Declaração de Belém

Declaração de Belém

Os participantes do  II  Fórum decidiram sintetizar essas conclusões num documento breve,  que foi incorporado pelo Diretor-Geral da UNESCO, Dr. Frederico Mayor, na sua fala durante a UNCTED, no Rio de Janeiro.

DECLARAÇÃO DE BELÉM

Desde o segundo Fórum sobre Ciência e Cultura realizado em 1989, em Vancouver, novas áreas de incerteza e de legítima preocupação têm aumentado a urgência na tomada de ação para se prevenir um desastre planetário.

A ordem internacional global alterou-se profundamente após as transformações na União Soviética e no Bloco do Leste, bem como pela introdução de novos conceitos bélicos pela Guerra do Golfo e pela erosão do “apartheid”. A freqüência crescente dos desastres ambientais, a degradação da economia de nações prósperas e a tendência à ingovernabilidade que grassa como uma conseqüência da crescente pobreza são tão alarmantes quanto os pontos levantados na Declaração de Vancouver: crescimento populacional, abuso de combustíveis fósseis, destruição do balanço ecológico e imensa disparidade entre Norte e Sul no uso de recursos e da riqueza.

A pobreza generalizada em níveis intoleráveis é o maior obstáculo à solução dos problemas planetários. Um pré-requisito é a necessidade urgente de fazer parar o fluxo de riqueza do Sul para o Norte.

Ao se apelar à Ciência e à Tecnologia para auxiliarem na solução de problemas locais e globais, deve-se levar em conta a conexão entre Ciência e Tradições, enfatizada no primeiro Fórum sobre Ciência e Cultura levado a efeito em Veneza, em 1986.

Os fundamentos morais para uma ordem ecológica e economicamente judiciosa devem levar em conta o complexo inter-relacionamento da Ciência, Cultura e Natureza no comportamento individual e da sociedade. Particularmente, as relações dos seres humanos com seus ambientes devem ser respeitadas e recuadas por princípios universais, constituindo um código moral que pode ser uma nova ecoética. Isso reclama, principalmente, pela preservação da biodiversidade.

Ao mesmo tempo, a harmonia da sociedade e a compreensão universal demandam respeito pela diversidade cultural. Esses dois requisitos são interligados, pois na diversidade cultural encontram-se as reservas acumuladas de respostas ao ambiente apreendidas pela humanidade, e que tornam a coexistência e o auto-reconhecimento possíveis.

A preservação dessas diversidades é a única esperança que temos para a sobrevivência da civilização em sua rica variedade de formas culturais A ética implícita na diversidade cultural vincula respeito mútuo a apoio à coexistência cultural. Particularmente importante a esse respeito é o fortalecimento da posição das mulheres, para desempenharem um papel essencial na proposição de ações comunitárias menos violentas, respeito ecológico e a diminuição e eventual reversão do crescimento populacional

Há necessidade de reconhecimento da complementaridade natureza e homem. Mesmo reconhecendo o papel das tecnologias avançadas, aspectos inestimáveis das culturas tradicionais oferecem uma importante mensagem tanto para hoje quanto para o futuro  As culturas e suas tradições estabeleceram balanços duradouros com seus ecossistemas, e esses modelos fornecem importantes elementos à necessária ecoética. Ademais, o conhecimento acumulado em civilizações não ocidentais pode ser uma fonte de insumos à ciência moderna A preservação da biodiversidade. O mais rico patrimônio da floresta tropical úmida, é tão essencial ao futuro da civilização do planeta quanto a preservação da diversidade cultural na relação entre povos, nações e estados

Novas tecnologias, particularmente a biotecnologia e a tecnologia da informação, estão hoje predestinadas a causar um impacto maior e mais permanente que todas as tecnologias industriais anteriores E, portanto, requerem uma postura ética particular, de modo que sua adaptação e presença não venham contribuir para  a  eliminação  perversa  de  dois  recursos  essenciais  para  a  natureza  e  para  a  humanidade: biodiversidade e diversidade cultural.

A ecoética clama pela preservação de ambas. 

 

Belém, 10 de abril de 1992

 

Ubiratan D'Ambrósio (Brasil); Alya Baffoun (Tunísia); Pierre Dansereau (Canadá); Xu Dao-Xi (China); Susantha Goonatilake (Sri-Lanka); Carl-Goran Heden (Suécia); Sergei Kara-Murza (Rússia); Dominique Lecourt (França); Eleonora Masini (Itália); Digby Mclaren (Canadá); H Odera-Oruka (Quénia); Guilherme de Ia Penha (Brasil); Bertha G. /Ribeiro (Brasil); Henry Stapp (Estados Unidos), Kazuko Tsurumi (Japão), Francisco J. Varela (Chile).

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