Física Quântica e Identidade Projetiva

Uma Tentativa de Aproximação


“É bastante provável que na história do pensamento humano os desenvolvimentos mais fecundos ocorram, não raro, naqueles pontos para onde convergem duas linhas diversas de pensamento”.

Werner Heisenberg

I – Introdução

Há cerca de 10 anos venho tendo, esporadicamente, acesso a algumas informações a respeito das mudanças provocadas pela teoria quântica. Como costuma acontecer com os iniciantes que entram em contato com o micromundo das partículas que compõem o átomo, achava curioso, estranho, esquisito e incompreensível.



O estudo do comportamento dessas partículas terminou por derrubar dois princípios fundamentais da física clássica, o da unidirecionalidade do tempo e o da causalidade. O primeiro diz que o “agora” sempre deve preceder o “depois”. O segundo diz que um efeito não pode preceder sua causa. No entanto, no minúsculo microcosmo do átomo, nem o tempo nem a causalidade tem a significação de outrora. A noção de ordenação temporal dos acontecimentos torna-se insustentável e a não-causalidade é vista pelos físicos quânticos como conseqüência natural de suas teorias.

Outra mudança importante foi a retirada de distinções estáveis entre observador e observado. Aparentemente, a consciência tem um papel ativo na determinação dos resultados de experiências realizadas para estudar o fenômeno quântico.

A teoria quântica oferece possibilidades espantosas, não apenas para a compreensão do mundo material. Quanto a este, desde o início do século efeitos quânticos que ocorrem entre partículas reagindo no vácuo, em condições de laboratório, vêm sendo comprovados. Nos últimos 20 anos, físicos quânticos vêm tentando relacionar a teoria quântica a fenômenos psíquicos. Buscam provas de que existam pontes naturais entre fenômenos quânticos e nossos pensamentos e percepções. Em outras palavras, o importante é saber se o estranho comportamento das partículas atômicas tem influência, ao menos parcialmente, sobre a nossa vida diária.

Pois bem, na nossa vida diária de psicanalistas é comum falarmos também em fenômenos estranhos, esquisitos, misteriosos. Falamos de comunicação de inconsciente para inconsciente, de comunicação não verbal, de projeção e de introjeção de conteúdos internos, de pensamento em busca de pensador. Falamos de posições esquizoparanóide e depressiva e de sua dualidade, falamos do incognoscível.

Tudo isso tem relação com energia psíquica. Mas o que é mesmo isso? Motivada pela curiosidade, parti. Desordenadamente, comecei a questionar se haveria alguma relação entre energia psíquica e energia quântica. Quando me dei conta do tamanho do universo que se abriu, percebi que tentar formular algo a esse respeito, para mim, seria uma tarefa impossível.

Decidi, então, limitar meu universo: tentar enfocar o aspecto interpessoal envolvido no polêmico fenômeno da identificação projetiva, sob a luz dos conceitos básicos introduzidos pela física quântica. Da maneira como eu os apreendo, correndo o risco, de saída, de estar equivocada, por falta de conhecimento específico sobre a teoria mecânico-quântica e de interlocutores com os quais pudesse conversar sobre esses temas.

 

II – Da física clássica à física quântica
 

Até o início do século XX, a visão de mundo baseava-se no modelo mecanicista newtoniano do universo, o qual perdurou por mais de 300 anos e impregnou profundamente nosso modo de perceber a realidade. Era como uma rocha poderosa a apoiar toda a ciência.

Segundo esse modelo, o ser, em seu nível mais elementar e indivisível, consiste de partículas pequenas e distintas, os átomos. Estes colidem, atraem e repelem uns aos outros. Ocupam lugares próprios no espaço e no tempo. O espaço é tridimensional, absoluto, idêntico e imóvel. Todas as mudanças do mundo físico eram descritas em termos do tempo, também absoluto, fluindo uniformemente do passado ao presente e deste, ao futuro. Os movimentos de onda (como de ondas de luz) eram considerados vibrações que ocorriam no éter, não sendo objetos de investigação.

As partículas sofriam o efeito da força da gravidade. Tanto partículas como as forças entre elas e as leis fundamentais do movimento eram vistas como criações de Deus e, portanto, não estavam sujeitas a análises mais profundas. Além disso, Deus estaria sempre presente para corrigir quaisquer irregularidades.Capra 1975

Essa visão mecanicista implicava num determinismo rigoroso. Tudo possuía uma causa definida que gerava um efeito – o princípio da causalidade. A base filosófica desse determinismo provinha da divisão entre o eu e o mundo introduzida por Descartes, no século XVII. Os eventos deveriam ser descritos objetivamente, sem sequer se mencionar o observador humano. A objetividade tornou-se o ideal da ciência.

A filosofia de Descartes influenciou todo o modo de pensar ocidental. Seu “penso, logo existo”, levou à separação mente/corpo e à tendência do homem ocidental a identificar-se apenas com a mente. “Em conseqüência da divisão cartesiana, indivíduos, na sua maioria, têm consciência de si mesmos como egos isolados existindo dentro de seus corpos”. Capra, 1975

Todavia, é inegável que tanto a divisão cartesiana quanto a visão mecanicista do mundo mostraram-se muito úteis para o desenvolvimento da física clássica e da tecnologia. O modelo newtoniano continua válido para objetos que possuem grande número de átomos e, exclusivamente, para eventos com velocidades pequenas se comparadas à da luz.

Ainda no século XIX, os trabalhos de Faraday e Maxwell provocaram o primeiro grande abalo sobre a concepção mecanicista de Newton: os fenômenos eletromagnéticos não podiam ser adequadamente descritos, pois envolviam um novo tipo de força, na verdade um campo de força, que não podia ser decomposto em unidades fundamentais.

Em 1905, Albert Einstein publicou dois artigos que deram início a rupturas conceituais revolucionárias. Um deles foi a teoria especial da relatividade. O outro era o embrião da futura física quântica, desenvolvida 20 anos mais tarde. Ambos os desenvolvimentos esfacelaram os conceitos básicos da visão newtoniana do mundo: espaço e tempo acham-se intimamente vinculados, formando um continuum quadridimensional, o “espaço-tempo”; não se pode falar de um sem falar do outro; inexiste um fluxo universal do tempo; massa é uma forma de energia, e tantos outros desdobramentos.

Assim teve início a Física Moderna. Vários fenômenos relativos à estrutura dos átomos foram descobertos. Primeiro, a radiação que conhecemos como raios X. Logo após, as substâncias radioativas que emanavam partículas alfa, verdadeiros projéteis extremamente velozes, de dimensões subatômicas. Os átomos, bombardeados pelas partículas alfa, se revelaram imensas regiões de espaço nas quais partículas muito pequenas – os elétrons – moviam-se em torno do núcleo, ligados a este por forças elétricas.

Uma curiosidade: para tentarmos visualizar o tamanho de um átomo, imaginemos uma laranja do tamanho do planeta Terra. Os átomos da laranja possuirão o tamanho de cerejas. Um átomo é extremamente pequeno se comparado a objetos macroscópicos, mas é enorme se comparado ao seu núcleo. Para que pudéssemos ver o núcleo de um átomo, teríamos que ampliar o átomo até que este atingisse o tamanho da abóbada da Catedral de São Pedro, em Roma. Nesse átomo, seu núcleo seria do tamanho de um grão de sal! Bentov, 1988

O trabalho de Einstein possibilitou o desenvolvimento da física atômica. Na década de 20, um grupo internacional de físicos juntou forças e superou fronteiras para desenvolver a Mecânica Quântica. Entre eles estavam Niels Bohr (dinamarquês), Erwin Schrodinger e Wolfgang Pauli (austríacos) e Werner Heisenberg (alemão). O homem entrava em contato, pela primeira vez, com o estranho e inesperado mundo subatômico.

A mais revolucionária e importante afirmação que a física quântica faz sobre a natureza da matéria provém de sua descrição da dualidade onda-partícula. É a afirmativa de que, no nível subatômico, os elementos atômicos, a luz e outras formas eletromagnéticas têm um comportamento dual. Podem ser igualmente bem descritos tanto como partículas sólidas, confinadas a volumes e espaços definidos, quanto como ondas que se expandem em todas as direções.

Além disso, nenhuma das descrições é suficiente para se compreender a natureza das coisas. É a própria dualidade o aspecto básico. Um aspecto complementa o outro e, ainda mais estranho, a expectativa se reflete na experiência. Onde se espera encontrar partículas, lá estão elas. Da mesma forma ocorre com as ondas. A solução para essa aparente contradição foi dada por Niels Bohr, ao elaborar o princípio da complementaridade, que estabelece que, embora mutuamente excludentes num dado instante, os dois comportamentos são igualmente necessários para a compreensão e a descrição dos fenômenos atômicos.

Nunca se consegue observar um elétron e medir sua velocidade ao mesmo tempo. Ao incidir um foco de luz para observá-lo, sua velocidade se altera. Então, não se sabe mais onde ele estava antes. Consegue-se medir ou sua exata posição – quando ele se manifesta como partícula – ou sua velocidade ou momentum – quando se expressa como onda, mas nunca ambos a um só tempo. Esse é outro princípio fundamental da teoria quântica: o princípio da incerteza de Heisenberg. A incerteza substitui, então, o determinismo e a objetividade.

É o observador, por meio da observação, que fixa o elétron, densifica sua energia e o observa numa determinada posição. Diz-se que o observador provoca o colapso de sua função de onda. No nível subatômico, não se pode dizer que a matéria exista com certeza, em lugares definidos. Diz-se que ela apresenta “tendências a existir” e que os eventos têm “tendências a ocorrer”.

Fala-se em probabilidades. Em ondas de probabilidades ou ondas de matéria. Todas as leis da física quântica são expressas em termos dessas probabilidades. No domínio dos quanta – que são pacotes de energia –, hoje chamados fótons, não se pode mais ter objetividade completa. O próprio fundamento da visão mecanicista – o conceito de realidade da matéria – foi posto abaixo, pois no nível subatômico os materiais sólidos dissolvem-se em padrões de probabilidades semelhantes a ondas.

Isso se deve às propriedades dos átomos. Em primeiro lugar, sabe-se que os átomos que compõem matéria sólida consistem quase que integralmente em espaço vazio. Seus núcleos, pequeníssimos e estáveis, constituem a fonte da força elétrica e contém quase toda a massa do átomo. Os elétrons transitam de um estado de energia a outro de forma espontânea e aleatória, absolutamente imprevisíveis.

Na verdade, eles nem “giram em torno do núcleo”, como aprendemos na escola. Os elétrons reagem ao confinamento no átomo movimentando-se em altíssimas velocidades, da ordem de 960 km/s. São essas velocidades que fazem com que os átomos pareçam esferas rígidas. Os prótons e nêutrons, dentro do núcleo, confinados num espaço muito menor, percorrem o núcleo de um lado para outro a 64.000 km/s!Bentov, 1988

Existe um equilíbrio ótimo entre a força de atração do núcleo e a resistência dos elétrons ao confinamento. É a interação entre elétrons e núcleos que constitui a base de todos os sólidos, líquidos e gasosos, dos organismos vivos e de seus processos biológicos.

Bem, se dispuséssemos de um supermicroscópio imaginário com o qual fôssemos examinar, por exemplo, um fragmento de osso, num dado momento, depois de toda ampliação possível, estaríamos vendo uma pulsação indistinta, vastidões de espaços vazios permeados por campos oscilantes de diversos tipos, pulsando e propagando-se cada vez mais para longe.Bentov, 1988

Desse modo, as partículas passam a ser vistas como padrões dinâmicos, que envolvem uma determinada quantidade de energia que se manifesta a nós como sua massa.

A totalidade do Universo aparece, aos físicos quânticos, como uma teia dinâmica de padrões inseparáveis de energia. “Uma contínua dança de energia”.Capra, 1975 Energia elétrica, magnética, acústica ou gravitacional. Esse todo dinâmico sempre inclui o observador humano. Ele faz parte da cadeia de processos de observação, e as propriedades de qualquer objeto atômico só podem ser conhecidas em termos de interação do objeto com o observador.

O observador também é feito de átomos. Como nós. Os princípios quânticos descrevem o funcionamento de tudo o que vemos e que, pelo menos fisicamente, somos.

A teoria quântica ainda está “constrangedoramente incompleta e permanecerá assim até que possamos incluir os observadores e, ao menos no caso dos observadores humanos, incluir a consciência com a qual fazem suas observações”. Zohar, 1990 Isso decorre do fato de existirem equações para descrever eventos mecânico-quânticos, mas não para descrever o comportamento do observador. O problema da consciência (ou estados mentais) é central na física hoje. Até mesmo defini-la é difícil. Dependendo da definição dada, a ameba pode ser considerada uma criatura consciente.

A maioria dos físicos que procuram uma sede física para a consciência presume, hoje em dia, que sua fonte deve estar na capacidade funcional do cérebro em si. A natureza exata da ligação entre estados físicos do cérebro e estados mentais ainda é um grande mistério, tanto para a ciência como para a filosofia.

 

III – Sobre Identificação Projetiva

Já vimos que os físicos quânticos consideraram o universo uma teia dinâmica de energia, a constante dança de energia. Privilegiam as relações e o movimento.

Também a psicanálise tem evoluído nesse sentido. Cada vez mais falamos do “funcionamento do par analítico, da constituição do eu e do outro no movimento presente na relação, da busca da subjetividade na intersubjetividade”.Assis, 1998.

O conceito “identificação projetiva” é o que me parece mais fortemente referir-se ao aspecto interpessoal da relação analista-analisando. Ao mesmo tempo, é claro que diz respeito à atividade mental de uma pessoa, às suas fantasias inconscientes de aliviar a mente, sobrecarregada de conteúdos insuportáveis, num outro. Há “uma espécie de jogo dinâmico entre o intrapsíquico e o interpessoal”. Manfredi, 1998.

Não é minha pretensão fazer um estudo aprofundado da identificação projetiva. Considerando tratar-se de um fenômeno clínico observável, pretendo destacar o seu aspecto interpessoal. Sabemos que há controvérsias entre importantes autores psicanalíticos sobre se a identificação projetiva é uma fantasia inconsciente do paciente, ou um acontecimento também intersubjetivo.

Desde 1946, Klein sugere a dimensão interpessoal da identificação projetiva. Propõe a existência de um processo psíquico por meio do qual aspectos do Self não são simplesmente projetados sobre a imagem psíquica do objeto (como na projeção), mas “para dentro” do objeto. Diz também que a identificação projetiva “provoca um esgotamento psíquico, na medida em que há um imenso gasto de energia no esforço de controlar o outro tão completamente, que ele é vivenciado como tendo adotado um aspecto da própria identidade”.Ogden, 1996.

Segundo Ogden, também para Bion a identificação projetiva “não é simplesmente uma fantasia inconsciente de projetar um aspecto próprio no outro e controlá-lo desde dentro; representa um acontecimento psicológico no qual o projetor, por via de uma interação interpessoal real com o recipiente da identificação projetiva, exerce pressão sobre o outro para que vivencie e se comporte de forma congruente com a fantasia projetiva onipotente”.Ogden, 1996.

De acordo com a leitura de Stefania Manfredi, para Klein a fantasia inconsciente é uma reserva inata de imagens psíquicas que acompanham a pulsão em busca do objeto. A fantasia assume uma força tal, que é capaz de produzir efeitos reais em outra pessoa. “Tudo aconteceria como se a pessoa, ou partes muito importantes dela, tivessem deixado o próprio corpo e tivessem ido morar em outro corpo”.Manfredi, 1998.

Rosenfeld diz que a identificação projetiva opera através da fantasia, mas pode também provocar efeitos temporários no comportamento de uma figura receptiva do mundo externo. Manfredi,1998. Interessante aqui o uso do termo “receptiva”. De fato, sabemos, pela experiência clínica, que nem sempre a identificação projetiva “é bem sucedida”, isto é, nem sempre o analista é capturado por ela. Parece que, para ocorrer a identificação projetiva, alguns requisitos têm que ser preenchidos. Voltarei a esse ponto adiante.

Grotstein salienta que a identificação projetiva é uma fantasia inconsciente, é imaginação. Para Betty Joseph, o analista, se estiver realmente aberto para o que está ocorrendo, se identifica com as partes perdidas do paciente e, com isso, pode obter maior compreensão.Manfredi,1998 Ogden afirma que, na identificação projetiva, as fantasias inconscientes de uma pessoa são processadas por outra pessoa.Ogden,1996

A meu ver, um aspecto importante ressaltado por Ogden é o de que, além do empobrecimento ou “esvaziamento psicológico” envolvido na identificação projetiva, sabe-se hoje que tal fenômeno “também envolve a criação de algo potencialmente maior e mais produtivo do que qualquer um dos participantes (isolado do outro) poderia produzir”. Trata-se, para ele, de algo que é criado, um terceiro sujeito, além do projetor e do recipiente: o sujeito da identificação projetiva.Ogden, 1996

Nesse momento, várias perguntas me ocorrem: como é que algo passa para o outro? Essa transmissão inconsciente tem a proximidade física como requisito? Poderia ocorrer à distância? Como poderia ocorrer uma comunicação de inconsciente para inconsciente?

Antes de tentar aproximar alguns conceitos quânticos dos fenômenos que vivenciamos na clínica e na vida, relatarei algumas situações, no mínimo, curiosas.

 

IV – Situações clínicas
 

Situação 1: acordei, certa manhã, com angústia intensa e taquicardia. Havia sonhado que batia, completamente descontrolada, no meu marido, sem saber por quê. Eu não parava para ouvi-lo. Fiquei toda a manhã com as cenas do sonho voltando à minha mente, e com a sensação de estar com o coração dolorido.

À tarde, uma paciente chega e, logo após acomodar-se no divã, relata um sonho, no qual agredia com muita violência seu marido, com um ódio imenso, achando que poderia até matá-lo. Estava impactada e angustiada.

 

Situação 2: uma colega sonhou que passeava numa montanha com alguém, depois entrava num supermercado, onde queria comprar um xampu, mas não tinha dinheiro.

No dia seguinte, sua paciente sonhou que estava num bosque. Fôra levada por alguém. Era um lugar gostoso. A pessoa sumiu e ela teve fome. Comeu num restaurante, mas não tinha dinheiro para pagar.

 

Situação 3: uma colega, em supervisão, reclamou que sua paciente não nomeava as pessoas. Nunca. Conversamos sobre seu próprio desejo e curiosidade. Na sessão seguinte, sua paciente começou a nomear todos os personagens, e assim continuou dali para frente.

 

V – Um olhar quântico sobre a identificação projetiva
 

Parto da hipótese que, na identificação projetiva, alguma comunicação passa de uma pessoa para outra, de maneira inusual. Como uma espécie de fusão que envolve e emaranha duas pessoas de tal modo que, durante algum tempo, misturam-se os mundos interno e externo de ambas. Como o desfazer de fronteiras.

A física quântica Danah Zohar, ao mencionar a identificação projetiva e a intimidade, diz: “Parece que “eu” e “você” nos influenciamos mutuamente, parece que “entramos” um no outro e modificamos um ao outro no interior, de tal forma que “eu” e “você” nos tornamos “nós”. Esse “nós” que experimentamos não é apenas “eu” e “você”, é uma coisa nova em si, uma nova unidade”.Zohar, 1990. Essa colocação é muito semelhante à de Ogden, ao nomear aquele algo novo, que é criado, de sujeito da identificação projetiva.

Para as abordagens clássicas da filosofia, da psicologia e da psicanálise, é impossível compreender a transmissão de aspectos internos de uma pessoa para outra. Para um físico quântico, as relações interpessoais são vistas do mesmo modo como se reconhece a dualidade onda-partícula do átomo (que não deve ser chamado de partícula elementar, pois já foram descobertas mais de 200 partículas “elementares” no núcleo do átomo).

O aspecto partícula da matéria quântica origina os indivíduos e as coisas que podem ser apontadas. O aspecto onda dá origem aos relacionamentos entre esses indivíduos por meio do entrelaçamento das funções de onda de seus componentes. Como as funções de onda podem se entrelaçar, os sistemas quânticos podem “entrar” uns nos outros formando um relacionamento criativo impossível para as “bolas de bilhar newtonianas”. A qualidade e a dinâmica do relacionamento íntimo dependem das variáveis a que estão sujeitos os sistemas ondulatórios das pessoas envolvidas. Para haver a identificação projetiva, é preciso que as pessoas estejam em estados parecidos, que haja intimidade e compromisso entre elas, isto é, que haja alto investimento de energia nessa relação.

Vejamos como Danah Zohar fala da identificação projetiva presente na relação mãe-bebê: “Em termos quânticos, a função de onda do bebê está quase totalmente sobreposta à de sua mãe. Em grande parte, a experiência do bebê é a experiência da mãe, e ele começa a tecer seu ser utilizando o tecido da mãe”. Nesse período, muita quantidade de energia é empregada na integração da função de onda do bebê com a de sua mãe. Com o passar dos meses, esse investimento na mãe diminui e aumenta a quantidade de energia empregada na interação do bebê com os outros.

A partir da descoberta da dualidade onda-partícula do átomo, nenhum dos aspectos é considerado mais o primordial. Existem ambos separadamente e também existe a dualidade. Do mesmo modo, do ponto de vista mecânico quântico, o ser humano é indivíduo e seus relacionamentos, e nenhum dos dois é o primordial.

 

VI – Discussão

Devido ao envolvimento de Jung com o então chamado mundo do ocultismo, Freud, em 1909, teria dito que não queria ouvir mais nada sobre “a maré negra da porcaria do ocultismo”.Bentov,1988. Dois anos depois ingressou na Sociedade para a Pesquisa Psíquica inglesa e na americana, e publicou seus ensaios sobre o assunto. Durante pelo menos vinte anos Freud parece ter estado interessado em alguns fenômenos polêmicos. Contudo, apesar de seu interesse, chamava a esses outros campos de “colônias da Psicanálise, não a verdadeira pátria”.Jones,1976.

Freud preocupou-se, argumentou e sofreu durante alguns anos, antes do rompimento definitivo com Jung, por quem nutria carinho, admiração e enormes expectativas. Desde 1898 Jung se interessava por todos os aspectos do “ocultismo”. Em maio de 1911, comunicou a Freud que estava “ampliando o conceito de libido de modo a designar com este uma tensão geral”. O ano seguinte foi decisivo no processo de separação dos dois. Jung tomou outro rumo, e logo seu posicionamento foi festejado e considerado, pelo British Medical Journal de janeiro de 1914, como seu “retorno a um enfoque mais são da vida”.Jones,1976.

Estranha comemoração, pois se a importância que Freud atribuía à pulsão sexual era objeto de fortíssima resistência no meio científico da época, a direção tomada por Jung não deveria, naquele momento, ser considerada sã ou científica.

Em agosto de 1921, Freud escreveu o artigo intitulado Psicanálise e Telepatia e o apresentou, em setembro, a um seleto grupo de seguidores. Sentindo estar a psicanálise ameaçada por um tremendo perigo, disse que não seria mais possível manter-se afastado do estudo dos fenômenos “ocultos”. E que não havia lógica em temer que um interesse maior pelo ocultismo fosse perigoso para a psicanálise. Pelo contrário. Deveríamos, disse ele, “estar preparados para encontrar uma simpatia recíproca entre eles. Ambos experimentaram o mesmo tratamento desdenhoso e arrogante por parte da ciência oficial”.Freud, 1921.

Contudo, devido às diferenças existentes entre suas atitudes mentais, Freud considerava uma cooperação entre ocultistas e psicanalistas bastante improvável. Os primeiros seriam “crentes convictos” buscando confirmação, apressadamente, de suas convicções, e generalizariam resultados parciais a todos os fenômenos. Os segundos, diz Freud, “são no fundo incorrigíveis mecanicistas e materialistas, ainda que procurem evitar despojar a mente e o espírito de suas características ainda irreconhecíveis”.Freud, 1921.

Parece que isso não mudou desde 1921…

Após alguns anos ocultando suas observações a respeito desse tema, Freud resolveu apresentar três casos, sendo o terceiro o relato de uma experiência clínica pessoal. O tema era a possibilidade ou não de haver transmissão de pensamento. Quando chegou à cidade de Gastein, onde se realizou o encontro, Freud percebeu a força de sua resistência em abordar esse tema: ele deixara em Viena as notas sobre sua própria experiência. “Nada se pode fazer contra uma resistência tão clara”, disse à ocasião.Freud, 1921.

Percebem-se claramente as dúvidas e reticências de Freud em relação ao assunto, aspecto salientado pelo Editor Inglês em sua nota introdutória.

No ano seguinte, Freud publicou Sonhos e Telepatia. Parece que ele pretendia ler o artigo na Sociedade Psicanalítica de Viena, mas por alguma razão, desistiu de fazê-lo. Termina esse texto dizendo que quis ser “estritamente imparcial”, já que não tinha “nem opinião nem conhecimento sobre o assunto”.Freud, 1922.

Seu terceiro texto sobre o tema foi apresentado dez anos depois: Sonhos e Ocultismo (Conferência XXX). Nesse, ele enfoca especialmente a possibilidade de existência da transmissão de pensamento, em que “os processos mentais numa pessoa – idéias, estados emocionais, impulsos conativos – podem ser transferidos para uma outra pessoa através do espaço vazio, sem o emprego dos métodos conhecidos de comunicação que usam palavras e sinais”.Freud, 1922.

Após descrever em detalhes algumas situações clínicas que ilustram fenômenos mentais “tão difíceis de apreender”, Freud diz: “Aquilo que se situa entre esses dois atos mentais facilmente pode ser um processo físico, no qual o processo mental é transformado, em um dos extremos, e que é reconvertido, mais uma vez, no mesmo processo mental no outro extremo”.Freud, 1922.

Apesar de Freud não ter formulado o conceito de identificação projetiva, essa sua hipótese me parece pertinente se tentarmos olhar, com base em conceitos quânticos, para esse tipo de transmissão. Como já vimos, a energia de vibração é um dos aspectos mais importantes da matéria. O núcleo do átomo, elétrons e moléculas têm suas taxas vibratórias características. Quando pensamos, nossos cérebros geram correntes elétricas rítmicas que se espalham pelo espaço – sob a forma de ondas eletromagnéticas – à velocidade da luz. Essas correntes elétricas são muito fracas, mas podem ser detectadas por instrumentos sensíveis.

Nossos corpos são feitos de diversos tipos de tecidos que interagem de diferentes maneiras com as energias vibratórias. “Independentemente de quão diminuto seja o efeito, nossas psiques podem responder vigorosamente a ele”.Bentov, 1988. Se considerarmos que tanto a mente como a matéria fazem parte do mundo dos acontecimentos quânticos, nossos pensamentos (inclusive os inconscientes) e relacionamentos poderiam ser, em alguns casos, explicados pelas mesmas leis e padrões de comportamento que governam o mundo subatômico.

Assim, para o físico quântico é simples compreender a identificação projetiva, a inversão de papéis (que ocorre quando dois sistemas quânticos não-localmente relacionados trocam de oscilação: ressonância quântica), o contágio emocional de uma torcida de futebol, de um comício político ou a mente grupal (quando um dos membros do grupo parece expressar os pensamentos e sentimentos do grupo inteiro).

Ocorre que eles vão muito além e fazem colocações que afrontam o bom senso, o já conhecido, nossa maneira usual de pensar. Consideram banal e corriqueiro explicar o movimento instantâneo à distância, que chamam de princípio da não-localidade, e que diz que algo pode ser afetado mesmo na ausência de uma causa local; especulam sobre viagens para trás ou para adiante no tempo; explicam a pré-cognição. Na esperança de obter uma nova visão de mundo, menos fragmentada, voltam-se para temas como o misticismo oriental, a cura, os fenômenos psíquicos. “São tentativas parciais e vacilantes de articular algo que “está no ar”, algo que responda à necessidade das pessoas de um quadro mais coerente do mundo.”Zohar, 1990

O próprio Einstein jamais se sentiu à vontade com as implicações metafísicas mais amplas da física quântica. O fenômeno da não-localidade era, para ele, “fantasmagórico e absurdo”. Ele ficou extremamente desgostoso com os desdobramentos de seu trabalho, mas não conseguiu refutá-los.

Durante a elaboração deste trabalho, surpreendi-me inúmeras vezes. Uma das surpresas – e talvez o seja também para vocês – foi encontrar Jung bastante considerado pelos físicos quânticos cujos textos pesquisei. Sua obra é tida, sob muitos aspectos, como “uma exceção de brilho ímpar dentre as muitas tendências da psicanálise e da psiquiatria clínica”.Zohar, 1990.

Em 'O Ponto de Mutação', Fritjof Capra dedica cinco páginas a tecer comentários sobre o trabalho de Jung. Diz que, ao romper com Freud, ele “abandonou os modelos newtonianos de psicanálise e desenvolveu numerosos conceitos que são inteiramente compatíveis com os da física moderna e da teoria geral dos sistemas”. Citando uma passagem do livro Aion, de Jung, destaca: “A psique não pode ser totalmente diferente da matéria, pois como poderia de outro modo movimentar a matéria? E a matéria não pode ser alheia à psique, pois de que outro modo poderia a matéria produzir a psique? Psique e matéria existem no mesmo mundo, e cada uma compartilha da outra, pois do contrário qualquer ação recíproca seria impossível”. Capra destaca ainda que Jung concebeu a libido como uma energia psíquica geral, considerando-a uma manifestação da dinâmica básica da vida e que o inconsciente é um processo que envolve padrões dinâmicos coletivamente presentes. Termina seus comentários dizendo: “Jung não foi levado muito a sério nos círculos psicanalíticos. Com o reconhecimento de uma crescente compatibilidade e coerência entre a psicologia junguiana e a ciência moderna, essa atitude está condenada a mudar…”Capra,1982.

VII – Comentários finais

É comum falarmos sobre a importância do intercâmbio da psicanálise com outras ciências. Com elas trocaríamos experiências e conhecimento e, dessa interseção, adviria enriquecimento para todos.

Física Quântica e Psicanálise têm aproximadamente a mesma idade. Ambas romperam com a pretensão de verdade e realidade fixas e imutáveis, com a concepção de tempo e ordem vigentes. Experimentador e psicanalista são observadores participantes. Freud introduziu o conceito de Inconsciente – o que surpreende, o que não se sabe, e os físicos quânticos, o Princípio da Incerteza – nunca se sabe onde e como se encontrará uma partícula subatômica. Tanto os fenômenos atômicos como os inconscientes não costumam ser diretamente observáveis: requerem interpretação. Os físicos quânticos reconhecem que todos os conceitos e teorias científicos são limitados e aproximados. E que a ciência nunca poderá proporcionar um entendimento completo e definitivo. São idéias que nos são muito familiares. Contudo, outras não o são.

Quando aplicamos conceitos quânticos à natureza do ser humano, uma verdadeira revolução na nossa maneira de nos percebermos – e ao mundo – é exigida. A física quântica pede que modifiquemos nossas noções de tempo e espaço, de causa e efeito e de matéria e energia de maneira assustadora. Parecem faltar inclusive condições para pensar. É como não saber pensar aquelas idéias.

Que sirva de consolo: mesmo físicos quânticos, quando procuram entender o que suas equações estão indicando, inadvertidamente tentam encaixar conceitos quânticos em modelos newtonianos antigos, bem conhecidos, o que faz com que eles próprios vejam seu trabalho com a mesma estranheza que nós.

Certamente não estamos preparados para uma “revolução quântica”. Uma imensa dificuldade com que nos defrontamos é o (nosso velho conhecido) medo do desconhecido. Vigoroso, quase nos impede olhar, fazer contato, ouvir novas – e estranhas – idéias.

A teoria quântica é revolucionária. Não deveríamos esquecer que a psicanálise também o é. Sua história mostra o quanto ela vem provocando resistências, críticas, medo, ataques dos mais diversos tipos e intensidades. Ela própria já mudou tanto – na teoria e na técnica – nesse seu primeiro século de existência. Somos nós que a transformamos, com nosso interesse pelo funcionamento da mente humana e com nossa prática clínica, em algo tão vivo e apaixonante.

Com esse texto introdutório – e informativo – espero ter conseguido transmitir a idéia de que talvez tenhamos, à nossa disposição, um tipo particular de sensibilidade a desenvolver, com a qual possamos aprimorar nossa escuta psicanalítica.

 

 

“A ciência avança mediante respostas provisórias a uma série de questões cada vez mais sutis, que vão cada vez mais fundo na essência dos fenômenos naturais”.

Louis Pasteur

VII – Referência Bibliográfica

1. Assis, Maria Bernadete A. C. Considerações sobre técnica no campo da intersubjetividade. Segundo Relatório de Supervisão. São Paulo, 1998.

2. Bentov, Itzhak. À espreita do pêndulo cósmico. A mecânica da consciência. Ed. Cultrix//Pensamento, 1988.

3. Capra, Fritjof. O Tao da física. Ed. Cultrix, 1975.

4. Capra, Fritjof. O ponto de mutação. Ed. Cultrix, 1982.

5. DEP. O Inconsciente emergente. Introdução à dinâmica energética do psiquismo. Ed. Envelopes & Cia, 2000.

6. Freud, S. Psicanálise e telepatia (1921), Standard Brasileira. Ed. Imago, Vol. XVIII.

7. Freud, S. Sonhos e telepatia (1922), Standard Brasileira. Ed. Imago, Vol. XVIII.

8. Hawking, S. Breve história do tempo. Ed. Gradiva, 1988.

9. Jones, Ernest. Vida y obra de Sigmund Freud. Ediciones Horme, Buenos Aires, Vol. II, 1976.

10. Manfredi, Stefania. As certezas perdidas da psicanálise clínica. Ed. Imago, 1998.

11. Ogden, Thomas. Os sujeitos da psicanálise. Casa do Psicólogo, 1996.

12. Rolim, Ana Maria A. A psicanálise é uma ciência: mas quem não se importa? Uma ressonância de a psicanálise não é uma ciência: mas quem se importa? Psicologia – Ciência e Profissão. Nº 2, Ano 20.

13. Zohar, Danah. Através da barreira do tempo. Ed. Pensamento, 1982.

14. Zohar, Danah. O ser quântico. Ed. Best Seller, 1990.

 

Cíntia Xavier de Albuquerque
Revista Humanitates

Membro associado da Sociedade de Psicanálise de Brasília
Trabalho apresentado na Reunião Científica de 13/9/2000

 

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