Bruno Rodrigues Parahyba
5º Semestre de Medicina na Universidade Federal do Ceará
Professora Eliane,
A Medicina já não é mais a mesma, os valores morais das ciências médicas têm sido sobrepujados pelo tecnicismo e pela aquisição da superficialidade nas relações humanas, incluindo-se aí a relação médico-paciente, que cada vez mais tem-se deteriorado com o tempo. A Medicina como arte de curar e confortar tem tido sua imagem deturpada pelo excesso de egoísmo e austeridade de muitos profissionais de saúde no trato de seus pacientes, o que é exemplificado quase que diariamente nos corredores de muitos hospitais públicos de nosso país.
Os Médicos têm perdido muito de sua essência individual, e muitas vezes suas crenças e seus valores pessoais, que progressivamente vem sendo substituídos por modelos comportamentais baseados na educação estritamente técnica e qualificada do mundo contemporâneo, aonde qualquer forma de interação sentimental entre médicos e pacientes muitas vezes têm sido vetadas e rechaçadas do ambiente clínico e hospitalar. É como se o corpo humano agora fosse uma máquina, que ao apresentar defeito, necessita de reparo, e caso contrário, é rejeitada para não atrapalhar a linha de produção e os lucros futuros. Essa organização hierarquizada e sistematizada de trabalho nos remete a uma idéia: será que estamos diante de uma reedição do clássico modelo Taylorista do século 20 aplicado ao campo da Saúde?
É notória a crise enfrentada pela Medicina iniciada desde meados da década de 70; basta visitarmos um hospital de média ou alta complexidade da rede pública de saúde do nosso país, lá encontraremos pacientes rotulados por números de prontuário e não mais por nomes, iremos nos deparar com as condições quase que subumanas aos quais esses pacientes, na maioria das vezes, estão submetidos, e nos restam as seguintes dúvidas quanto a isso; estariam os médicos totalmente isentos de culpa?, ou seria uma culpa restrita apenas aos nossos governantes e na sua forma de governar?.
Acredito que os problemas da Medicina são bem mais profundos, arraigados ainda na formação acadêmica dos futuros médicos. No ambiente universitário já existe uma certa tendência de substituição dos modelos sentimentais e “piegas” dos valores humanitários médicos por aqueles modelos centrados em conhecimentos estritamente técnicos e científicos. A sensibilidade das relações humanas é muitas vezes substituída por “checklists” entregues aos estudantes ainda no início de aprendizagem da prática clínica, o que contribui para a formação de futuros profissionais médicos totalmente incapacitados em lidar com vidas humanas e com sentimentos tais como medo, angústia, dúvida e perda, que são inerentes à fragilidade humana e aos nossos pacientes.
Outra questão extremamente relevante que tem sido deixada de lado nas atividades curriculares dos estudantes de medicina e dos futuros profissionais de saúde é a fé e a ajuda que a espiritualidade pode trazer em benefício de médicos e na sua relação com seus pacientes. É importante salientar que o ser humano é um ser complexo e multidimensional, é um ser espiritual com vertentes biopsicossociais, ou seja, deve ser respeitado pelo sujeito que vivencia seu processo de adoecimento e cura. Essa conscientização é fundamental pelos profissionais de saúde, especialmente pelo médico, que deve centralizar as atenções no paciente e em seus familiares e não em si próprio.
Devemos ter em mente que a espiritualidade não se restringe apenas ao aspecto religioso, ela é a consciência da existência de algo maior do que nós mesmos. É estar presente para o paciente integralmente, em uma conexão profunda, significativa, auxiliando-o em seu processo de cura. Devemos refletir acerca do sofrimento humano, e estar preparados para consolar e aliviar nos momentos mais difíceis, respeitando os valores, as crenças e atitudes, e as práticas espirituais individuais.
É necessário que façamos uma história espiritual dos nossos pacientes, conhecendo suas peculiaridades, religiosidade e crenças, e a importância dessas no processo de adoecimento e de cura. A escuta profunda e compassiva do paciente e de seus familiares também deve ser estimulada. A equipe dos profissionais de saúde deve dar abertura ao diálogo, dando oportunidade de se administrar o sofrimento e a esperança, para que a relação médico-paciente se torne mais amorosa, mais profunda e mais íntima, onde se conheça a força espiritual de toda a família. Deve se ter em mente que cada pessoa é única, e todas as ações devem ser individualizadas, respeitando-se incondicionalmente todos os credos e doutrinas religiosas.
Entretanto a realidade tem sido bem diferente, a imensa maioria dos médicos e profissionais de saúde não utiliza dessas atitudes em suas práticas clínicas, e o que temos notado atualmente é o desrespeito e o descaso daqueles em relação aos seus pacientes. Os médicos perderam a Fé e passaram a confiar apenas em seu biopoder, e no tecnicismo oriundo dos progressos científicos. Os pacientes tornaram-se meros instrumentos de procedimentos técnicos e cobaias de novas drogas, e ficaram marginalizados ao cientificismo das novas práticas médicas. O contato mais próximo, e o simples diálogo entre médicos e pacientes têm cedido lugar à superficialidade das relações humanas em consultórios e hospitais.
Agora me pergunto foi por essa Medicina extremamente tecnicista que eu lutei incansavelmente durante quatro anos na época de vestibular? Será que o meu fascínio pela arte de curar e confortar foi perdido? Não me sinto mais seduzido pela prática médica? É claro que não, cabe a mim e à nova geração de estudantes o discernimento correto e necessário para modificar esses novos paradigmas que têm surgido, resta-nos a esperança das mudanças, cabe a nós agir desde agora para alterarmos essa visão deturpada da prática clínica. O fascínio permanece e a sedução também, pois o que nos impulsiona para isso vai além dos parâmetros meramente tecnicistas e dos novos modelos científicos contemporâneos, o que nos impulsiona é a arte de cuidar, a arte de salvar, a arte de ouvir, de sorrir, de refletir e de chorar, que jamais poderão ser substituídas, pois dependem apenas de nós, de nossa vocação e do ímpeto pessoal de dar o melhor de si para você mesmo e para o mundo que nos cerca, na tentativa de trazer alento e esperança de dias melhores para aqueles que sofrem e que necessitam de ajuda física e acima de tudo espiritual.