Símbolos e Sonhos

Todas as noites quando dormimos, um grande palco descortina-se e desenrolam-se enredos e dramas dos mais inusitados. Temos oportunidades de vivenciar estórias fantásticas, partes não vividas de nós mesmos, diversificados papéis, aventuras, romances, podemos travar batalhas, viajar no tempo para o passado e futuro, para outras civilizações, ou planetas, para o centro de nós mesmos. É possível realizar fantasias e desejos reprimidos em estado vígil, experienciar situações aterradoras. Podemos ser vítimas e algozes , vencedores e perdedores, gerar a vida, matar e experimentar a morte, e tudo isso com bastante realismo. As reações e alterações físicas que podem se manifestar durante um sonho não deixam dúvidas quanto a isso. Num pesadelo por exemplo, aumentam os batimentos cardíacos e a freqüência respiratória, podemos apresentar sudorese. Acordar é um imenso alívio.

Na história, nos mitos, na religião, antropologia, sociologia, arte, temos inúmeros registros de sonhos como mensageiros de divindades, influenciando e determinando a conduta de governantes, de comunidades, inspirando artistas e cientistas, profetizando grandes acontecimentos.

Nas sociedades primitivas os sonhos eram tão importantes que a primeira atividade do dia era compartilhar os sonhos coletivamente. Nas culturas da antigüidade edificavam-se templos próprios para sonhar, pois conferia-se aos sonhos um poder de cura, uma fonte de verdades profundas. A visão de mundo baseada no sistema de valores Newtoniana / Cartesiana, onde só é real o que pode ser explicado e comprovado por leis mecânicas, relegou os sonhos ao âmbito da subjetividade, da irracionalidade, não merecendo portanto serem levados em consideração.

Freud em 1900 recupera o valor do sonho ao dimensioná-lo como realização de desejos e um caminho para a compreensão do inconsciente. Jung amplifica a importância do sonho no processo psicoterápico ao conceituá-lo como mensageiro de cura, sabedoria intuitiva do inconsciente, mecanismo de auto- regulação da psique, expressão do inconsciente coletivo.

Na psicologia Transpessoal , a interpretação de sonhos é bastante utilizada na prática clínica. Os vários personagens que neles aparecem, em suas variadas ações, revelam partes do próprio sonhador, a forma como ele está conduzindo sua vida, e principalmente, os estados de consciência presentes.

Segundo Sri Aurobindo( nascido em Calcutá em 1872, o grande renovador da yoga e fundador de uma escola filosófica) durante o sono manifesta-se uma consciência onírica mais ampla, diferenciada que dedica-se a novas atividades interiores. Quanto mais cultivamos o nosso ser interior, mais os sonhos ganham realidade e significado.

Na atualidade inúmeras pesquisas têm sido realizadas em relação a sono e sonhos e comprovam, o que há séculos, os primitivos já sabiam. Esclarecem que os sonhos são necessários para a manutenção da saúde e equilíbrio emocional. Pessoas que são impedidas de sonhar manifestam instabilidade, dificuldade de concentração, ansiedade e agressividade.

Os sonhos, na concepção de Jung, expressam um “auto-retrato espontâneo, em forma simbólica, da real situação do inconsciente”( Obras Completas 8). Evidenciam uma situação específica e imediata de nossa vida. Os vários personagens colocam em foco as várias “personalidades” que coabitam em nós e compõem a nossa totalidade. As imagens, e personagens do sonho devem ser consideradas como partes do sonhador e de sua dinâmica interior. São mensageiros, mediadores entre o consciente e o inconsciente.

Os sonhos têm por finalidade compensar unilateralidades e parcialidades da consciência, revelar problemas, atitudes, ações e reações do sonhador. Têm como objetivo oferecer os caminhos para a solução dos conflitos, fornecendo respostas criativas, inspirações. Estimulam também novos potenciais. São fonte de informações, orientação, conhecimento. Os sonhos também corrigem distorções, fazem advertências, sinalizam e prognosticam os perigos e conseqüências decorrentes de fixações em determinados estados de consciência limitantes. Eles permitem ainda, o resgate de memórias pessoais e coletivas bem como antecipar acontecimentos futuros, ( sonhos de percepção extra-sensorial).

Podem ser recorrentes, com temáticas repetitivas, o que significa que a mensagem que o sonho deseja revelar não foi ainda codificada. Referem-se a conteúdos que evitamos, não compreendemos ou ignoramos, ou que não fizemos nada para solucionar. O inconsciente insiste em oferecer oportunidades de consciência, enviando mensagens, procurando um símbolo mais acessível, e que o sonhador aceite . Uma vez que o conteúdo tenha sido integrado à consciência, deixa de ser repetido.

É característica dos sonhos expressarem-se em imagens e em linguagem simbólica. L. Stein ( junguiano 1973) nos esclarece que símbolo provém das palavras gregas sym, ou seja, comum , junto e balon, aquilo que foi lançado. Portanto símbolo refere-se a união de coisas que têm algo em comum. Também é definido como imagem significativa. Jung concebe símbolo como a melhor apresentação possível para um conteúdo psíquico relativamente desconhecido, que não pode ser descrito por uma única palavra ou idéia, que não está podendo ser compreendido e integrado à consciência. O que já foi plenamente decodificado e compreendido deixa de ser símbolo e torna-se sinal.

Os símbolos possuem uma dimensão individual e coletiva, universal. Costumam surgir em momentos de conflito ,de tensão entre opostos, quando nos sentimos perdidos ou confusos por não estarmos sabendo conduzir uma problemática interna ou externa. A função do símbolo é fornecer esclarecimentos sobre a situação presente, bem como soluções, através de sonhos, fantasias, imagens. Favorecem a síntese dos opostos, a integração de aspectos inconscientes. Têm portanto uma finalidade curativa, auto-reguladora e de amplificação de consciência.

Muitas pessoas atualmente já estão conscientes da importância e do valor dos sonhos e habituaram-se a anotá-los sistematicamente estando ou não em um processo psicoterápico. Muitos já se comportam diante dos sonhos de forma ativa. Antes de dormir fazem pedidos de sonhos anotando com bastante objetividade a pergunta que desejam ter respondida por ele. O desafio que se apresenta então, é interpretar os símbolos que podem surgir. No intuito de atender à essa necessidade muitas revistas, livros e dicionários têm se disponibilizado a introduzir, e orientar o leitor na interpretação, oferecendo significados que podem ser tomados por pesquisadores despreparados, como estanques, fixos, automatizados, e definitivos, descaracterizando assim a definição de símbolo.

É importante esclarecer aos leitores que buscam o auxilio de dicionários de símbolos que, interpretar é mais do que decodificá-los isoladamente. Interpretar pressupõe apreender e respeitar todo o contexto do sonho em seus detalhes, conhecer a situação consciente do sonhador na época em que ocorreu o sonho e ter acesso às associações por ele realizadas. Ainda que determinado símbolo possa sugerir um significado, cada indivíduo pode atribuir a este, um outro, bastante diferente e particular. As amplificações dos sonhos a partir das dimensões mais coletivas e universais dos símbolos podem ser valiosas, desde que efetuadas após o sonhador ter feito suas associações pessoais e desde que seja capaz de estabelecer a relação entre o símbolo coletivo e sua vida, no momento presente.

A análise de apenas um sonho, pode não fornecer muitos esclarecimentos. Por isso é interessante poder analisar uma série de sonhos. Pode-se então confirmar hipóteses ou fazer correções. Um teste para se saber se a interpretação funcionou é observando se possibilitou uma mudança na atitude consciente.

Na verdade a interpretação de símbolos quer em sonhos, fantasias ou imagens é facilitada quando se tem conhecimentos multidisciplinares, mas como nos esclarece Jung, a arte de interpretar prescinde de métodos, normas, e livros. Não podemos deixar de contar é com sensibilidade, com os nossos registros e conexões a partir da experiência de vida, intuição, criatividade, bem como disponibilidade e ousadia para adentrar no novo e desconhecido com respeito, e ética.

Dormir é a senha para o encontro consigo próprio, para a mobilização de energias curativas, para adentrar em inúmeros portais. Considerar e compreender os sonhos reflete uma atitude de acolhimento e respeito às mais variadas expressões e manifestações do ser, em todos os estados de consciência possíveis.

Denise Ribeiro Gonçalves
Psicóloga com formação em análise Junguiana
e psicologia Transpessoal

Bibliografia

CHEVALIER, Jean, GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1986.
JUNG, Carl. Tipos Psicológicos. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976
SAMUELS, Andrew, SHORTER, Bani, PLAUT, Fred. Dicionário crítico junguiano. Rio de Janeiro: Imago, 1988.
SAMUELS, Andrew. Jung e os pós junguianos. Rio de Janeiro: Imago, 1985.
TANNER, Wilda. O mundo mágico e maravilhoso dos sonhos. São Paulo: Pensamento, 1993.
WALSH, Roger, VAUGHAN, Frances. Caminhos além do ego. São Paulo: Cultrix, 1997.

 

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