O Absurdo e a Graça com Jean-Yves Leloup

O Conhecimento pela Diferença

Em outra entrevista, à revista Planeta, Leloup diz que ´Cada uma (religião) pode ensinar às outras a sua diferença, o que a distingue. Se todas as pessoas pensam iguais, então elas não pensam mais. O pensamento dos outros estimula o nosso pensamento. A maneira como os outros consideram o absoluto me permite relativizar minha própria maneira de considerar o absoluto. Isso me impede de construir um dogma e me leva a um conhecimento mais profundo.´ E explica: ´A ortodoxia é a tradição das origens do cristianismo. Inicialmente, o cristianismo era uma comunhão de igrejas. Havia a igreja de Jerusalém, a de Antióquia, a de Éfeso, a de Roma. Foi só no século 12 que a igreja de Roma se separou. As diferentes igrejas ortodoxas preservaram a tradição de comunhão e permaneceram unidas apesar das diferenças.´

Nessa mesma entrevista à Planeta, ao ser indagado sobre a sua concepção do que seria Deus, ele esclarece: ´Cada um tem sua religião conforme o seu nível de consciência. Nossa imagem de Deus é feita de acordo com o que a nossa consciência pode conter. É por isso que existem imagens de Deus muito infantis – Deus como uma grande mãe ou um grande pai, como uma fonte de segurança. Meister Eckhart escreveu que, para alguns, Deus é como uma vaca leiteira, algo que tem de suprir as nossas necessidades. Para outros, Deus é aquilo que coloca em ordem a sociedade humana e o universo, é a lei natural. Para outros, ainda, Deus é apenas uma palavra, e tudo o que podemos pensar de Deus não é Deus, mas apenas anossa representação dele. Por isso, quando usamos a palavra Deus, é bom saber do que estamos falando.

Ao longo da nossa vida pessoal, nossa imagem de Deus pode mudar. Aquilo que a gente aprendeu no catecismo, em outro momento ganha outro significado. O mais importante, claro, é a nossa experiência. O que quero dizer quando falo de Deus? Que experiências estão por trás dessa palavra? Para mim, essa é uma experiência de serenidade, de silêncio, de amor e de luz.´

Jean-Yves Leloup se autodefine como uma pessoa realista, que acredita que a época em que vivemos nos desafia a ficarmos lúcidos, a recusar todas as ilusões e distrações pelas formas. ´Devemos viver o dia vendo o dia, ao invés das coisas que aparecem no dia. Em latim, a palavra ´dia´ quer dizer dies, que, por sua vez, significa Deus. Essas palavras têm a mesma raiz, no latim. Então, ver o dia é ver Deus´. Segundo ele, produzimos muitas ilusões, desilusões e sofrimentos porque temos uma imagem idealizada de tudo: do mundo, de nós mesmos, do outro.
Para Leloup, a transformação do mundo começa pela transformação do ser humano, do próprio indivíduo que deve viver no momento presente, com inteireza. Trata-se, como diz ele, do caminho da atenção, commente, corpo e emoções no mesmo lugar, no mesmo instante. Uma vez, para a revista Bons Fluidos, ele esclareceu que em hebraico, a palavra paz é shalom, que significa ser inteiro. ´Nós não estamos em paz porque não somos inteiros. Muitas vezes a cabeça quer dominar tudo, desconfia do coração e dos sentidos. Algumas vezes é o sexo que sobe à cabeça e se sobrepõe à razão e ao sentimento. Não é fácil essa integração, mas podemos tentar juntar a intuição e a razão,qualidades masculinas e femininas, trabalho e descanso em nossas rotinas´.

Ele cita as palavras de Buda: ´Se quiser conhecer sua vida anterior, esteja atento para o que você é e faz hoje´, lembrando que “aquilo que você é hoje é o resultado do que você foi. Se você quiser conhecer a sua vida futura, esteja atento para o que você é e faz hoje. Porque o que você é hoje constitui a origem do que virá mais tarde. Há também as palavras de Cristo: ´Não olhe para trás e não se preocupe com o futuro, mas faça bem aquilo que você tem de fazer no momento presente´”, ressaltando que estar no ´centro´ nos ajuda a atravessar as dificuldades da existência.

E o silêncio! Sim, devemos igualmente cultivar o silêncio para entrarmos em contato com ´o que não tem forma – a origem de todas as formas´.

Assim, inteiros, presentes e observando o silêncio, seria então ´possível estar aberto a uma percepção mais verdadeira de tudo o que nos cerca´, inclusive reverter o desencontro entre homens e mulheres, o conflito nas relações e a solidão que caracterizam os dias atuais.

Segundo Leloup ´temos medo de amar, pois, se amamos, arriscamos a vida. O medo de morrer é proporcional ao medo de viver. Alguém que não tem medo de viver, sobretudo, alguém que não tem medo de amar, não tem medo de morrer. Hoje, décadas depois da Revolução Sexual, podemos ter mais liberdade, no entanto, ainda não encaramos o sexo como um ritual divino – e isso também é fundamental para reconquistar a inteireza de corpo, mente e coração. Amar supõe maturidade para não consumirmos o outro, como se fôssemos grandes bebês, sugando matrizes de afeto. E também conhecer a si mesmo, estar sozinho sem tristeza ou ansiedade. Antes de amar alguém é preciso se aceitar e reconhecer os próprios limites; não há amor sem humildade. No Cântico dos Cânticos, uma ode ao amor, escrita por Salomão, no Velho Testamento, o Bem-Amado diz à Bem-Amada: ´Se não fores quem tu és, como, pois, poderemos nos encontrar?´.

Sobre a Lei da Atração, que levou o livro O Segredo, de Rhonda Byrne, a alcançar um significativo sucesso de vendas, Leloup é prudente, acha que antes de praticar o poder do pensamento, a questão é o homem saber o que é realmente bom para ele. ´Um antigo provérbio diz que, quando Deus quer punir alguém, Ele cumpre todos os seus desejos´, brinca. E lembra, “o Pai-Nosso diz: ´Que seja feita a Vossa Vontade´. Eu quero isso, tá, mas será que isso será realmente bom para mim? Que seja feita a vontade da Vida. Que seja feita a vontade do Amor, pois muitas vezes nossos desejos são egoístas”.

 
Instado a falar sobre as transformações e responsabilidades individual e social na entrevista à Planeta, Jean-Yves diz que há uma interpenetração do individual e do social. ´Quando me preocupo com a sociedade, eu me transformo; se fizermos paz em nosso próprio interior, poderemos fazer a paz no mundo. O que Jesus fala é que o reino está dentro e fora, e eu acho que esse é o segredo do amor. Porque o amor é aquilo que o ser humano tem de mais interior e, ao mesmo tempo, ele, o amor, tem conseqüências no mundo exterior. Não há oposição entre o que é interior e o que é exterior. Cada um deve seguir aquilo que o espírito lhe inspira. Para alguns, é através da ação que se ama. Para outros, é através da meditação ou da oração. A ação e a contemplação são como os dois olhos em um mesmo olhar. Às vezes o amor nos convida à interiorização. Em outros momentos o amor nos leva a agir, a produzir. A única condição necessária é que façamos todas as coisas a partir do melhor de nós mesmos. Não se deve comparar a ação de Madre Teresa com a ação de um eremita dentro de sua gruta. Cada um age da sua maneira pelo bem-estar da humanidade´.

Saiba mais
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
CANETTI, Elias. Auto-de-Fé. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1982.
DUARTE, R.& FIGUEIREDO, V. Mímesis e expressão. Belo Horizonte:Editora UFMG, 2001.
LE GOOF, Jaques. O Deus na Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
VERNIANO, Sebastião Hermes. Navegando pelos sermões de Padre Vieira. São Paulo:Anhembi Morumbi, 2004.
VIEIRA, Pe. Antônio. Obras completas – sermões. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1959. 

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