Caminho da Luz

GNOSTICISMO

A progressiva divulgação no mundo romano, a partir do século I da era cristã, de doutrinas religiosas orientais — dentre as quais o cristianismo não foi a primeira, e sim apenas mais uma — e o apogeu de uma série de escolas filosóficas helenísticas de perfil acentuadamente místico, como o neopitagorismo e o neoplatonismo, estabeleceram o clima espiritual em que brotaram as concepções gnósticas.

A palavra gnose (do grego gnosis, “conhecimento”) emprega-se, ao se tratar do movimento filosófico e religioso a que deu nome, para designar o conhecimento adquirido não por aprendizagem ou observação empírica, mas por revelação divina. À gnose, privilégio dos iniciados, opõe-se a pistis, ou mera crença. Os eleitos que recebiam a gnose experimentavam uma iluminação que era regeneração e divinização, e conheciam simultaneamente sua verdadeira natureza e origem. Reconheciam-se em Deus, conheciam a Deus e apareciam diante de si mesmos como emanados de Deus e estranhos ao mundo. Assim, adquiriam a certeza definitiva de sua salvação para toda a eternidade.

Até a descoberta, no século XX, de diversas coleções de manuscritos, entre os quais os de Nag Hammadi, Egito, era comum considerar o gnosticismo como uma forma de heresia cristã inspirada na filosofia grega. Atualmente, tende-se a falar num conjunto de escolas que, em virtude de princípios comuns, formam o movimento gnóstico. As noções compartilhadas pelas diversas escolas gnósticas podem resumir-se em três grandes temas: (1) a miséria do homem, prisioneiro de seu corpo, pois o gnóstico considerava a alma procedente de uma realidade supramundana; (2) a dualidade cósmica, na qual o mundo visível, mau e tenebroso, teria sido criado por um demiurgo perverso elemento tipicamente neoplatônico oposto a outro Deus, bom mas desconhecido; e (3) o apocalipse gnóstico, em virtude do qual o mundo perverso seria substituído pelo reino divino. Os pneumáticos (conhecedores puros da gnose) ascenderiam até o pleroma, reino da luz e da perfeição, e o fogo latente oculto no cosmos se avivaria e consumiria toda a matéria.

As escolas gnósticas empregaram diferentes métodos de especulação. A maior parte dos estudiosos tende a considerar a existência de uma gnose não cristã, que englobaria movimentos como o hermetismo e o maniqueísmo, e de uma gnose cristã, herética. Esta última, formulada no século II por Basilides e Valentim, afirmava a realidade de um Deus transcendente e desconhecido, enquanto identificava o demiurgo criador do mundo físico com o Iavé bíblico. Os ataques a essa tese por parte de teólogos cristãos dos séculos II e III, como Hipólito e santo Irineu, fizeram com que o gnosticismo tenha sido considerado um desvio do cristianismo.

Por fim, alguns autores opinam que as teses enunciadas por Orígenes de Alexandria (séculos II-III), segundo as quais o objetivo da encarnação e morte de Jesus teria sido trazer o conhecimento ao homem enganado por seus sentidos, constituíram na realidade uma tentativa de assimilar a gnose à ortodoxia cristã.

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