O Sistema Nervoso Cardíaco

“O coração tem razões que a razão desconhece”  74:19

Blaise Pascal

 

 Sabe-se hoje que o Universo material é pura energia. David Bohm afirma que a estrutura do Universo contém uma quantidade ilimitada de informação e que o ser humano é uma manifestação dessa energia 74:90. Matéria, energia e informação são três formas de apresentação da mesma coisa. Assim, toda a matéria é uma forma de energia que contém alguma informação.

Vindo ao corpo humano, a “matéria”, na forma de enzimas, neuropeptídeos ou hormônios, é energia que contém informação. Sabemos que o SNC trabalha através de impulsos elétricos, gerados pelos neurônios, que passam adiante, através das sinapses, utilizando diversos neurotransmissores para sua atividade energético-informativa.

Mas o SNC não detém exclusividade desse processo. A nova ciência da cardioenergética começa, também, a demonstrar isso. O coração é cinco mil vezes mais possante, eletromagneticamente, e possui um elo direto de comunicação neuroquímica, bioquímica e eletroquímica, e talvez até eletromagnética, com o cérebro, através da síntese dos mesmos neurotransmissores fabricado no cérebro.

Descobriu-se recentemente que o coração fabrica o “fator naturético atrial” (FNA), um neuro-hormônio com ação direta no hipotálamo, na hipófise, na glândula pineal e no tálamo. O FNA comunica-se, também, diretamente com o sistema imunológico 74:112. Descobriu-se, também, a existência de células “adrenérgicas cardíacas intrínsecas” 74:179 que sintetizam e liberam catecolaminas, como a noradrenalina e a dopamina, e neuropeptídeos, cadeias de aminoácidos com função energético-informativa de transmissão de dados (uma memória).

Assim, o coração modula diretamente as respostas imunológicas, emocionais, hormonais, nosso nível geral de energia, nosso ciclo sono/vigília e os processos de envelhecimento, configurando uma nova área de pesquisa científica chamada neurocardiologia, que está demonstrando as complexidades de um coração consciente, muito além de uma mera metáfora a qual o nosso cérebro ortodoxo mal consegue conceber.

Essas evidências, por si só, já poderiam fazer-nos não negar a possibilidade de alguma forma de inteligência cardíaca, e que o coração poderia ser um órgão pensante. O processo de pensamento cerebral envolve intimamente o processo de recordar. A memória é um componente fundamental no pensamento. Fatos observados em transplantados cardíacos evidenciam que a chegada de um novo coração traz também novas lembranças, novos hábitos e novas formas de interpretar, perceber e sentir o mundo, idênticas àquelas do antigo dono do coração.

As memórias novas mais comuns em transplantados cardíacos são novas interpretações para alguns odores e paladares relacionados ao significado emocional que o doador dava a esses cheiros e gostos. Essa correlação receptor-doador cria evidência de que pacotes energético-informativos de qualquer experiência se armazenam de alguma forma no interior das células cardíacas. Muitas coisas que temos consciência e que atribuímos sua fonte ao cérebro, talvez sejam provenientes de memórias recuperadas em nosso coração.

O coração pensa. Parece ser em sua intimidade que nossos mais profundos pensamentos, temores e sentimentos são mediados com brandura e profundidade. As sensações e sentimentos, de ocorrências e pessoas que já fazem parte do passado, fazem parte de uma memória emocional mais profunda que é criada e recuperada pelo coração 74:177, o órgão chave do nosso Sistema Nervoso Cardíaco (SNCa). Essa memória ficaria armazenada em todas as células do organismo, pois transplantados de outros órgãos que não o coração também relatam essa memória, numa intensidade e freqüência bem mais baixa: a nossa memória celular. Propõe-se, hoje, que o inconsciente seja na verdade nosso conjunto de memórias celulares, aspectos de nossa vida ainda não vividos. O raciocínio é cerebral, mas o sentir é cardíaco.

E esse fluxo energético-informativo, “aquilo o que somos”, é uma projeção do “código do coração”, expressa pelo cérebro e pelo corpo. Àquilo o que aparentemente somos, os psicólogos também dão o nome genérico de temperamento: as diferenças individuais estáveis na qualidade ou na intensidade de reações emocionais às influências de um suposto ambiente externo a nós mesmos. Incluem-se também, nas dimensões do termo “temperamento”, componentes fundamentais da personalidade: nível de atividade geral, ritmicidade de funções biológicas (comer e dormir, por exemplo), facilidade de comunicação com estranhos, expansividade ou timidez, adaptabilidade às mudanças, limiar de reatividade e intensidade de reatividade a estímulos, suscetibilidade a distrações, limite de atenção e persistência 74:190.

Devido a suas influências emocionais, desde o trabalho pioneiro de dois cardiologistas, Meyer Friedman e R. H. Rosenman, em 1.959, há um efervescente campo de pesquisa numa área conhecida como psicologia do coração: a cardiopsicologia (Cf. adiante). A partir de então, programas de prevenção de cardiopatias, baseados em elementos psicológicos, foram propostos, baseados em dados que demonstraram a sua eficácia na redução do risco de IAM e até na redução de cardiopatias pré-existentes 74:115.

Friedman e seus colegas demonstraram a existência de dois padrões de comportamento aos quais denominou tipo A e B, e, desde então, vários padrões de “comportamento cardíaco” foram identificados e estudados, principalmente pelo Institute of HeartMath, em Boulder Creek na Califórnia, associação educacional sem fins lucrativos que demonstrou que através de traços eletrocardiográficos pode-se saber como o coração está lidando emocionalmente no dia-a-dia. Conseguem mensurar a harmonia e o equilíbrio cardíaco como um estado de “paz amplificada” 74:214.

Para essa medição da reatividade cardíaca, os pesquisadores utilizam um sistema complexo, denominado “Padrões de Energia Sincronizada Cardíaca”, que inclui o registro da atividade elétrica (ECG), atividade eletromagnética (magnetocardiograma), sons cardíacos e várias alterações de pressão e temperatura. À soma de todas essas medidas se dá o nome de “energias do coração” 74:248.

A personalidade tipo A parece ter um coração regido pela atividade cerebral, racional e lógica, que ao ECG aparece como um padrão irregular no ritmo com traçados serrilhados, enquanto o tipo B parece ser regido pelo coração, pelos sentimentos e sensações, que ao ECG aparece como um ritmo regular com um suave conjunto de curvas. Há uma forte correlação entre uma boa atividade energética cardíaca (cardiocoerência) e uma boa atividade imune celular modulada pelo timo (síntese de linfócitos T). É essa atividade a responsável pela nossa defesa contra os vírus e contra as células neoplásicas.

Essa energia do coração, longe de ser um sentimentalismo banal, faz ver as coisas mais afetivamente, a esperar, a observar. Implica o reconhecimento de que alguma coisa não vai bem, fisicamente, emocionalmente ou psiquicamente, mas, sem se deter no aspecto negativo e confiando que tudo passa, pode-se esperar a solução, a qual sempre vem na forma de insights, fruto do instinto e da intuição.

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