Si mesmo e conseqüentemente, por toda a humanidade. Ele vivia a verdadeira “com-paixão” e sabia verdadeiramente que os que estavam fazendo aquilo “não sabem o que fazem”. Vivendo em carne, via e entendia todas as imperfeições humanas, e simplesmente compreendia o que estava acontecendo, sem julgamentos.

A ciência afirma hoje a relatividade do tempo, coisa que todas as tradições afirmam. O tempo não existe da forma linear (passado antes do presente e esse antes do futuro), mas co-existem simultaneamente. O tempo é cíclico e o passado e o futuro estão contidos no presente. Se a humanidade permanece como na época de Cristo, estamos continuamente torturando e crucificando-O. A humanidade ainda é capaz de bater, torturar e matar seu próximo, e cada um de nós também, pois somos apenas pedaços, hologramas, do grande holograma da humanidade. O que existe fora, existe dentro. Assistimos continuamente barbáries, que na realidade são a própria barbárie contra Cristo, acontecendo aqui e agora.

Percebendo isso, num insight, chorei o filme inteiro a dor pessoal de crucificar o nazareno, ser responsável por aquela barbárie. Com que prazer matamos e esfolamos aquele inseto que nos pica. Com que prazer vemos o sofrimento dos nossos desafetos. Vingança e prazer. Com que prazer torturamos psiquicamente o próximo, usando até a desculpa que é porque o amamos e que é para o bem dele. Inventamos histórias para nossos filhos e os amedrontamos continuamente sob o pretexto de educá-los.

Existe, intrinsecamente incrustado nas profundezas da psique humana, um prazer em ser artífice do mal. Inventamos situações socialmente aceitáveis para trazer a tona e viver o prazer doentio de praticar o mal. E assim somos mentirosos, vingativos e cruéis, simplesmente porque há prazer nisso. Torcemos por acidentes em corridas automobilísticas, que o touro pegue o toureiro e adoramos explosões espetaculares, em filmes que mostrem, tão realisticamente quanto possível, a destruição e o sofrimento de outros seres vivos. Adora-se lutas demoradas, onde haja muita pancadaria e, se possível, sangue. Somos grandes vampiros, físicos e psíquicos, e não queremos olhar para nós mesmos e reconhecer isso. Não queremos reconhecer isso para não destruir aquela imagem boazinha de virtuosos que construímos para nós mesmos e que acreditamos ser. Somos grandes e excepcionais atores usando nossas belas máscaras para ocultar o evidente e flagrante mal que existe dentro de nós.

Meu Senhor e meu Deus, perdoai-me, enquanto pessoa e enquanto humanidade, por permanecer entregando, negando, injuriando, açoitando, torturando, crucificando e matando o Caminho, a Verdade e a Vida. Ajudai-me em meu auto-conhecimento e auto-transformação. Que eu tenha força de reconhecer em mim tudo o que deva ser reconhecido para que seja transformado. Dá-me o discernimento necessário para reconhecer e evitar o mal que existe em mim, fruto do meu “pecado original”, o “pecado” de decidir me ver separado de tudo e de todos, de me ver separado da dor do outro. Do pecado de me ver separado de Ti, de não me ver uno Contigo…

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