O Mergulho no Inconsciente e na Superconsciência

2. MEDITAÇÃO/CONTEMPLAÇÃO

 “Sem a oração, a reflexão, a meditação, quem nos estimulará a amar este Senhor [Jesus Cristo]”  92:49.

Santa Teresa d’Ávila (1.515-1.582)

 

“Sentar e esquecer: abandona-se o corpo e elimina-se a audição e a visão. Evitam-se as formas e a experiência. É como penetrar num lugar imenso”  27:24.

Chuang Tsé

 

É a arte de se viver no presente: a arte da plena atenção. A qualificação mínima à meditação é ter um corpo humano. Meditar, muito simplificadamente falando, começa com o concentrar da mente (Manas inferior) em algo, ação física desempenhada principalmente pela área pré-frontal do cérebro humano. Aqui vemos o conceito necessário e imprescindível a qualquer caminho psicológico/espiritual: a atenção. Divagar e deixar os pensamentos se sucederem desordenadamente não é meditar. Meditação implica abstração: focar a concentração em um único objeto (que pode ser qualquer coisa) e retirar, abstrair a sua essência ideativa, o seu significado mais profundo. Mas a verdadeira meditação, como veremos, tanto começa como se estende para além desse ponto.

Meditação (ou contemplação) não é o mesmo que o Quietismo (Cf. no Volume 1, nas “DOUTRINAS CONSIDERADAS HERÉTICAS À IGREJA CATÓLICA ROMANA”), doutrina defendida por Miguel de Molinos (1.640-1.696), que pregava a negação de toda a atividade mental, emocional e física. Normalmente, não se consegue passar mais de três segundos e meio com um único foco de pensamento 84:61. Só quem tenta concentrar a mente em um só ponto, por pelo menos doze segundos, ou não pensar em nada, sabe que é necessário um imenso esforço da mente, da vontade e do corpo para isso. Para Satyananda, mestre da Yoga Integral, a verdadeira concentração (dharana) ocorre quando há uma contínua percepção de um objeto por doze segundos. Para ele, meditação (dhyana) ocorre quando a percepção permanece por doze vezes doze segundos, o Sabija Samadhi em doze vezes doze vezes doze segundos e o Nirbija Samadhi em doze vezes doze vezes doze vezes doze segundos, ou seja 5h:46m:36s.

Vimos Einstein afirmando que o conhecimento humano é fruto de um salto da consciência para uma região desconhecida, para uma dimensão intuitiva, de onde ela retira uma tese que pode ser analisada e experimentada. Essa dimensão intuitiva é facilmente atingida por algumas pessoas, mas é duramente buscada por outras. Pode-se dizer que toda busca místico/religiosa é uma busca dessa dimensão, como passo inicial para se atingir o divino. Mas essa busca não deve demandar esforço excessivo, nem uso da vontade de uma forma autoritária, forçando a busca, sob o risco de se deparar com perturbações físicas e mentais.

“Não deixe a mente esquecer-se de seu trabalho, mas deixe que isso ocorra de modo natural”  27:76.

Meng-tzu (século VI a.C.)

Hoje em dia as pessoas estão procurando a meditação como uma forma de obtenção de saúde física e bem estar psicológico, emocional e mental. A felicidade, como meta da humanidade, está sendo, cada vez mais, buscada no local certo: dentro de si mesmo e não nas coisas exteriores. O conselho do Cristo está sendo cada vez mais seguido: “Não ajunteis tesouros na Terra… mas ajuntei tesouros no céu” (Mt 6:19s). Para os budistas atingir o céu é chegar ao Nirvana, e o Nirvana é um estado mental. O céu está dentro da nossa mente.

Existem diferentes tipos de contemplação/meditação. A devocional, presente em todas as religiões devocionais (Bhakti-yoga), consiste em concentrar-se na recitação de preces sagradas (como os Salmos bíblicos ou o terço católico, a Shahada muçulmana ou os mantras budistas e hindus) ou na entoação de cânticos de louvor (os sankirtans dos hindus). A recomendação rabínica (como de todas as outras tradições) a esse respeito é que a Shema, ou qualquer outra oração judia, deve ser recitada tendo-se em mente a kavanah, a intenção.

A contemplação/meditação analítica usa o poder de concentração para resolver problemas racionais insolúveis (como nos koans da meditação Zen), contemplar e refletir sobre as verdades universais e leis espirituais (como na Jnana-yoga ou na Teosofia), ou analisar nossos pensamentos, sentimentos e atitudes (como no Pathwork). Há também a contemplação/meditação em imagens visuais imaginadas ou visualizadas fisicamente (as visualizações criativas), a contemplação/meditação na ação (Karma-yoga e Bushido), a meditação que visa à total entrega e passividade do ego, anulando-o como forma de que o Divino flua livremente e a contemplação/meditação no vazio interior.

A vida interior contemplativa sempre esteve presente em todas as tradições. Na tradição judaica, a meditação é ensinada a muito poucos sendo inacessível para a maioria, segundo explica o rabino Jonathan Omer-Man, de Los Angeles. Na história da Igreja Católica ficou relegada ao segundo plano, ficando restrita à vida das freiras, monges e padres (principalmente os franciscanos, jesuítas, carmelitas e dominicanos), enquanto ao povo restou a oração devocional. Mas a oração devocional é apenas uma das práticas contida no conjunto de práticas e exercícios contemplativos. O Novo Testamento cita evidências claras de que a vida meditativa era uma regra no início do cristianismo: “compenetrado no temor do Senhor” (II Cor 5:11), “arrebatados fora dos sentidos por Deus” (II Cor 5:13)…, “arrebatado ao 3o céu…, arrebatado ao paraíso, e lá ouviu palavras inefáveis, que não é permitido a um homem repetir” (II Cor 12:1-4).

Os “Exercícios Espirituais” de Santo Inácio de Loyola (1.491-1.556) são um exemplo de exercício meditativo cristão dividido em quatro semanas, ou séries reflexivas 56:11. A parte correspondente à primeira semana trata da purificação dos pecados, bem como da morte e do julgamento dos homens. Os exercícios da segunda e terceira semanas referem-se à profunda contemplação da existência, tendo sempre como modelo a vida de Cristo. A última representa a busca de uma íntima união com Cristo. Na meditação franciscana a devoção é o ponto principal. São Francisco diariamente entrava na madrugada murmurando: “Meu Deus e meu Tudo”. Tomás de Kempis (1.380-1.471) já se referia a essa prática como “exercícios de piedade” (IC II: 1-7), meditação ou contemplação.

Essa prática milenar está sendo reintegrada à vida cristã leiga. Desde que o monge beneditino inglês John Main (1.926-1.982) criou a célula inicial da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã, seu atual instrutor espiritual, o também monge beneditino Laurence Freeman, está divulgando pelo mundo as vantagens da vida meditativa como maneira de promover a paz. Cada pessoa é uma representação da humanidade e, dessa forma, pela interdependência entre todos nós, cada mudança individual leva à mudança do todo.

“Primeiro conserva-te em paz, e depois poderás pacificar os outros. …Tem, pois, principalmente zelo de ti, e depois o terás, com direito, do teu próximo”.

Tomás de Kempis (IC II,3:1)

Para o budismo, a meditação é a forma de desenvolver uma visão interior que livre o praticante de todos os condicionamentos, levando-o a ver todas as coisas na sua verdadeira natureza, sem nome, sem rótulos, sem conceitos, enfim, sem apegos. É a forma de alcançar a perfeição em vida, através da purificação e compreensão do que é Real, do que é a Verdade. Pela meditação, o homem consegue livrar-se da relatividade dos fatos e compreender a verdadeira natureza da existência, ficando livre de todas as ilusões.

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