O Tulku

Enquanto o homem comum vive uma vida confusa, tem uma morte confusa, passa por um bardo confuso e nasce novamente como um ser confuso, seres iluminados e Bodhisattvas nascem e vivem conscientes, e podem dirigir a sua consciência no Bardo e ter um renascimento consciente da maneira que quiser, com o fim de ajudar os outros seres. Um ser iluminado ou um Bodhisattva vive, morre e renasce somente com o propósito de libertar os seres da ignorância e confusão. Ele percebe todo o passado e todo o futuro manifestos no presente, portanto ele ultrapassa o continuum tempo/espaço.

 

Já foi descrito o processo encarnatório de um homem comum no capítulo anterior. Vimos que quando uma criança é gerada, a alma reencarnante ainda não tem a posse do corpo, nem dirige o seu crescimento. Um “elemental” (o anjo da guarda católico), criado de acordo com o seu karma, dirige e modela a forma por nascer, permanecendo nela, após o nascimento, até a criança atingir cerca de 7 anos. A alma reencarnante vai, dessa forma, paulatinamente entrando em contato com os corpos físico, emocional e mental da criança, acostumando-se com eles, até que então toma posse definitiva e o elemental é dissolvido.

Diferentemente, como não tem karma a ser esgotado, um Ser Perfeito quando necessita encarnar não tem um elemental à sua disposição e ele tem que arcar com a tarefa de produzir o seu corpo desde a sua geração embrionária. Além de acarretar um grande dispêndio pessoal de energia, termina por gerar um corpo muito mais requintado e aperfeiçoado, resistente a doenças, às degenerações senis e às tendências hereditárias. Pelo grande dispêndio energético, esse Ser trata de cuidar desse “veículo” de forma que ele dure o máximo de tempo possível. Esses corpos ou Tulkus, preparados para trabalhos superiores, têm que ser poupados dos inumeráveis atributos da vida cotidiana, com suas torrentes de influências negativas. Daí a sua reclusão em locais inacessíveis ao mundano.

Por isso, uma das formas de manifestação mais adequada a esses Homens, é tomar emprestado o corpo de um discípulo, transformando-o em tulku. Eles ocupam esses corpos somente quando extremamente necessário, de forma temporária e para um propósito específico, processo amplamente divulgado e conhecido hoje como “canalização”. Dessa forma Ele proporciona um grande avanço, tanto para a evolução individual do discípulo quanto para o corpo utilizado, pela simples proximidade com o Mestre e com Seu maravilhoso magnetismo.

O termo “tulku” abrange um espectro mais amplo de possibilidades, podendo ser definido como sendo uma sombra ou projeção, nesse mundo, de entidades de uma categoria superior. Significa, literalmente, “aparecer num corpo”, “transformar o eu de alguém”, “modificar um corpo” ou “tomar a posse de um veículo”. Mas o termo abrange outros fatos como o de criar um segundo corpo temporário, criar um corpo permanente para ser usado quando necessário e usar o corpo de uma outra pessoa ainda encarnada ou imediatamente após o seu desencarne. Em tibetano a palavra é sprul-sku e em sânscrito é avesa.

Existem numerosos fenômenos na natureza cuja explicação se acha na doutrina do tulkuísmo. É o caso, por exemplo, de Apolônio de Tyana, de Sai Baba, de Antônio de Pádua, de Padre Pio, de Santa Teresa Neumann 101:30 e de outros santos da Igreja Católica, se “bilocando” e se materializando à distância, e deixando em seu lugar um “fantasma” de si mesmo. Essas criações mágicas, descritas por Patânjali em seus Yoga-sutras como siddhis, poderes adquiridos pela prática iogue, quando feitas por um Buddha, ou um Bodhisattva, são capazes de receber uma vida real, infundida pelo próprio criador, e adquirir personalidade própria.

Os Tulkus podem ser emanações, projeções ou veículos, digamos assim, fabricados por um Ser de elevada espiritualidade, com a finalidade de ficar às suas ordens ou serviço, uma espécie de estátua viva, da mais alta qualidade espiritual e física. Os Tulkus são seres ligados ao seu escultor ou Senhor (de cérebro para cérebro ou de inteligência para inteligência) e coexistem com ele, embora esse não fique completamente encarnado naquele, numa forma de “continuidade de consciência”. São os veículos dos quais se utilizam os Buddhas, Christos e Bodhisattvas (Cf. no Volume 3) para continuar a sua missão de restaurar o Dharma (os ensinamentos da Lei) e reencarnar continuamente até que a última alma se ilumine.

O tulkuísmo, em linhas mais gerais, objetiva o processo de transmitir cultura ou sabedoria (mental, psíquica ou moral) do exterior para o interior, de um ser mais sábio para um aprendiz. Dessa forma, qualquer professor que de alguma forma possa enviar parte da sua consciência e vontade, por um período de tempo variável, para um mensageiro/aluno que seja enviado por ele para ensinar a humanidade ou cumprir uma determinada tarefa, é um exemplo de tulkuísmo. Portanto, generalizando, o aluno seria um tulku de seu professor, o qual lhe transfere seus conhecimentos, e, da mesma forma, tudo o que existe na natureza é tulku de algo que lhe é superior: o homem é tulku do Adepto ou Sábio, o animal é tulku do homem, o vegetal é tulku do animal e o mineral é tulku do vegetal.

A mediunidade está no outro extremo dessa condição de tulku. Todo homem é um médium, falando no sentido de “mediador”, de ponte, de pontífice. Enquanto o médium é um simples joguete inconsciente (em transe) e vítima, na maioria das vezes, de embustes de elementais inferiores e elementares habitantes do mundo astral, o tulku desempenha o seu papel sem perda da consciência pessoal. Ele tem conhecimento definido e completo do que está ocorrendo, como se a consciência adquirida fosse a sua própria. O tulku simplesmente empresta o seu organismo “físico/astral” para uso temporário de uma consciência superior, por consentimento mútuo, e não se sente desgastado com isso, muito pelo contrario, se sente amplamente revigorado com a experiência.

O médium comum, para a sua evolução, tem que aprender a dominar completamente suas tendências mediúnicas desordenadas e patológicas, mantendo-as sob o seu domínio e vontade espiritual, não se deixando dominar sob nenhuma hipótese. Tem que se transformar em um mediador consciente (um transmissor) e não um médium de transe inconsciente ou, na melhor das situações, semiconsciente.

O tulku age, na verdade, como um transformador que capta a energia superior e a transmuta em outra que pode ser apreendida pela humanidade. Para servir como mediador, o tulku deve ser capaz de não se sujeitar à vontade de quem quer que seja nem sofrer influências de seu próprio “eu inferior”.

Por isso, as doutrinas religiosas em geral proíbem, desde logo, àquele que há de ser um tulku, todo o ritual que estimule a mediunidade comum e a comunicação com seres astrais que deprimem e sugam a energia mental do médium, para que a Iluminação, que deve ser obtida pelo estudo e esforço da mente, não venha a ser prejudicada. O teósofo tem por meta se preparar para ser tulku de Homens que aprenderam, por meio de árduo treinamento oculto, como se retirar, temporariamente, de suas próprias constituições exteriores e penetrar em outras para transmitir o poder, o conhecimento e a influência deles. A esses Homens a teosofia chama de Mahatmas (Cf. no Volume 3).

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