Artigo publicado na íntegra na Revista “Sintonia Holística” – ano II, No. 11; e síntese publicada na Revista “Guia Lotus”, outubro de 2001
Presentes nas rosáceas dos suntuosos vitrais coloridos das milenárias catedrais européias, nos misteriosos calendários maias, nos mais longínquos monastérios tibetanos onde servem de suporte à meditação, no yoguismo tântrico como instrumento de contemplação, as mandalas são também encontradas nas mais antigas inscrições e desenhos da humanidade. Em tudo, elas representam a totalidade do cosmos e o lugar que o homem ocupa nele. Parece que os nossos ancestrais de todos os tempos sabiam intuitivamente que a estrutura fundamental do universo é uma mandala. Basta que observemos a natureza para identificá-las sob todas as formas, tamanhos e coloridos.
Intuitivamente, os nossos ancestrais sabiam que a estrutura fundamental do universo é uma mandala
A palavra “MANDALA”, no velho sânscrito, significa “o centro”, “o círculo mágico”, “o mistério”. É geralmente descrita como uma figura geométrica representada por um círculo sobre um quadrado ou vice-versa, mas pode ser também construída ou desenhada em forma de um círculo, um quadrado ou um retângulo, subdividido por quatro ou múltiplos de quatro, de maneira mais ou menos regular, incluindo-se ou não outras formas. Sua característica mais importante é que seu traçado é feito em torno de um centro, geralmente obedecendo eixos de simetria e pontos cardeais. Entretanto, seu contorno exterior não é forçosamente circular, mas dá a idéia de irradiar-se de um centro ou mover-se em direção a ele. Por isto, quando uma pessoa observa uma mandala tem a sensação de que ela se move e pulsa.
Um caminho em direção ao centro
Na Psicologia Moderna, o célebre psicólogo C. G. Jung, criador da Psicologia Analítica, ao estudar as mandalas orientais e sua utilização como instrumento de culto e de meditação, passou a desenhá-las, descobrindo o efeito de cura que elas exerciam sobre ele mesmo. Após anos de pesquisa e aprofundamento no conhecimento do psiquismo humano, ele passou a utilizar a construção de mandalas como método psicoterapêutico. Seus estudos o levaram a defini-la como um círculo mágico que representa simbolicamente o Eu ou Self – arquétipo da Unidade Interior.
Na Psicologia Analítica, a mandala é um círculo mágico que representa a Unidade Interior
Investigando o uso das mandalas nas tradições budistas, Jung descobriu que os conteúdos das mandalas tibetanas derivam dos dogmas lamaicos. Na doutrina dos lamas ou lamaismo, elas não têm significado particular porque são apenas representações exteriores. Para os lamas, a verdadeira mandala é sempre “uma imagem interior gradualmente construída pela imaginação ativa nos momentos em que o equilíbrio psíquico está perturbado, ou quando um pensamento não pode ser encontrado e deve ser procurado porque não está contido na doutrina sagrada”. Como são de grande importância enquanto instrumento de culto, as mandalas tibetanas geralmente contém, em seu centro, uma figura do mais alto valor religioso como, por exemplo, Shiva ou Budha.
Entretanto, como instrumento terapêutico, a mandala é utilizada, desde os tempos primitivos, pelos xamãs indígenas da América e aborígenes da Austrália que, ainda nos tempos atuais, as gravam e desenham em areia colorida. Também, místicos ocidentais e orientais de quase todas as culturas, ao longo de toda a história da humanidade, já utilizavam mandalas como “um caminho para reencontrar seu próprio centro”.
Mandalas Cósmicas
Existem, portanto, três tipos de mandalas: as de culto, as de meditação e as terapêuticas. Elas se diferenciam em função do seu uso e finalidade, mas também segundo o estado de consciência do indivíduo no momento da sua criação, isto é, estado de culto, de meditação, de cura terapêutica e de expansão da consciência, como instrumento de auto-conhecimento e transformação interior.
Entretanto, em nossas pesquisas com técnicas de Expansão de Consciência, identificamos o que Gilles Guattari denominou “mandala cósmica” – uma reprodução da dimensão cósmica da consciência da criação. As mais conhecidas “mandalas cósmicas” do mundo são criadas pelo francês Stefan Nowak.
A criação de uma “mandala cósmica” só ocorre num estado especial de consciência, chamado “estado visionário”, em que a pessoa se torna canal da consciência universal – que Jung chama de “arquétipo”, isto é, representação, no psiquismo individual, da parte herdada da psiquê coletiva. Esse chamado “estado visionário”* pode ser alcançado através da “consciência expandida”, mas a sua manifestação prática exige um intenso trabalho interior de auto-conhecimento e descoberta dos próprios potenciais de realização exterior.
No “estado visionário”, a consciência cotidiana do indivíduo se expande e, holograficamente, capta a dimensão cósmica da consciência da criação. Por isso, geralmente as “mandalas cósmicas” parecem explosões de luz.
A mandala cósmica é uma representação da dimensão cósmica da consciência da criação.
Algumas pessoas procuram envolver a construção de uma “mandala cósmica” numa auréola mística, como se a pessoa que a produz fosse tomada por uma “energia especial” que dirige sua mão, independentemente da participação de sua mente, do seu ego, do seu psiquismo. Entretanto, como estamos vivendo a era do conhecimento, é preciso desmistificar, pois o estado de consciência expandida pode ser alcançado por qualquer pessoa que o queira.
A elaboração de uma “mandala cósmica”, isto é, no seu processo de criação, a pessoa, além do estudo e experimentação das cores, utiliza também instrumentos de medida, como compasso, régua e etc. E é exatamente por isso que ela é capaz de transformar a sua “visão cósmica”, captada num determinado instante do tempo, em uma obra de arte única, inédita e extraordinariamente perfeita. Esse tipo de mandala representa a ordem e a harmonia existentes no universo e durante o seu trabalho o psiquismo da pessoa se reestrutura internamente, unificando-se na dualidade. Isto significa simplesmente que a construção de uma “mandala cósmica” nos ajuda a liberar as nossas forças interiores de auto-cura, pois esse processo é capaz de desencadear em nós a ordem e a harmonia no lugar do caos.
Um novo e significativo todo
Portanto, além de possibilitar o auto-conhecimento e a conquista da unidade interior/exterior, reconciliando e integrando os opostos, o trabalho com mandalas traz, também, como conseqüência, uma vida simbólica mais intuitiva, mais criativa e individualmente mais livre, pois ajuda a pessoa a entrar em sintonia com seu potencial interior, aceitando e enriquecendo seu imaginário.
Para se realizar uma mandala é preciso aprender a perceber a idéia que vem de dentro e integrá-la à percepção exterior, tornando-a visível através de uma representação gráfica construída intuitivamente ou desenhada com instrumentos. O foco da atividade é a auto-expressão do inconsciente, quando a pessoa reúne diversos elementos de suas experiências pessoais. O resultado final é um novo e significativo todo.
Ao construir uma mandala, a pessoa expressa a sua criatividade, reinventando-se e reconstruindo-se na direção de um novo e significativo todo.
Sendo representação exterior de imagens do mundo interior que obedece a uma dinâmica de reestruturação constante, as mandalas são sempre “individualmente diferentes” e nenhuma se parece com outra, sendo impossível reproduzi-las, mesmo pelo seu próprio autor. Isto porque, ao construir uma mandala, a pessoa vivencia sua criatividade, expressa-se através dos seus próprios meios, construindo os próprios códigos, reinventando o que já existe e criando novos caminhos, pois a auto-expressão é também um caminho de construção e reconstrução do sujeito.
Portanto, seja qual for a técnica utilizada em sua construção – individual ou em grupo, seja qual for seu uso ou finalidade – estudo, meditação, auto-conhecimento, todo trabalho com mandalas contribui para a harmonia e o equilíbrio da consciência em evolução.
*Para maior compreensão do que é “estado visionário”, leia o artigo “Expansão de Consciência”, sub-título: o sono nosso de cada dia.