Matrix Revolutions

Igual aos anteriores, esse também continua a revelação, ou seja, velando novamente antigos ensinamentos numa linguagem nova. Essa linguagem nova está nos elementos tecnológicos do mundo moderno: a Realidade Virtual e a interconexão global advinda pela Internet. Mas enquanto no primeiro filme a questão principal era sobre o que é, afinal, a realidade, e no segundo vem à tona a discussão se temos realmente o livre-arbítrio (a questão da escolha), esse terceiro mostra a interconexão entre as várias dimensões da realidade, do macrocosmo e do microcosmo. Além disso, mostra a apoteótica finalização da jornada do arquétipo do herói: o “sacrifício” próprio em prol do salvamento da humanidade. “Sacrifício” esse muito bem recompensado: a ILUMINAÇÃO. Assim, o lado filosófico, sutil e profundo, permanece de alguma forma velado e poucos o verão e divulgarão, mas me acompanhem novamente e vejamos…

 

 

 

 

Vimos antes que Matrix tem um significado oculto: “Ma” indica Maya, que significa ilusão em sânscrito, e “trix” indica três (as três ilusões que, segundo o hinduísmo, ocultam a realidade: a ilusão física, a ilusão psíquica e a ilusão espiritual). Neo no primeiro filme atinge a Libertação, termo budista que denota a propriedade de se adquirir o discernimento do que é real e do que é ilusório. Neo, embora dentro da Matrix, está livre de suas regras: por isso os seus poderes. Neo pode levitar e voar, parar projéteis de arma de fogo e possui habilidades e velocidade inimagináveis a um homem comum preso à ilusão da Matrix. O Hinduísmo chama a esses poderes de sidhis, obtidos por quem atinge a plena consciência da ilusão de Maya: o poder de fazer milagres.

Revolutions começa mostrando que a luz verde que forma a ilusão da Matrix é formada por uma luz dourada mais sutil. O filme permanece a maior parte do tempo mostrando a existência de uma outra realidade e de outras dimensões e planos além do mundo físico material, ou seja, além do mundo humano da Matrix. A existência de portais dimensionais dentro da Matrix, às quais somente alguns programas têm a chave, já tinha sido mostrada em Reloaded (lembrem-se do Keymaker – o Chaveiro – e de Seraph – o protetor do Oráculo). Mas em Revolutions esses planos dimensionais são detalhados e fica claro a existência da interação entre eles através de meios de comunicação, como um simples telefone (Seraph liga para Morpheus dentro da nave), algo como a transcomunicação dos espíritos defendida pelos espíritas.

Até então tínhamos o plano dito “real” em que vivem as máquinas e os humanos de Zion, e os mundos virtuais e ilusórios da Matrix com seus vários planos escondidos em que habitam as mentes humanas, os processos mentais inconscientes delas (as sombras, as máscaras, as crianças, os arquétipos, todos os “eus”, etc.) e inúmeros programas: os programas construtores de formas na Matrix, os soldados da Matrix, os agentes, e os programas velhos, ultrapassados ou que não tinham alguma função específica, destinados a serem deletados, mas que se escondem desse destino sob o amparo de Merovinginan. Desses planos escondidos podemos citar o Clube Hel de Merovingian, o “limbo” do Trainman, o aposento do Keymaker, a casa do Oráculo e os corredores sem fim que levam de um a outro aposento, que vimos em Reloaded. Então podemos dividir o mundo da Matrix em um mundo humano e num mundo inferior dos programas, com várias dimensões.

Acima do mundo das máquinas há a Fonte (o mainframe da Matrix), responsável pelo controle das próprias máquinas, do nascimento, vida e morte dos humanos colonizados, e de toda a estrutura ilusória da  Matrix, incluindo o Oráculo e o Arquiteto. Lembrem-se de que o Oráculo disse a Neo em Reloaded: “A Fonte é o fim do caminho do Predestinado”, ou seja, o fim da evolução humana. Assim, vemos que a Fonte é a origem de todos os programas que projetaram, planejaram e criaram cada detalhe da Matrix. Ou seja, a Fonte criou o Arquiteto (o Yang), o Oráculo (o Yin) e as máquinas (os Devas), e eles planejaram e criaram a estrutura da Matrix (com todos os seus programas) e o mundo de Zion. A filosofia arcana chama às máquinas e aos programas construtores de devas ou elementais criadores de formas, formas energéticas com missões específicas de criar os quatro elementos (terra, água, ar e fogo) e todas as formas vivas do Universo. Inclusive os próprios planetas, sóis e galáxias têm seus Devas construtores e mantenedores.

Nos mundos inferiores dos programas, notamos que cada sub-plano também tem o seu próprio deus (deva) criador e mantenedor, como no caso do mundo do Trainman: “Eu construí esse lugar… Aqui em baixo eu sou deus…”. Essas dimensões têm o nome genérico de plano astral: morada de todas as negatividades, emoções, pensamentos lógicos e devas construtores. Incluem-se também nesse plano os humanos em seus corpos astrais após a morte de seus corpos físicos.

Reloaded termina quando Neo usa os poderes, que paulatinamente vinha desenvolvendo no mundo “real”, para parar os sentinelas. Vemos em Revolutions, que sua mente fica aprisionada no mundo de Trainman. Por que!? Simples…

A explicação vem do próprio Oráculo, quando ela responde a Neo: “o poder do Predestinado vai até a Fonte”. Ou seja, o limite do poder do Predestinado é o limite do poder da Fonte, da mesma forma que o poder de todos os Avatares provêem de Deus. Aqui, para a sabedoria arcana, a Fonte é a “Ideação Cósmica” (O Mundo das Idéias), a base inteligente da Natureza, Seu pensamento, a “Alma do Mundo” ou o Verbo Criador (Viraj para os hindus). Esse Verbo Criador, a terceira pessoa da Santíssima Trindade ortodoxa, o Cristo (Jo 1:1-18), é a verdadeira Luz, a Vontade pura, a Divindade Manifestada. Ele é o OM dos Upanishads, o Aum dos Vedas que se tornou a palavra sagrada Hum dos tibetanos, Amin dos muçulmanos e AMÉM (“seguro, fiel” em hebraico) dos egípcios, gregos, romanos, judeus e cristãos: “a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus” (Ap 3:14).

Então, quando Neo usa parcela desse poder, de forma precipitada, pois seu ser ainda não estava preparado para tamanha manipulação energética, sua mente desce do nível da Fonte para os níveis inferiores do inconsciente. Aqui cabe um adendo. Em nosso inconsciente habitam diversas parcelas energéticas que a psicologia atual conhece e estuda: nossa criança, nossa sombra, etc., e Neo entra em contato com sua criança Sati. Com histórias semelhantes, Neo se vê em Sati quando percebe que ambos tiveram que partir de seus mundos originais às pressas, deixando tudo para trás. Compreende-a e quer ir junto com ela, mas não pode, ainda.

Preso nesse mundo inferior, somente com autorização de Merovingian poderia Neo deixar esse lugar (o MOBIL AVE). Grandes são os poderes de Merovingian nesses mundos. Quem é afinal esse programa? Em Reloaded, Merovingian se declara o inimigo do Oráculo. E dessa forma defende e afirma que tudo está predeterminado e que existe somente uma verdade: “existe uma só verdade final: a lei de causa e efeito”. Ávido por poder, afirma que saber os porquês é ter poder. E ele sabe, é o conhecedor. Em gregos a palavra para sábio, ou conhecedor, é daemon. Isso mesmo, chefiando o seu clube Hel, está o Demônio do Merovingian, o inimigo conhecedor dos porquês, que não vê as “coincidências” (sincronicidades), mas apenas as “conseqüências”.

Aliás, nem o Oráculo nem o Arquiteto são capazes de prever as conseqüências da lei de causa e efeito. Segundo o Oráculo, ela não pode ver além das escolhas e o Arquiteto somente vê as variáveis, às quais ele tem que solucionar, uma por uma, a fim de “equilibrar a equação”. Merovingian busca os porquês, o Oráculo que já sabe os porquês (as escolhas feitas) desestabiliza as equações (gerando a oportunidade de novos porquês – novas escolhas) e o Arquiteto procura estabilizar as equações, cuidando de cada nova variável surgida após o desequilíbrio gerado pela nova escolha.

Em sua entrevista com o Oráculo, Neo descobre, afinal, que Smith é o seu negativo. O próprio Smith se coloca, no primeiro filme, como a antítese da humanidade, como a cura para o mal representado pela maior de todas as criações de Deus na Terra: o ser humano. Se Neo é o Cristo, Smith é o Anti-Cristo; se Neo é o homem, Smith é a sua Sombra. Só Neo pode destruir a sua própria Sombra, mas ele ainda acha que a sua vitória está na destruição de sua Sombra. Nossa Sombra sempre cresce se estamos inconscientes dela. Smith adquire mais e mais poderes, à medida que, no desconhecimento de seus atos por Neo, invade e possui todos os seres lançando, a partir de suas próprias mãos, um manto negro sobre o outro e transformando-o em uma cópia sua, mais poderosa que a si mesmo. E assim ele se apodera da criança de Neo (Sati), da porção intuitiva de Neo (O Oráculo), a quem ele sempre procurava nas horas de dificuldade, e até do protetor dessas suas partes inconscientes (Seraph). Apenas sua porção feminina permanece junto com ele (Trinity).

Enfim, de volta à nave, Neo tem novamente visões das três linhas de energia que levam à Fonte (os três Nadis principais da coluna vertebral por onde a ascensão da Kundalini se faz – sushumna, ida e pingala) e descobre, sem ajuda do Oráculo, o que deve fazer: ir à cidade das máquinas. Aliás, todo oráculo (cartas, búzios, tarot, etc.) só diz o que se quer ouvir, e a verdadeira intuição brota do mais íntimo de nosso ser. E é o seu íntimo que lhe diz que essa é a sua última viagem e que sua companheira o acompanharia até o fim. Permanecem dúvidas, incerteza e medos, mesmo se sabendo que é o mais certo a se fazer.

Mas sua Sombra o acompanha, na surdina pois Neo ainda não está plenamente consciente de todas as suas facetas e ardis. Smith, mascarado e disfarçado como Bane, continua a atrapalhar Neo e termina por deixá-lo cego. Sem a visão nesse plano astral o inesperado acontece: Neo passa a ver o mundo causal de luz, “a matriz ideativa para os corpos astral e físico” segundo Paramahansa Yogananda (1.893-1.952). “Posso ver você!” Neo vê sua própria Sombra, no plano de luz, na pessoa do agente Smith, como se fosse um espírito ocupando o corpo de Bane. O mundo astral, em que as máquinas e Zion têm existência, é formado por uma linda luz dourada.

E Neo segue sua viagem, se utilizando de sua visão causal, seguindo as três linhas de energia na cidade das máquinas e descobre que elas levam ao topo de uma montanha (o chakra coronário?). Mas o pior estava por vir. Diante dos seres que tentam impedir sua ascensão à Fonte, ele utiliza seu enorme poder mental para paralizá-los e após incorporar um sentinela em seu corpo (da mesma forma que fez quando entrou em Smith no primeiro filme), descobre que Smith já está presente nesse plano. Sua Sombra continua acompanhando-o, cada vez com mais poder.

Numa manobra arrojada sobe acima das nuvens, onde o Sol brilha inalterado ante o drama terrestre, e desce em direção ao topo da montanha. Trinity morre, mas sua missão continua: “fiz tudo o que podia, agora você tem que fazer o resto”. E Neo segue seu caminho, em visão causal, até se deparar com o “deus das máquinas”, o dono e rei da cidade:

– Só peço para dizer a que vim!

– Fale!

– Smith fugiu de controle e eu sei como detê-lo!

– EU POSSO… NÃO PRECISAMOS DE NADA… O QUE VOCÊ QUER?

– Paz!

– E se você fracassar?

– Não fracassarei…

E Neo luta com sua Sombra: Smith. Todos os “eus” de Smith, que são os próprios “eus” inconscientes de Neo possuídos por sua Sombra (toda a Criação está em mim e estou em toda a Criação – paradigma holográfico), estão presentes, assistindo à luta de seus próprios opostos. Luta inglória que nunca terá um vencedor que destrua o seu oponente. Smith com o poder dado pelos “olhos do Oráculo” sabe que irá derrotar Neo, mas não sabe que isso será a sua própria derrota, pois ninguém pode ver além de suas próprias escolhas: 

– Porque continua lutando, acredita que está lutando por algo mais além de sua própria sobrevivência? Não pode vencer. Por que persiste?

– Porque é a minha escolha.

De repente Smith vê a própria vitória e sente um inesperado e incrível medo e recua. Neo fala: “por que você tem medo? Você estava certo. É inevitável”. E Smith lança seu manto negro sobre o corpo de Neo e acontece: a luz vence as trevas. Nenhuma Sombra será mais a mesma quando é trazida à luz da consciência. Finalmente Neo toma consciência plena de todos os seus aspectos inconscientes e, crucificado, se torna um Iluminado. Seu corpo astral é recolhido pelas máquinas, envolto em luz dourada. E o milagre acontece: toda a humanidade é salva através do sacrifício de seu Redentor e todos os seres, programas que foram possuídos por Smith, se vêem livres.

Mas as surpresas continuam. No diálogo final entre o Arquiteto e o Oráculo se admite que toda mudança é perigosa e que após a Iluminação de Neo todos os que quiserem se libertar da Matrix terão a autorização do Arquiteto. A Iluminação de um ser facilita a trajetória de todos os outros. Um Sol foi então feito por Sati e nasce para lembrar Neo (qualquer semelhança com a festa pagã romana do Natalis soli invicte celebrada no solstício de inverno, não é mera coincidência), para lembrar o dia em que a Luz venceu as Trevas – o Natal.

Enfim, o Oráculo afirma que a sua verdadeira natureza não é saber (natureza de Merovingian) mas sim acreditar. Acreditar é a única forma de se conseguir energia para as mudanças. Mudança, risco de dissolução do sistema, imprevisibilidade e caos são as características do Oráculo. É uma das Leis da Criação. A busca de ordem, harmonia, estabilidade e determinismo são as características do Arquiteto. É outra Lei da Criação. O Yin e o Yang, aspectos do Tao: a Fonte.

 

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