Lovelock, guru ambiental, estimula a expansão da energia nuclear

 

Marco Evers James
 
Lovelock está atraindo a atenção novamente, com suas idéias provocativas. O ex-herói do movimento ambiental pediu o fim do “romantismo verde”. A única forma de adiar a catástrofe climática, diz o guru ambiental, seria uma enorme expansão da energia nuclear.

Há poucos dias, o físico teórico Stephen Hawking deu um discurso em Londres no qual disse que a guerra nuclear não é mais a única ameaça à existência da humanidade. De acordo com Hawking, os perigos impostos pela mudança climática são quase igualmente tão grandes e precisamos fazer tudo o que for humanamente possível se quisermos ter a esperança de evitá-los.

Quando James Lovelock ouviu falar da palestra de Hawking, a 350 km de distância em suas terras remotas perto de Cornwall, ele exclamou alto:

“Hawking está subestimando o perigo.”
 
Lovelock é químico, inventor, autor e guru ambiental visionário. Usando um detector inventado por ele, foi o primeiro a dar evidências da presença de hidroclorofluorcarbonos (Hcfc) que consumiam ozônio na atmosfera. Mais importante, Lovelock é o inventor da famosa “hipótese de Gaia”, que sustenta que o planeta (que ele batizou com o nome da deusa grega da Terra, Gaia) controla constantemente seus sistemas de terra, água e ar de uma forma que preserva a vida – quase como se a própria Terra fosse um organismo vivo.

Os pesquisadores inicialmente ficaram chocados com a natureza New Age de sua teoria. Mas agora suas idéias não só se tornaram uma base do movimento ambiental, mas também adquiriram um novo nome: “Ciência do Sistema Terra.”

O atual prognóstico de Lovelock para os habitantes da Terra é tão pessimista quanto provocativo. Ele está convencido de que o século 21 não será bom; alega que a mudança climática causada pela atividade humana vai devastar grandes trechos de terra e que até 2100 haverá apenas cerca de um bilhão de pessoas vivas – possivelmente metade disso.

Lovelock hoje tem 87 anos de idade e fica feliz em poder evitar esse futuro – apesar de ter nove netos. Algumas vezes ele se sente como um cidadão romano vivendo em torno do ano 480, vendo se apagar um império que era para ser eterno, ou como um médico dando um diagnóstico fatal. E é possível que às vezes goste de assustar seu público (ele é contratado para dar palestras no mundo todo) em seu papel de profeta do apocalipse. “Nem mesmo uma guerra nuclear”, diz Lovelock, “traria o nível de devastação mundial que o aquecimento global causará”.

Nada vai poder impedir a morte da Terra, diz ele, nenhum poder mundial, cientista, político ou consumidor que restrinja seus confortos, nem o comércio de emissões, nem a energia eólica, nem os biocombustíveis. Na melhor das hipóteses, será possível adiar a catástrofe por um tempo – primariamente pela expansão da energia nuclear.

Lovelock apresenta suas teorias audaciosas em seu chocante e envolvente “The Revenge of Gaia” (a vingança de Gaia) que será publicado em alemão em fevereiro. O cerne da mensagem de Lovelock é que a humanidade deve começar uma “retirada ordenada”, envolvendo planejamento e tecnologia, se quiser salvar seu bem mais precioso: a própria civilização.

Dificilmente um pesquisador ou político respeitado quer de todo coração adotar as previsões desse combativo octogenário. Afinal, o mundo civilizado está começando a seriamente abordar a necessidade de se proteger contra a mudança climática. A mudança climática foi um dos tópicos dominantes do Fórum Econômico Mundial da semana passada em Davos, Suíça. A chanceler alemã Ângela Merkel instou seus colegas a pensarem um novo tratado climático. O Protocolo de Kyoto vai expirar em 2012, mas ainda não há um tratado sucessor.

Em uma carta enviada ao presidente George W. Bush na semana passada, diretores de corporações globais, como General Electric, Dupont e Alcoa, instaram-no a apoiar medidas radicais para proteger o clima. Depois de se mostrar surdo ao problema por muito tempo, Bush subitamente começou a chamar a mudança climática de “sério desafio”.

Lovelock, o profeta apocalíptico, fica apenas moderadamente impressionado com esses esforços. Senta em seu escritório, localizado em suas terras, come biscoitos e bebe chocolate quente. O riacho do lado de fora costumava congelar quase todos os invernos, diz ele, mas isso não acontece desde 1991.

Recentemente foi iniciada a primeira plantação comercial de azeitonas na Inglaterra, e vinhedos também estão se estabelecendo. Escorpiões em breve serão indígenas em Kent, que sempre teve um clima ameno que tornava seus jardins famosos. Botânicos dizem que palmeiras e eucaliptos farão parte da paisagem da Inglaterra no futuro.

Lovelock acredita que o mundo precisa de líderes políticos diferentes, políticos dispostos a aceitar o inevitável e parar de fingir que podem fazer algo para impedir o aquecimento global.

Em novembro, a Agência Ambiental Britânica publicou uma lista de 100 pessoas que fizeram contribuições significativas para salvar o mundo. Lovelock, o Nostradamus de Gaia, é o quinto da lista, o que o coloca na frente de ativistas ambientais como Al Gore e Príncipe Charles. O presidente francês Jacques Chirac recentemente ofereceu-lhe um cargo em um comitê de clima da França. Lovelock irá para Paris em fevereiro.

No final desta semana, um evento ocorrerá em Paris que provavelmente aquecerá ainda mais o debate de aquecimento global. O Conselho Intergovernamental de Mudança Climática (Ipcc) apresentará seu quarto Relatório Mundial de Clima, o primeiro desde 2001. Na sexta-feira, o Grupo de Trabalho I do Ipcc apresentará um relatório baseado nos modelos científicos mais detalhados até hoje, que descreve como o clima vai mudar até 2100 e além.

Suas conclusões refletem um consenso entre mais de 2.500 pesquisadores e funcionários dos governos de mais de 130 países. Os membros do grupo de trabalho provavelmente discutirão o conteúdo do relatório até o último minuto, mas algumas de suas conclusões já vazaram.

De acordo com o grupo, não há mais dúvida sobre a validez do efeito estufa provocado pelo homem. Icebergs e geleiras estão derretendo, o nível do mar, subindo, e tanto o ar quanto os oceanos estão ficando mais quentes. Os climatologistas calcularam que a temperatura média na Terra até 2100 terá entre 2 e 4,5 graus Celsius a mais do que na era pré-industrial. O cenário mais provável prevê um aumento de 3 graus Celsius.

Nem tudo o que os pesquisadores do Ipcc relatam são más notícias. Eles fizeram uma correção surpreendentemente significativa para baixo de sua previsão de aumento nos níveis do mar até o final do século – de 88 centímetros para apenas 43 centímetros.

O cenário para o futuro mais distante é menos favorável. Os gases de efeito estufa lançados pela atividade humana durante o século 21 continuarão a causar o aumento dos níveis dos mares pelos próximos 1.000 anos, um reflexo de quanto tempo esses gases permanecem ativos na atmosfera.

No início de abril, o Grupo de Trabalho II do Ipcc vai analisar o que isso tudo significa para a vida na Terra. O relatório mais perturbador surgirá no início de maio, quando o Grupo de Trabalho III explicará tudo o que a humanidade ainda precisa fazer.

Lovelock está convencido de que no passado Gaia tentou consistentemente manter as condições de vida na Terra o mais constante possível. Apesar da radiação do Sol agora estar 30% mais intensa do que era quando o planeta nasceu, as temperaturas na Terra não aumentaram em 30%. A Terra, diz Lovelock, regula sua temperatura com um jogo entre terra, água, ar, plantas, bactérias e todos os animais. Mas subitamente foi confrontada com o que Lovelock chama de “epidemia humana”. Em outras palavras: com a derrubada de florestas e o cultivo agrícola, humanos privaram Gaia de seus mecanismos de reparo.

Gaia, diz Lovelock, foi tomada de uma febre que iniciou uma nova era geológica, uma na qual os efeitos desastrosos estão se auto-alimentando. Em outras palavras, está ficando mais quente porque está ficando mais quente. Algum dia, diz Lovelock, crocodilos estarão nadando no Oceano Ártico novamente, como fizeram há 55 milhões de anos.

“Nossa situação é similar à do barco cujo motor subitamente quebra pouco antes de chegar às cachoeiras de Niagara Falls. Qual é o sentido em tentar consertar o motor?” diz Lovelock. Para salvar o que pode, o mundo deve embarcar em um caminho completamente diferente, acredita. Mais importante, deve abandonar a noção de “romantismo verde”.

Lovelock ridiculariza as questões favoritas dos ambientalistas, como “desenvolvimento sustentável” e “energia renovável”, chamando-as de “absurdos bem intencionados”. Ele está convencido de que a energia solar e eólica nunca serão remotamente capazes de satisfazer as necessidades energéticas do mundo. Só na China, por exemplo, uma grande usina de carvão é colocada em operação a cada cinco dias, levando cargas adicionais à atmosfera. A única solução, de acordo com Lovelock, é a franca expansão da energia nuclear no mundo todo.

Uma fonte confiável de eletricidade é uma questão importante para a sobrevivência em um planeta mais quente, diz ele. Ele não perde o sono pensando nos riscos da energia nuclear. “Mostre-me as covas comuns de Chernobyl”, provoca. Poucos milhares de pessoas morreram depois do desastre de 1986 – um pequeno preço a pagar, diz ele, comparado com milhões que podem ser vítimas do CO2. Ele acrescenta que o lixo atômico, compacto, é muito mais fácil de controlar do que as 30 bilhões de toneladas de CO2 lançadas na atmosfera a cada ano pela queima de combustíveis fósseis.

“Verdes fanáticos” que confundem a energia nuclear com bombas atômicas, diz Lovelock, desacreditaram essa fonte de energia. As pessoas de bem, diz ele, estão preocupadas com resíduos de pesticidas nas bananas e com o elo entre telefones celulares e câncer, enquanto aceitam o envenenamento por CO2 como um mal necessário. “Elas coam os mosquitos enquanto engolem camelos alegremente”, diz ele.

Lovelock dá aos seus leitores alguma razão para otimismo. A humanidade, escreve, pode usar os instrumentos de tecnologia para amainar seu sofrimento. Por exemplo, engenheiros devem desenvolver motores a jato que possam tolerar traços de enxofre no querosene. De acordo com Lovelock, essa seria a forma mais fácil de lançar aerossóis de enxofre na estratosfera, onde refletiriam a luz do Sol de volta para o espaço, ajudando a esfriar a Terra. Outra opção seriam espelhos gigantes posicionados no espaço.

Ainda assim nada disso impedirá a progressão da doença do planeta, ao menos de acordo com o diagnóstico de Lovelock, que é fatal. Mas, como quase todos os profetas da calamidade, Lovelock não estará mais aqui para testemunhar a possibilidade de estar errado.

 

Tradução: Deborah Weinberg

 

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