Uma Visão Transpessoal do Desenvolvimento Humano
(resumo esquemático do livro homônimo do autor)
1. Quem é Ken Wilber
2. Os Arcos da Vida
2.1. Níveis de Consciência
2.1.1. O Ninho do Ser (matéria > vida > mente > alma > espírito > Espírito Não-Dual)
2.1.2. Subconsciência, Autoconsciência e Superconsciência (estágios pré-pessoal, pessoal e transpessoal)
2.2. Fases de Desenvolvimento
2.2.1. Arco para Fora (“a história do Herói – a história da terrível batalha para libertar-se do sono subconsciente, da imersão na matriz primeva da pré-diferenciação”.) > “psicologia do desenvolvimento” > Baldwin, Dewey, Tufts, G.H. Mead, Broughton, Jung, Piaget, Sullivan, Freud, Ferenczi, Erikson, Werner, Hartmann, Arieti, Loevinger, Kohlberg…
– Pleroma (“o eu pleromático”) > neonato > “não existem objetos de qualquer espécie” > “o eu e o ambiente físico são uma só e a mesma coisa” > Piaget: “Nas fases iniciais, o mundo e o eu são um só; não há distinção entre esses termos… o eu é material, por assim dizer” > Loevinger: “Não se pode dizer que o bebê, ao nascer, possua um ego. Sua primeira tarefa é aprender a diferenciar-se de seu ambiente” > Koestler: “Freud e Piaget, entre outros, enfatizaram o fato de que o recém-nascido não diferencia o ego do ambiente. Ele tem percepção de acontecimentos, mas não de si mesmo como entidade separada… O universo está enfocado no eu, e o eu é o universo – um estado que Piaget denomina consciência ‘protoplásmica’ ou ‘simbiótica’.” > adualismo > pré-espacial > pré-temporal > percepção desprovida de espaço, tempo e objeto (mas não de acontecimentos) > Ferenczi (analista): “onipotência incondicional” > Fenichel: …que “persiste enquanto não existir nenhuma concepção de objetos” > perfeição pré-pessoal, paraíso da ignorância original > estado anterior à Queda
– Uroboros > serpente mítica que, comendo a própria cauda, constitui uma massa auto-suficiente, pré-diferenciada, em estado bruto, ignorante de si mesma > Neumann: “… estado pré-ego” > noção de fronteira (“outro urobórico” ou “entorno urobórico”) > início da fase oral > Neumann: “uroboros alimentar” > estado pré-Queda > Psicanálise: fase da “onipotência alucinatória mágica”, “o bebê acha que só precisa desejar alguma coisa para que apareça” (Fenichel) > o medo primordial e opressivo, pela simples razão de reconhecer um outro – o outro urobórico; junguianos, freudianos e os kleinianos interpretam esse medo como oral – o medo de ser engolido, engolfado e aniquilado pelo outro urobórico (muitas vezes na forma do “seio mau”); como a uroboros pode “engolir” o outro, teme para si o mesmo destino > desenvolvimento cognitivo nos estágios iniciais da esfera sensório-motora
– Corpo-ego (“o eu tifônico”) > tífon, na mitologia, é meio humano e meio serpente > envolve aspectos da uroboros alimentar, anal e fálico
§ Corpo axial-prânico (físico-emocional) > percepção do corpo físico como diferente do ambiente físico (4 a 6 meses) > reconhecimento de objetos, mas apenas objetos presentes > 3° a 5° estágio da inteligência sensório-motora (Gardner) > emoções muito rápidas, abreviadas > medo da “perda do seio” > cisão: “seio bom” (Eros) e “seio mau” (Tânatos) > princípio do prazer-desprazer e o impulso da sobrevivência imediata
§ Corpo-imagem > inicia por volta do 7° mês (Arieti) > envolve aspectos do nível axial-prânico, anal e fálico > surgimento da capacidade de criar imagens mentais > “constância dos objetos” > objetos podem ser imaginados > presente extenso > o primeiro objeto de todo indivíduo é a mãe (Blum) > os objetos são percebidos como idênticos quando compartilham predicados ou partes salientes > classe de objetos se confunde com objetos membros da classe (uma caverna = uma caixa = um útero = uma xícara pois todos esses objetos têm “concavidade” ou “abertura”) > um objeto pode ser a totalidade da classe e a totalidade da classe pode estar inteiramente em um único objeto > aí ocorrem os fenômenos de “deslocamento” (um objeto “transforma-se” em outro) e “condensação” (toda uma classe de objetos reduz a um único objeto) > imagem – evocação do mesmo tipo de emoção – prolongamento da emoção – estruturação do desejo – satisfação do desejo – redução da ansiedade
– Afiliação-cognição (“o eu da afiliação”) > aparecimento da linguagem > Wilber: a estrutura profunda de qualquer linguagem inclui uma determinada sintaxe de percepção e, na medida em que adquire a estrutura profunda de sua língua materna, o indivíduo aprende a fazer uma síntese mental de um determinado tipo de realidade descritiva e, assim, percebê-la como se estivesse incorporada na própria estrutura da língua” …a estrutura de sua língua é a estrutura de seu eu e o “limite de seu mundo” (Wittgenstein) > ampliação da noção de tempo, expansão da emoções, formas elementares de autocontrole reflexo e princípios de afiliação (Castañeda) > estágio pré-causal (Piaget), pré-lógico (Freud), animista (Ferenczi), palavras e pensamentos mágicos (Ferenczi), paleológico (Arieti), linguagem autista (Sullivan), “linguagem esquecida da infância” (Lacan) > Bertalanffy: “chegamos então à fase mágica, na qual a experiência animista ainda perdura, porém com um importante acréscimo: o ser humano adquiriu o poder da linguagem e de outros símbolos. No entanto ainda não faz distinção nítida entre o símbolo e o que ele designa. Portanto, de alguma forma o símbolo (p. ex., o nome ou outra imagem) é a coisa, e a manipulação da imagem simbólica – como por exemplo pronunciar o nome da coisa com a devida cerimônia, pintar os animais que serão caçados, e assim por diante – confere poder sobre os objetos em questão. O selvagem, o bebê e o neurótico regredido têm uma série infindável de rituais para exercer esse controle mágico”. > a criança aprende a transformar e assim criar seu fluxo de percepções de acordo com a descrição do grupo ao qual é filiada > Wilber: …o aparecimento da mente verbal é simplesmente um exemplo clássico de uma estrutura superior que tem a possibilidade de reprimir todas as inferiores, e isso pode levar às mais desastrosas conseqüências > com a linguagem a criança pode, pela primeira vez, criar uma representação de uma série ou seqüência de fatos, começando a construir um mundo de enorme extensão temporal > “o homem adquire pela primeira vez a noção de passado e futuro” (Arieti) > “a fala introduz uma função extensa de previsão, pois os acontecimentos podem ser planejados no mundo das palavras” (Blum) > “A faculdade da fala transforma… o pré-pensamento em pensamento lógico, organizado e mais regulado” (Fenichel) > elaboração de uma percepção transitória do eu que leva a um longo período de pesadelos na criança > aspecto positivo: a seriação verbal permite restringir o tempo e fazer a síntese mental de um mundo de afiliação e transitoriedade, ela também contribui para a capacidade cada vez maior de retardar, controlar, canalizar e adiar suas atividades, que de outra forma seriam impulsivas e incontroláveis (Wilber) > “A fala… acelera o pensamento consciente e a conseqüente capacidade de retardar a descarga motora” (Ferenzi) > Jung: “essa reação retardada e desemocionalização ocorrem paralelamente à cisão do arquétipo em grupos de símbolos” > ou seja, nesse estágio o eu aprende a “dividir um amplo conteúdo em aspectos parciais, vivenciando-os aos poucos, um após outro”, isto é, em sucessão linear, no tempo (Wilber) > Neumann: “se o aparecimento de um arquétipo não é imediatamente seguido por uma ação instintiva, tanto melhor para o desenvolvimento da consciência, porque o efeito dos componentes dinâmicos-emocionais é perturbar ou até impedir… a consciência” > por meio da palavra e do pensamento, a criança internaliza as primeiras proibições e exigências dos pais, cria assim aquilo que tem recebido várias denominações: “pré-consciência” (Fenichel), “moralidade do esfíncter” (Ferenzi), “superego moral precoce” (Rank), “pré-superego”, “precursores do superego”, “ética visceral” ou “mãe interior” > os medos específicos desse estágio são o medo da perda do corpo (fezes) e o medo da mutilação do corpo > Wilber: “Por intermédio da linguagem e suas estruturas simbólicas, sujeitas ao tempo, pode-se adiar a descarga imediata e impulsiva de impulsos biológicos simples. O indivíduo já não está totalmente dominado pelas exigências do instinto, mas pode, até certo grau, transcendê-las. Isso significa, simplesmente, que o eu está começando a diferenciar-se do corpo e a surgir como um ser mental, ou verbal ou sintático.” > WiIber: “…à medida que o eu mental faz sua aparição e se diferencia do corpo (com auxílio da linguagem), ele transcende o corpo e, assim pode atuar sobre ele usando como instrumentos suas próprias estruturas mentais (pode retardar as descargas imediatas do corpo e adiar as gratificações instintivas usando inserções verbais). Ao mesmo tempo, isso permite o início da sublimação das energias sexuais-emocionais do corpo em atividades mais sutis, complexas e evoluídas.
– Ego inicial e intermediário/persona
A criança desloca sua identidade central da esfera tifônica para a esfera verbal e mental… o raciocínio linear, conceitual, abstrato, verbal e consensual penetra firmemente em todos os elementos da consciência. O resultado final é que o eu deixa de ser apenas uma auto-imagem ou constelação de auto-imagens passageiras e amorfas, ou uma simples palavra ou nome, para ser uma unidade de ordem superior de conceitos auditivos, verbais, dialógicos e sintáticos, a princípio muito rudimentares e tênues, mas que se consolidam rapidamente (Wilber) > Enquanto a uroboros era um eu pré-pessoal, enquanto o tífon era um eu vegetal, enquanto o eu da afiliação era um eu de nome-e-palavra, a essência do ego é a idéia do eu, o eu-conceito. O ego é o conceito de si mesmo, ou uma constelação de conceitos de si mesmo, juntamente com as imagens, fantasias, identificações, lembranças, subpersonalidades, motivações, idéias e informações relativas ou ligadas ao conceito do eu separado. Assim, um “ego saudável”, na expressão da psicanálise, é um “conceito do eu” mais ou menos correto, que leva devidamente em conta as diversas tendências, freqüentemente discordantes, do ego (Wilber) > …(esse estágio), cujo início é semelhante à fase fálica (ou locomotor-genital) da psicanálise, também marca o aparecimento definitivo do superego propriamente dito… O superego é um conjunto internalizado ou introjetado, auditivo, verbal-conceitual de sugestões, ordens, exigências e proibições, em geral, assimiladas dos pais… não tanto o pai isoladamente que é internalizado, mas sim a relação entre o pai e o filho… > Na medida em que o indivíduo se identifica com seu ego (eu conceitual, de diálogo) ele fica “preso ao roteiro”, ou programado pelas instruções internalizadas. Devemos a Berne, apoiado na descoberta de Perls, a pormenorização do modo como quase todos os aspectos do estado do ego podem ser revelados como “diálogo interno” – séries sintáticas de signos auditivos acompanhados por afetos e imagens… > Wilber: …sob a influência do superego e dependendo de todo o histórico dos níveis de desenvolvimento anteriores do eu, alguns afetos-conceitos são cindidos ou alienados (May), permanecem indiferenciados ou esquecidos (Jung), projetados (Perls), reprimidos (Freud), ou seletivamente filtrados da consciência (Sullivan). O indivíduo não fica com um conceito realista do eu, ou razoavelmente preciso e flexível, mas com um conceito fraudulento, um eu idealizado (Horney), um ego fraco (Freud), uma persona (Jung) > Wilber: ego inicial (4 a 7 anos), ego intermediário (7 a 12 anos) e ego tardio (12 até início do Arco para Dentro – raramente antes dos 21 anos)… a persona não é necessariamente uma estrutura patológica… uma pessoa pode, e deve, possuir várias personae – a persona do pai, a persona do médico, a persona do marido… a dificuldade começa quando uma determinada persona (como por exemplo o “bom moço não agressivo”) se fortalece e domina o campo da consciência, de modo que outras personae legítimas (como por exemplo a persona “da agressão saudável” ou “da assertividade”) não conseguem entrar na consciência… > Wilber: (surge assim)… um ego mental razoavelmente coerente (em geral entre os 4 e 7 anos de idade) que se diferencia do corpo, transcende o simples mundo biológico e que portanto pode, até certo ponto, atuar sobre o mundo biológico usando os instrumentos do simples pensamento de representação. Toda essa tendência se consolida com o aparecimento (por volta dos 7 anos) do que Piaget chama “pensamento operacional concreto” – um pensamento que pode atuar sobre o mundo concreto e sobre o corpo, usando conceitos. > Na época da adolescência – a etapa do ego tardio/persona – … o eu começa a diferenciar-se do pensamento concreto… ele pode até certo ponto transcender esse processo de pensamento e, portanto, atuar sobre ele… Piaget denomina esse estágio – o mais elevado, segundo ele – “operacional formal”, porque o indivíduo pode atuar sobre o próprio pensamento concreto > …durante o período tardio do ego, além de normalmente dominar suas diversas personae, o indivíduo também começa a transcendê-las, a desidentificar-se delas… > …em cada grande estágio de desenvolvimento há o aparecimento de uma estrutura de ordem superior, identificação com essa estrutura e diferenciação ou desidentificação da estrutura inferior. Isso quer dizer uma transcendência da estrutura inferior, de tal modo que a estrutura superior atua sobre as estruturas inferiores, ao mesmo tempo que as integra.
2.2.2. Símbolos de Transformação
– …cada transformação é efetuada, ou no mínimo acompanhada, por algum tipo de estrutura simbólica > Neumann: “O caminho da evolução, que leva a humanidade da inconsciência para a consciência, é o caminho traçado pelas transformações e ascenção da libido” [que na psicologia junguiana não é a energia sexual, e sim a energia psíquica neutra em geral] > Jung: “o mecanismo que transforma a energia é o símbolo”. > …em cada fase da evolução uma estrutura simbólica adequada – que aparece naquele estágio – transforma cada modo específico de tempo no seu sucessor, e dessa forma dá o ritmo da ascensão da consciência… transformações semelhantes ocorrem na vida afetiva, motivacional e conativa do indivíduo… > transformações indicam mudança de nível, traduções indicam representações diferentes em um mesmo nível… > …sempre que a tradução malogra, segue-se uma transformação – que pode ser regressiva ou progressiva… > a tradução opera com signos, enquanto a transformação opera com símbolos > …com a repressão, porém, um aspecto do eu permanece em um nível inferior, não consegue se transformar adequadamente, portanto entra na consciência apenas como um símbolo e o indivíduo traduz mal a verdadeira forma de sua realidade atual. > p.ex: quando a agressividade do eu é fortemente reprimida durante a transformação da esfera tifônica em esfera do ego, a ascensão da consciência fica sustada com respeito a essa faceta do eu. Ou então, dessa etapa em diante, o impulso da raiva será mal transladado com respeito a qualquer estrutura profunda, que posteriormente recusará esse impulso… essa má translação significa que o indivíduo não consegue representar esses impulsos para si mesmo com signos adequados, mas apenas com símbolos e esses símbolos representam aspectos ocultos do eu que agora estão alojados em níveis inferiores de seu ser… > …(o impulso de raiva reprimido) pode ser diretamente mal traduzido ou deslocado para outras pessoas ou objetos. A raiva original também pode ser retrovertida ou transladada de volta para o eu, de modo que a pessoa já não sente raiva e sim depressão… ou a raiva pode ser inteiramente projetada, ou transladada na origem para outra pessoa, deixando o projetor com sentimentos de temerosa ansiedade, visto que não é ele, mas sim outra pessoa que agora parece ser hostil e estar zangada com ele. > …o sintoma da depressão não é senão um símbolo (ou metáfora, na acepção de Lacan) do impulso da raiva agora inconsciente ou integrado à sombra > para o próprio indivíduo, seu sintoma parece ser uma linguagem totalmente estranha… o sintoma da depressão causa-lhe total perplexidade… > …nesse nível o terapeuta ajuda o indivíduo a retraduzir o sintoma/símbolo para a forma original… (ele pode dizer) “o seu sentimento de depressão é sentimento mascarado de raiva e ira”… a tradução (ou interpretação terapêutica) continua até ocorrer uma transformação autêntica… de modo que o símbolo passa a ser signo e a raiva pode entrar na consciência em sua forma original – o que, por assim dizer, elimina o sintoma.
2.2.3. Arco para Dentro > escolas místicas do Oriente e Ocidente, hinduísmo, budismo, taoísmo, sufismo, cristianismo, platonismo…
– Ego maduro > no estágio tardio do (dos 12 aos 21 anos) o indivíduo, além de normalmente dominar suas diversas personae, tende a diferenciar-se delas, a desidentificar-se delas, a transcendê-las. Tende, assim, a integrar todas as suas possíveis personae no ego maduro – e começa então a diferenciar-se dele, para descobrir, pela transformação, uma unidade de ordem superior ao eu egóico.
– Centauro/existencial > O centauro: o grande ser mitológico com corpo de animal e mente de homem, que existe em perfeito estado de união. > Quando a consciência começa a transcender o ego-mente verbal, ela pode integrar o ego-mente com todos os níveis inferiores… como a consciência já não está identificada com nenhum desses elementos à exclusão dos outros, todos eles podem ser integrados: o corpo, a sombra, o ego – tudo isso pode ser reunido numa integração de ordem superior… esse estágio recebe diferentes denominações: “integração de todos os níveis” (Sullivan, Grant e Grant), “integrado” (Loevinger), “auto-realizado” (Maslow), “autônomo” (Fromm, Riesman). > …quando a pessoa atinge a estabilidade no nível do centauro, os elementos da personalidade bruta – o corpo, o ego, a persona, a sombra e os chakras inferiores – tendem a entrar em harmonia espontaneamente. Pois a pessoa está começando a transcendê-los, e assim deixa de manipulá-los e explorá-los compulsivamente. > esta é a fase descrita como autonomia, integração, autenticidade ou auto-realização – o ideal das terapias humanistas/existenciais, o estágio “superior” a que aspira a psicologia ocidental ortodoxa. > equivale ao nível 6 da pesquisa de James Broughton “a mente e o corpo são ambos experiências de um eu integrado” > “auto-realização”, termo introduzido por Goldstein e Karen Horney e popularizado por Maslow, Rogers e Peirls > Do centauro superior, existencial, não provém relutância alguma em relação ao presente – nenhum cantinho oculto de um eu que reclama de sua existência. Assim o indivíduo pode começar a agir no todo, como um todo. > a “vontade espontânea” é a do corpo-mente total, enquanto a segunda é a do ego (e superego) que se esforça e tem um propósito (…”um quê de ir contra e ao mesmo tempo a favor de alguma coisa” – Leslie Farber)
processo primário pré-verbal x imagem-visão transverbal: para a psicanálise, todo o simbolismo baseia-se apenas no corpo; “a teoria psicanalítica afirma que o objeto ou atividade simbolizada é sempre de interesse básico, instintivo ou biológico, e que a substituição ou deslocamento ocorrem sempre a partir do corpo” (Rycroft); “de acordo com essa doutrina, o inconsciente vê um pênis em todo objeto convexo e uma vagina ou ânus em todo objeto côncavo”; a psicanálise caiu nesse erro reducionista ao supor, com muito simplismo, que o que acontece primeiramente no desenvolvimento é sempre a mais básica, a mais fundamental e a mais “real” de todas as estruturas; para a psicanálise: primeiro = mais real, daí que todos os desenvolvimentos sucessivos são necessariamente simbólicos das primeiras experiências, “as mais reais”; assim poderia-se dizer que as plantas são símbolos do barro, porque o barro veio primeiro (!!); com essa simples falácia, a psicanálise garantiu à humanidade que jamais seria capaz de entender modos superiores de ser; imagem-visão transverbal = fantasia superior ou transverbal; a verdadeira autenticidade ocorre apenas quando o ser ingressa no plano transconvencional; a psicanálise trata somente das esferas ego/sombra/corpo > percepção alocêntrica (focada no objeto, do bebê) x autocentrada (focada no sujeito, do adulto) – Schachtel > no centauro superior a abertura à percepção alocêntrica ocorre por transcedência às estruturas verbais > tolerância à ambigüidade e capacidade de viver intensamente o presente são aspectos dos mais elevados estágios > o ego-corpo é dominado por sua “impulsividade”, “espontaneidade não controlada” ou “descarga imediata”, uma espontaneidade pré-verbal, pré-controle, pré-inibição, enquanto o centauro maduro exibe uma liberdade transverbal transcontrole, transinibição. > o nível transverbal não é transpessoal porque está ainda sujeito pelas formas normais de espaço e de tempo. > o centauro superior não é apenas a integração de ordem superior do ego, do corpo, da persona e da sombra; é também a grande transição para esferas superiores, sutis e transpessoais do ser.
(Todas as etapas anteriores) pertencem àquilo que as psicologias tradicionais chamariam de “esfera bruta”, além das quais se situam as esferas sutil e causal > denominações: sthula-sarira (hinduísmo), tiphareth (cabala), Nirmanakaya (budismo) > A esfera bruta, a Nirmanakaya – a esfera da consciência normal da vigília – é formada por todos os níveis que têm como base, centro ou referente final o corpo físico bruto e seus constructos do espaço e tempo normais > Tomados em conjunto, eles constituem a esfera bruta geral – o corpo-mente bruto do ego, corpo, persona, sombra e centauro.> não razão para crer que a evolução possível ao homem termine aí > toda filosofia perene aponta para um crescimento pós esfera bruta, transpessoal…
– Sutil > suksma-sarira (hinduísmo), Sambhogakaya (budismo) > a partir do sexto chakra (ajna), a consciência começa a tornar-se transpessoal. A consciência passa de transverbal a transpessoal. > sutil inferior inclui os planos astral e psíquicos > fenômenos: desdobramento, PES, siddhis psicofísicos diversos > o sutil superior começa no sahasrara (sétimo chakra) e abrange sete (ou mais) níveis de transcedência, diferenciação e integração de ordem extraordinariamente elevada (ver obras de Kirpal Singh – Nada Yoga e Shabd) > fenômenos: intuição religiosa, inspiração literal, bijamantra, visões simbólicas, luz azul, branca ou dourada, iluminações audíveis, visão de seres superiores, formas angelicais, ishtadevas e dhyani-Budas – formas arquetípicas elevadas do próprio ser (mesmo que a princípio e necessariamente pareçam “outro”) > vijnanamayakosa (hinduísmo), manas (budismo), Geburah e Chesed (cabala), supramente (Aurobindo), supermente (Emerson) > (na esfera sutil superior) está ocorrendo uma diferenciação e transcendência de ordem muito superior. Com a mediação de formas simbólicas arquetípicas superiores – as formas da divindade iluminadas ou audíveis -, a consciência trilha um caminho de transformação ascendente que leva muito além do corpo-mente bruto. Essa transformação ascendente, como todas as outras que estudamos, envolve o aparecimento (por meio da recordação) de uma estrutura profunda de ordem superior, seguido da mudança da identidade para essa estrutura de ordem superior e da diferenciação ou desidentificação das estruturas inferiores (no caso, o ego-mente). Isso resulta na transcendência das estruturas de ordem inferior (a mente e corpo brutos), o que permite que a consciência atue sobre todas as estruturas de ordem inferior, integrando-as. > No ápice, a alma se une, literalmente, à forma da divindade, ao dhyani-Buda, a Deus. A pessoa se dissolve na Divindade, como Divindade – aquela Divindade que, desde o início, é o próprio Eu ou arquétipo mais elevado.
– Causal > alayavjnana (budismo yogacara), ananda-mayakosa (hinduismo), pneuma (misticismo cristão), karana-sarira (vedanta), Binah e Chokmah (cabala), Dharmakaya (budismo mahayana) > o causal inferior corresponde ao savikalpa samadhi, auge da consciência de Deus, a morada final e mais elevada de Ishvara, o Criador de todas as esferas. > no causal superior, todas as formas manifestas são tão radicalmente transcendentes que já nem precisam aparecer ou surgir na Consciência. É a transcendência, a liberação total e absoluta na Consciência Informe, na Radiância Ilimitada. Aqui não há nenhum eu, nenhum Deus, nenhum sujeito, nenhum objeto à parte e além da Consciência > nirvikalpa samadhi
– Atman > sahaja samadhi, o estado Turiya, o Svabhavikakaya – a Unidade última, na qual todas as coisas e fatos embora permaneçam perfeitamente separados e isolados, são apenas Um.
Sempre que os psicanalistas depararam com um “estado intemporal de consciência”, sua conclusão imediata foi que se tratava necessariamente de um ressurgimento do Id material intemporal. A consciência eterna, assim, foi interpretada como um mero retrocesso aos modos instintivos, oceânicos e primitivos da consciência. Deus, nesse sistema, é apenas um sintoma infantil que precisa ser curado com urgência. > O pré e o trans só podem ser seriamente igualados por aqueles cuja investigação intelectual não vai além das impressões superficiais. Mas até esse tipo de mentalidade perder sua atração, a psiquiatria ortodoxa continuará a ver os santos como insanos e os sábios como psicóticos, revelando-se assim como um obstáculo orgulhoso e tenaz ao crescimento e à evolução da humanidade como um todo.
3. A Forma de Desenvolvimento
3.1. Uma estrutura de ordem superior emerge na consciência (com auxílio de formas simbólicas)
3.2. O eu se identifica com aquela estrutura superior
3.3. Em algum momento, surge a estrutura seguinte de ordem superior
3.4. O eu se desidentifica da estrutura inferior e transfere sua identidade essencial para a estrutura superior
3.5. A consciência, por conseguinte, transcende a estrutura inferior
3.6. E se torna capaz de atuar sobre a estrutura inferior, a partir do nível de ordem superior
3.7. De tal forma que todos os níveis anteriores podem ser integrados na consciência e, por fim, como Consciência.
Observamos que cada estrutura sucessiva de ordem superior é mais complexa, mais organizada e mais unificada – e a evolução continua até existir apenas Unidade, final em todos os sentidos, quando a força da evolução se esgota e há uma liberação perfeita de Radiância como todo o Fluxo do Mundo.
4. O Projeto Atman
4.1. O projeto Atman possui duas tendências ou movimentos aparentemente contraditórios: 1) “Cada etapa ou cada nível de crescimento busca a Unidade absoluta – a isso chamamos tendência Aman ou telos Atman.” 2) “Mas de formas e em condições que necessariamente impedem a consecução do objetivo” – a isso chamamos restrição Atman. O telos Atman é o lado positivo do projeto Atman (Eros). A restrição Atman é o lado negativo do projeto Atman (Tânatos). …Assim, Eros não consegue alcançar a verdadeira união, a Totalidade real, sendo em vez disso levado a procurar substitutos simbólicos do Todo perdido. …Eros, portanto, é a força que está por trás de uma série de atos – buscar, possuir, desejar, perpetuar, amar, viver, querer, e assim por diante. Mas Eros nunca se satisfaz, pois só encontra substitutos. Eros é a fome ontológica. Tânatos, em seu verdadeiro significado, é transcendência. Tânatos é a força de sunyata – a força e o impulso de transcender as fronteiras ilusórias – mas parece ser, ao eu que não quer ou não pode abrir mão de suas fronteiras (em qualquer nível), uma ameaça de morte literal e mortalidade física. Sempre que existe uma fronteira, o Tânatos da Natureza profunda de cada um atua, constantemente, no sentido de destruição ou do sacrifício. Eros > recompensas substitutas. Tânatos > sacrifícios substitutos.
4.2. Podemos dizer que sempre que Eros (de um nível) suplanta Tânatos (deste mesmo nível), a tradução prossegue e ocorre a estabilização. O elemento pesquisador e cobiçoso daquele nível fica contente com suas recompensas substitutas, que aparentam satisfazer seu desejo de Unidade. Quando Tânatos suplanta Eros, porém, a tradução em questão perde força e acaba sendo abandonada, seguindo-se a transformação para um modo diferente de eu e um tipo diferente de tradução: volta à lembrança uma nova estrutura profunda, possibilitando o aprendizado de novas estruturas superficiais. Em essência, isso significa que a consciência abandona sua identificação exclusiva com a estrutura inferior – “morre” para ela; aceita Tânatos daquele nível inferior, morre para aquele nível, e assim se desidentifica daquela estrutura inferior. Ao aceitar a morte do nível inferior, ela transcende aquele nível.
5. Tipos de Inconsciente
5.1. Inconsciente Base: todas as estruturas profundas que existem como potenciais prontos a aflorar, por meio da recordação, em algum momento futuro. Todas as estruturas profundas dadas à humanidade em conjunto – referentes a todos os níveis de consciência, do corpo à mente, alma, espírito, bruto, sutil e causal – estão dobradas ou enroladas no inconsciente base. O desenvolvimento, ou evolução, consiste numa série de transformações hierárquicas, ou no desdobramento das estruturas profundas presentes no inconsciente base, começando pela mais baixa (pleroma e corpo) e terminando com a mais elevada (Deus e Vazio). Quando e se todo o inconsciente de base emerge, existe apenas consciência: tudo é consciência como o Todo.
5.2. Inconsciente Arcaico: a estrutura mais primitiva e menos desenvolvida do inconsciente base, associada ao pleroma, à uroboros e ao tífon. Essas estruturas são inicialmente inconscientes mas não reprimidas, e algumas tendem a continuar inconscientes, sem jamais desdobrarem-se claramente na consciência. A “qualidade dominante do id”, disse Freud, “é a de ser inconsciente”, e esta é a natureza do id, não algo criado pela repressão. “Acredito que essas fantasias primordiais… sejam um bem filogenético… herança arcaica… repetições abreviadas da evolução porque passou toda a raça humana através de extensos períodos desde as eras pré-históricas”. De acordo com Freud e Jung, podemos dizer que, em geral, o lado somático do inconsciente arcaico é o id (instintivo, límbico, tifônico); o lado psíquico é a herança da fantasia filogenética. No todo, o inconsciente arcaico não é um produto da experiência pessoal… são estruturas pré-verbais, e a maioria é subumana.
5.3. Inconsciente Imergente: depois que uma estrutura profunda emerge do inconsciente base e adquire algum tipo de estrutura superficial, ela pode, por diversos motivos, ser devolvida ao estado de inconsciência. Ou seja, uma estrutura profunda pode emergir e depois imergir, e designamos essas estruturas em conjunto como inconsciente imergente. O inconsciente imergente é aquilo que um dia foi consciente, durante a vida da pessoa, mas agora está afastado da consciência. O inconsciente imergente torna-se inconsciente por diversos motivos, situados em um continuum de inatenção. Esse continuum vai do simples esquecimento, passando pelo esquecimento seletivo, até o esquecimento forçado/dinâmico (sendo somente este a repressão propriamente dita). O simples esquecimento e a falta de resposta de limiar constituem o inconsciente imergente subliminar. O esquecimento dinâmico ou forçado é a repressão propriamente dita, a grande descoberta de Freud. O inconsciente imergente reprimido é o aspecto do inconsciente base que, depois de emergir e adquirir estruturas superficiais, é vigorosamente reprimido ou devolvida à inconsciência, devido a uma incompatibilidade com as estruturas conscientes. O aspecto pessoal do inconsciente imergente reprimido é a sombra. Uma vez tornada inconsciente, a sombra pode sofrer forte influência do inconsciente arcaico (obedecendo às leis do processo primário e ao princípio do prazer, que dominam as esferas tifônicas). Uma das principais razões para a repressão da sombra é que ela se torna um veículo do inconsciente arcaico: sua carga de impulsos instintivos é sentida como incompatível com o ego.
5.4. Inconsciente Incorporado: Chegamos ao aspecto do inconsciente que mais intrigou Freud, sendo não obstante uma de suas maiores descobertas. Lembramos que Freud abandonou o modelo consciente-inconsciente em favor do modelo ego-id porque “admitimos que o inconsciente não coincide com o reprimido; é verdade que tudo que é reprimido é inconsciente, mas nem tudo que é inconsciente é reprimido”. Além do inconsciente arcaico, que era inconsciente mas não reprimido, Freud constatou que “é certo que grande parte do ego é, ele mesma, inconsciente”. Ao mesmo tempo, ele começou a situar a origem da repressão no ego, porque “podemos dizer que a resistência do paciente nasce em seu próprio ego…” Freud descobriu então que parte do próprio ego era inconsciente, sem ser, contudo, reprimida. Bastou que ele juntasse 2 e 2 para concluir que a parte não reprimida do ego era a parte repressora. A essa parte ele denominou o superego: inconsciente, não reprimido, porém repressor. “Podemos dizer que a função desse superego é a repressão, executada por ele mesmo ou pelo ego, obedecendo suas ordens… partes de ambos, do ego e superego, são inconscientes” – diz Freud. O superego freudiano, com as defesas e a estrutura de caráter, são os aspectos do nível do ego com os quais o eu está inconscientemente identificado, a tal ponto que eles não podem ser objetivamente percebidos (como podem os demais aspectos do ego). Eles traduzem sem serem traduzidos – são repressores mas não reprimidos. Freud achava que: 1) o superego é criado por uma identificação (“as identificações substituem as escolhas de objetos”) e 2) uma das metas da terapia é tornar o superego consciente – vê-lo como objeto e, assim, deixar de usá-lo como algo por meio do qual ver e traduzir (mal) o mundo. Desta forma, o superego é apenas um exemplo do que denominamos inconsciente incorporado: por estar incorporado como o eu, o eu não consegue vê-lo totalmente ou distintamente.
5.5. Inconsciente Emergente: constitui as estruturas referentes às esferas transpessoais (sutil e causal) que tendem a emergirem após a fase do centauro. Pode ser reprimido pelo ego. A psicanálise e a psicologia ortodoxa tentam explicar o fenômeno como irrompimento de algum material arcaico ou algum impulso reprimido. Como elas não conhecem o inconsciente emergente, procuram explicá-lo em termos de inconsciente imergente. Acreditam que o sutil, por exemplo, não é uma estrutura superior emergente, mas uma inferior reemergente; não o transpessoal que desce, mas o pré-temporal que sobe. E assim fazem o samadhi remontar à união do bebê com o seio; reduzem a unidade transpessoal à fusão pré-pessoal no pleroma; reduzem Deus a um mamilo e todos se parabenizam por ter desvendado o Mistério. Todo esse edifício está começando a ruir, abatido por seu próprio peso, em função do número ridículo de coisas que a psicanálise é obrigada a atribuir aos primeiros quatro meses de vida do bebê para poder explicar tudo o que aflora posteriormente.
6. Meditação e Inconsciente
A meditação é (normalmente) concebida como um meio de banir a repressão, deter a filtragem, desautomatizar a automação ou desfocalizar a focalização. …essas questões, conquanto significativas, constituem os aspectos mais secundários de todos os tipos de meditação. A meditação é, isso sim, um caminho constante de transcendência. A meditação, assim, se realiza do mesmo modo que todos os outros crescimentos/afloramentos: uma tradução perde o ímpeto e deixa de dominar a consciência com exclusividade, e ocorre a transformação em uma tradução de ordem superior (uma estrutura de ordem superior é lembrada e passa a embasar e criar novas estruturas superficiais). Existe diferenciação, desindentificação, transcendência e integração. Para o ego, ela parece ser muito misteriosa e retorcida, pois é um desenvolvimento que ultrapassa o ego.
7. Esquizofrenia e Misticismo
…alguns que se dizem místicos efetivamente caíram em alguma forma de regressão; …alguns místicos verdadeiros, a caminho de estados maduros de unidade, ocasionalmente reativam complexos regressivos. …quando a tradução do ego começa a falhar, o resultado normalmente é uma extrema ansiedade. Quando começa a regressão e a sintaxe do ego deixa de funcionar, a pessoa fica aberta ao pensamento mítico e às referências mágicas características das esferas mítica-de-afiliação. O pensamento mítico, como vimos, confunde a parte com o todo, os membros e as classes – e essa é a característica que define o pensamento esquizofrênico. Se a regressão prosseguir um pouquinho além do pensamento mítico, a pessoa fica exposta à exuberante fantasia pré-verbal e ao processo primário. Ou seja, ela tem alucinações – normalmente auditivas, às vezes visuais. Diagrama de Cooper: nascimento > aprendizado de papéis > normalidade (detenção): 1) colapso psicótico > loucura, ou 2) sanidade. Laing: “A verdadeira sanidade acarreta, de um modo ou de outro, a dissolução do ego normal, do falso eu competentemente adaptado a nossa realidade social alienada: o surgimento dos mediadores arquetípicos ‘interiores’ do poder divino, e por meio dessa morte um renascimento, e finalmente o restabelecimento de uma nova espécie de funcionamento do ego, sendo o ego agora um servo do Divino, não mais seu traidor”. Wilber: O misticismo não é uma regressão para servir ao ego, e sim uma evolução para transcender o ego.