Psicologia Transpessoal e Felicidade

(*) Marlos Alves Bezerra é psicólogo
Email:
marlosdoc@yahoo.com.br

 

O psicólogo húngaro-americano Mihaly Csikszentmihalyi associa o estado de felicidade ao que denomina flow (fluxo ou fluir, referindo-se ao substantivo ou verbo) que poderia ser definido como um estado de harmonia e equilíbrio entre o indivíduo, a vida e todos os seus afazeres. Trata-se de um estado que se experiencia pela integração total entre sujeito e objeto. Abstrato? Lembre-se de dois parceiros numa pista de dança como Ginger Rogers e Fred Asters. Ou daquela última vez que em você foi à gafieira com seu marido. Ou àquela apresentação da orquestra sinfônica do estado em que os músicos e seus instrumentos, e estes e todos os outros instrumentos pareciam uma única e só coisa. Ou ainda, do momento mágico do segundo gol do Ronaldinho que trouxe o caneco do penta para o Brasil.

 

A felicidade seria uma experiência do cotidiano, e portanto, não seria dissociada de nossa vida comum. É assim que vemos a personagem principal de A festa de Babete, que questionada no fim do filme de ter gastado todo o dinheiro que ganhara no preparo de suas iguarias gastronômicas, argumenta que é a vocação do artista é produzir o seu show.

De acordo com o psicólogo esse fluir não seria um estado fortuito, ao acaso. Mas poderia ser experienciado através da observação de oito princípios norteadores dessa experiência.

  1. Clareza de objetivos: O que quero realizar?

  2. Retornos Imediatos: Este ato pode me aproximar dos meus objetivos ou não?

  3. Combinar desafios da atividade com talentos da pessoa: O que tem que ser feito está em equilíbrio com o que eu posso fazer?( Quando está além = stress; e aquém = tédio)

  4. Foco: Minha atenção converge ou dispersa durante esta atividade?

  5. Estar aqui/agora: Consigo me desconectar dos problemas do cotidiano, do apego ao passado e da ansiedade frente ao futuro para estar inteiro nesta atividade?

  6. Sentir o controle da vida: Sinto-me constantemente aprendendo, crescendo, enfim desenvolvendo todo o meu potencial?

  7. Transcender a si mesmo: Sinto-me parte integrante de um todo harmonioso ou me sinto vulnerável e preocupado em demasia com o que as pessoas pensam de mim?

  8. Transcendendo o tempo: Sinto prazer com o que faço ao ponto de perder a noção de tempo?

Desde a década de 60, no início do movimento Transpessoal, Abraham Maslow já havia chamado a atenção para o estudo do que havia denominado de Peak Experiencies, ou experiências de pico. O êxtase nesses tipos de experiências apontariam para Maslow e um grande número de psicólogos uma gama de necessidades que seriam chamadas pelo próprio Maslow de metanecessidades.

Uma vez que algumas das vertentes anteriores da psicologia tinha se interessado pelos aspectos patológicos do indivíduo, os psicólogos do movimento transpessoal nascente estariam interessados pela saúde e bem estar ótimos, alguns dos quais a consciência pode expandir-se para além dos limites de eu e personalidade conhecidos (Walsh e Waughan, 1982).

Maslow havia ficado muito conhecido como teórico da motivação desenvolvendo sua teoria das necessidades básicas clássica nos estudos de administração e psicologia organizacional.

Harrison (1972), assim as reagrupa em termos de níveis de motivação:

Nível 1(manutenção ou existência material): Necessidades fisiológicas ou de segurança, para a sobrevivência.

Nível 2( relacionamento): necessidade de mutualidade e compartilha, englobando as necessidades sociais e de estima, cuja satisfação está na interação com as outras pessoas.

Nível 3( Crescimento): Necessidades do Ego , de auto-estima, autoconfiança, criatividade e auto-realização, enfrentando desafios que exijam utilização plena de capacidades e habilidades.

Entretanto muitos estudiosos, analisando a motivação, reposicionam-na em termos das necessidades de crescimento. Vejamos a opinião de uma catedrática do assunto:

O desafio maior da motivação consiste em liberar as energias das potencialidades para a autorealização, o crescimento como pessoa, a individualização, a integridade do ser. È um processo incessante, cuja direção já é satisfatória e um fim em si. (…) a própria atividade é agradável, sendo apreciada aqui e agora, sem a sensação de meio para um fim ou de mera preparação para o futuro. (Moscovic, 1995)

É o próprio Maslow quem aponta mais tarde o que chama de Metanecessidades, ou seja, necessidades que estariam igualmente presentes como as básicas mas que não poderiam ser satisfeitas enquanto aquelas não fossem preenchidas. Estas metanecessidades seriam necessidades transindividuais, éticas, espirituais. Alguns autores definem-na como a capacidade de perceber a interconexão de entre tudo. A possibilidade de uma visão ecocêntrica, humana e solidária.

A vida espiritual se encaixa, segundo Maslow no reino da natureza e não constitui um domínio distinto, oposto a ele. “Não é propriedade de teólogos e artistas. Pode e deve ser investigada por psicólogos, cientistas sociais e neurologistas quando essas ciências desenvolverem métodos adequados”.

Barret e Brian Hall asseveram 7 estágios de desenvolvimento do físico ao espiritual; 1)sobrevivência; 2)relacionamento e, 3)auto-estima (ambos no nível emocional; 4)Transformação (nível mental); 5) Vocação, 6)Interdependência e, 7)Sabedoria (espirituais). Os três últimos níveis se caracterizariam pela nossa capacidade de direcionar nossos talentos para a auto-realização e gerir conscientemente nossas vida emocional; pela possibilidade da vivência comunitária levando em conta as diferenças e interesse pela espiritualidade, pelo sagrado mais do que por religiões instituídas; e a pela capacidade de percepção da não-separatividade o que consiste em um esforço de desenvolver uma visão de sabedoria. A sabedoria, estágio último de consciência é assim sintetizada por Barrett e adaptado por mim:

  1. Responsabilização pelo todo: convicção de uma unidade por trás de todas as aparências.

  2. Importância do bem comum: desenvolver o sentido do compartilhar e cooperar.

  3. Igualdade: calcada na liberdade de expressão e de direitos;

  4. Respeito pela vida: Incluindo-se aí o ambiente em que vivemos e o ecossistema do qual fazemos parte;

  5. Amor incondicional: O Àgape grego, diferente de Eros, que se origina de um estado de plenitude interior livre de dependência, medo e expectativa.

Esse tem sido o escopo da Psicologia Transpessoal. Ao definir seu objeto como o estudo do desenvolvimento da Consciência, os psicólogos transpessoais perscrutam a capacidade humana de desenvolver-se alcançando níveis cada vez mais complexos de compreensão de si e do mundo. Susan Andrews, PhD, esclarece que no humano há um impulso intrínseco para a transcendência. Esse impulso se revela nas diferentes culturas e tradições religiosas como o Samadhi (hindu) ou a experiência do Satori no Zen-Budismo.

Retornado ao exposto no início deste texto sobre o estado de “Fluir”, percebe-se a semelhança entre os 8 pontos apontados pelas pesquisas e treinamento em meditação nas várias tradições espirituais. Para o psiquiatra Claudio Naranjo (1990:15) o avanço nas comunicações e a abertura cultural entre o Ocidente e Oriente coincidem com o despertar das necessidades espirituais, seja por uma insatisfação com formas culturais que respondem a necessidades humanas do passado, seja pela desilusão com os resultados do progresso técnico-científico. Daí decorreria um novo interesse pela meditação que a seu ver traduz como um treinamento para desenvolver uma presença, ou noutras palavras uma modalidade de como ser.

Em um trabalho célebre intitulado o Mal Estar na Cultura Freud proclama a impossibilidade de uma vez se constituindo como ser de cultura o indivíduo fluir (na acepção original: ser feliz) dentro da sociedade; uma vez as mesmas regras e interditos que funda e viabilizam a vida social, também lhe impedem de realizar seus desejos. Uma análise mais profunda das considerações deste que foi um dos grandes gigantes da alma no século XX, escaparia às pretensões deste texto. Entretanto, o aprendizado legado pelo Oriente à luz da moderna psicologia transpessoal apontam para novas estratégias de ser no mundo que se descortinam a partir das pesquisas e conseqüências extraídas dos estados holotrópicos de consciência (denominação de Stanislav Grof para os estados mais desenvolvidos de consciência).

Seria possível vivenciar a felicidade como um estado permanente de mudança. A grande dificuldade assenta-se na cristalização e apego aos momentos fugidios experienciados. Epicuro, já referia-se à responsabilidade quanto aos desejos e prazeres quando asseverava a necessidade do “conhecimento seguro dos desejos”. Nesse sentido numa perspectiva sistêmica a transpessoal retraça interconexidade eu/nós, indivíduo/sociedade/planeta. Brian Hall, assim resume essa perspectiva: “o mundo que antes era visto como um mistério sobre o qual eu não tenho controle, passa ser encarado como um mistério de que cuidamos numa escala global. O fluir, nos ensina o um clássico da literatura Taoísta, O I Ching, está em tudo:

“Após uma época de decadência vem o ponto de transição. A luz poderosa que tinha sido banido retorna(…) a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado e o novo introduzido. Ambos os movimentos estão de acordo com as exigências do tempo e , portanto, não causam prejuízos(…) O movimento é cíclico e o caminho se completa em si mesmo(…) Esse é o sentido do céu e da terra.”

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