Meditação como Prescrição na Medicina

 Do original em http://www.estadao.com.br/saude/noticias/materias/2006/jul/07/74.htm

Medicina se rende à prática da meditação

terapia

São Paulo  – Em fevereiro, a agência do governo dos EUA responsável pelas pesquisas médicas (NIH, na sigla em inglês) reconheceu formalmente a meditação como prática terapêutica que pode ser associada à medicina convencional. Em maio, o Ministério da Saúde brasileiro baixou uma portaria em que incentiva postos de saúde e hospitais públicos a oferecer a meditação em todo o País.



Essas ações governamentais são sinais da tendência de encarar a meditação não simplesmente como prática de bem-estar, que faz bem apenas à mente e ao espírito. Parar diariamente alguns minutos para se concentrar e se desligar do turbilhão de pensamentos que ocupam constantemente a cabeça também ajuda a manter a saúde física.

“A meditação é diferente da medicina convencional porque quem cuida de você não é o médico. É você mesmo”, explica a médica anestesista Kátia Silva, que coordena as atividades de meditação no Hospital Municipal Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo. Na cidade, 70% dos postos de saúde oferecem atividades da chamada medicina tradicional, que inclui acupuntura, tai chi chuan e meditação.

Relativamente recentes, as pesquisas começaram nos anos 70. Uma pesquisa com a palavra meditação no acervo online da Biblioteca Nacional de Medicina, do governo americano, traz 1.400 estudos científicos.Entre outros benefícios, meditar previne e combate a depressão, a hipertensão arterial, a dor crônica, a insônia, a ansiedade e os sintomas da síndrome pré-menstrual, além de ajudar a reduzir a dependência de drogas.

Esses estudos mostram que a meditação reduz o metabolismo – os batimentos cardíacos e a respiração ficam mais lentos e o consumo de oxigênio pelas células cai. É isso que dá a sensação de relaxamento e tranqüilidade.

As mesmas pesquisas sugerem que prática também interfere no funcionamento do sistema nervoso autônomo, que é responsável, por exemplo, pela liberação dos hormônios noradrenalina e cortisol durante os momentos de stress. Em quem medita, a duração dessas “reações de alarme” são mais curtas. Dessa forma, a pressão do sangue e a força de contração do coração ficam alteradas por pouco tempo, comprometendo menos a saúde.

Apesar de serem evidentes os benefícios, a ciência ainda não consegue entender completamente como a meditação age no sistema nervoso. “Uma das dificuldades é o fato de não serem possíveis testes com modelos animais”, explica a bióloga Elisa Kozasa, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Segundo especialistas, mudanças podem ser sentidas logo nas primeiras semanas. A aposentada Maria Elza Lima dos Santos, de 60 anos, descobriu a meditação no Hospital Vila Nova Cachoeirinha. Ela vivia com crises de pressão alta, que passaram após quatro meses de práticas diárias. “Antes, eu era muito nervosa. A cabeça estava sempre cheia de problemas. Aí a pressão subia. Agora fico mais relaxada, sinto uma paz de espírito”, conta ela, explicando que no princípio teve dificuldades com a técnica. “Levei um mês para aprender a me concentrar.”

Na Trilha da Acupuntura – O obstetra Roberto Cardoso, autor de Medicina e Meditação – Um Médico Ensina a Meditar (MG Editores, 136 págs, R$ 26), diz que muitos profissionais de saúde ainda têm preconceitos. “Mas isso deve mudar. A meditação começa a trilhar os passos da acupuntura, que já é um recurso reconhecido pela classe médica.”

No Brasil, a instituição que mais estuda o tema é a escola médica da Unifesp, o que, segundo especialistas, ajuda a apagar a imagem religiosa e mística que normalmente se tem dos meditadores. A meditação não precisa ser necessariamente ligada a uma crença oriental.

Para que a meditação cumpra seu papel de medicina complementar e preventiva, o psicólogo José Roberto Leite, da Unifesp, explica que ela deve ser diária e constante. “É como comer ou fazer exercícios. Não basta uma semana para que você se mantenha saudável.”

Ricardo Westin

Complemento na Agência Estado (AE)

Não importa a técnica, os efeitos são os mesmos

Iogue, budista ou taoísta. A meditação provoca sempre os mesmos efeitos sobre o organismo, não importa qual seja a linha ou a técnica. Todas usam a concentração para manter o pensamento focado – pode ser um som (como um mantra), um ponto fixo ou a própria respiração. Com a mente fixa em algo, a pessoa não se perde no turbilhão de pensamentos que tomam conta da cabeça no dia-a-dia.
Normalmente as pessoas meditam sentadas. Mas há quem consiga fazê-lo caminhando e até lavando os pratos – o importante é a mente concentrada em algo.

Segundo especialistas, é possível aprender a meditar sozinho, mas o processo é mais fácil com um instrutor. Recomenda-se que a prática dure entre 10 e 20 minutos e seja feita uma ou duas vezes ao dia.
 

Governo americano reconhece meditação como recurso terapêutico

Recentemente, o instituto NCCAM (National Center for Complementary and Alternative Medicine), órgão ligado NIH (National Institutes of Health), similar ao Ministério da Saúde do Brasil, publicou um estudo com a posição oficial da entidade sobre a meditação. A técnica foi classificada como um procedimento de saúde. Para formular a tese, o órgão consultou diversos artigos médicos no mundo e incluiu o trabalho de pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) que define operacionalmente a meditação.

O dr. Roberto Cardoso, autor do livro Medicina e meditação – Um médico ensina a meditar (MG Editores), é um dos responsáveis pelo artigo da Unifesp. “É um ganho memorável para um grupo latino que consegue cunhar um artigo conceitual em saúde. Esse estudo deve nortear o conceito de meditação em novos trabalhos sobre o tema no futuro”, afirma. Para Cardoso, a meditação começa a trilhar os passos da acupuntura no sentido de se tornar um recurso terapêutico reconhecido pela classe médica. Desde 1979, a OMS (Organização Mundial da Saúde) estimula o uso da acupuntura no mundo.

Em sua terceira visita ao Brasil, em abril deste ano, o líder espiritual tibetano Tenzin Gyatso, o dalai-lama, defendeu mais pesquisas sobre o uso da meditação na saúde. Durante seminário no Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo, ele falou sobre compaixão, ciência e espiritualidade a um público de quase 4 mil pessoas, entre elas médicos e professores.

“Pesquisas investigam qual parte do cérebro é ativada quando se faz meditação unidirecionada, meditação baseada na compaixão ou meditação com ausência de pensamentos. Os neurologistas têm descoberto conexões interessantes entre esses diferentes estados mentais”, disse o dalai-lama.

Em novembro do ano passado, em Washington, o Dalai Llama abriu o mais prestigioso congresso de neurocientistas do mundo, o Neuroscience. Diante de 14 mil pesquisadores do cérebro, ele discorreu sobre as práticas de meditação tibetana e suas virtudes terapêuticas. Foi a senha para que, também no Brasil, acontecesse o encontro improvável da religião com a ciência. No dia 28 de abril de 2006, uma sexta-feira, a Universidade Federal de São Paulo co-realizou o seminário “Compaixão e Sabedoria – A Construção da Saúde Pessoal e Coletiva”.

Oito pesquisadores e professores da universidade foram os interlocutores do Dalai Lama em outras duas sessões: “Mente e Coração Abertos” e “Ciência e Espiritualidade”.

Polêmica

Nos Estados Unidos, o convite ao Dalai Lama para abrir o congresso científico rendeu polêmica. Pesquisadores (a maioria de origem chinesa) chegaram a cancelar sua participação no evento, alegando a impropriedade de misturar ciência e fé.

Criticaram o diálogo fraterno com o budismo, comparando-o à execração dos meios científicos com as teorias criacionistas, que possuem inspiração evangélica. Por que então dois pesos e duas medidas?

Assim o próprio Dalai Lama respondeu, durante a sua fala no Neuroscience: “Ao nível filosófico, tanto o budismo quanto a ciência moderna questionam qualquer noção de absoluto. Tanto o budismo quanto a ciência preferem explicar a evolução e a emergência do cosmos e da vida em termos de uma complexa inter-relação das leis naturais de causa e efeito”.

Segundo a pesquisadora Elisa Kozasa, 37, do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, a atual é a segunda onda de simpatia dos cientistas com a técnica oriental da meditação: “A primeira veio nos anos 70, no rastro da contracultura, quando a medicina tibetana era chamada de alternativa.”

Integração

Segundo o professor José Roberto Leite, também da Unifesp e praticante da meditação, a técnica conseguiu se incorporar ao arsenal terapêutico disponível para o tratamento de problemas como hipertensão, depressão ou pânico. “Está provado que funciona. Em vez de “alternativa”, fala-se, agora, em “medicina integrativa” ou complementar.”

É uma grande diferença. Antes, havia uma guerra de princípios opondo os alternativos e a academia. Hoje, é possível acender um incenso ao deus Prozac enquanto se medita em busca do equilíbrio perdido. Ah, também cabe uma terapia para quem quiser.


APROVADA A POLÍTICA NACIONAL DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES (PNPIC) NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

O uso de plantas medicinais, homeopatia, medicina tradicional chinesa (MTC) – acupuntura, termalismo (uso de águas minerais) e de outras práticas terapêuticas alternativas está autorizado nas unidades no Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério da Saúde (MS) normatizou, por meio da Portaria 971 de 3 de maio de 2006, do Ministério da Saúde, publicada na Edição 84 de 04/05/2006 do diário Oficial da União, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde.

Dentro da medicina tradicional chinesa (MTC), a portaria cita:

Ítem 1.1 (…) A MTC inclui ainda práticas corporais (Lian Gong, Ch'i Kung, Tuina, Tai Chi Ch'uan); práticas mentais (meditação); orientação alimentar; e o uso de plantas medicinais (fitoterapia tradicional chinesa), relacionadas à prevenção de agravos e de doenças, a promoção e à recuperação da saúde. (…)

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