O Vir-a-ser

Durante o Bardo da dharmata, alegrias e tristezas se alternarão, de acordo com as experiências mentais vividas, mas as formas de negatividade, como a raiva, o desapontamento, a descrença, o medo ou o sentimento de posse e apego, levarão a dimensões inferiores, como a dimensão infernal, a dos “fantasmas famintos” ou a dos animais. Já os sentimentos virtuosos e de alegria farão com que se renasça nas dimensões mais elevadas.

 

Para as consciências ainda presas no apego aos parentes e às coisas físicas, em algum momento de sua estada no Devachan ou no Avitchi, surgirá um intenso desejo (Trishna em sânscrito ou Tanha em páli) de retornar à vida física através de um novo corpo. Para o budismo tibetano, na dependência do sentimento ou pensamento que brotar nessa situação, haverá a atração que culminará no renascimento, pois a mente, agora leve e móvel, é extremamente poderosa.

Até os cascões tentarão entrar novamente no próprio corpo morto, ainda em decomposição, em vão. Fortemente apegados à sua forma física anterior, buscarão algum intermediário vivo e, na indisponibilidade de algum, poderão buscar refúgio em qualquer animal disponível (cachorro, pássaro, etc.), para não serem definitivamente aniquilados.

Então uma nova corporificação de Atma-Buddhi se iniciará com a visão do próprio corpo ficando cada vez mais tênue (some a própria sombra ou o próprio reflexo na água) e uma nova visão de corpo começa a surgir. Se a consciência conseguir se desvencilhar do apego a uma nova existência e meditar no pensamento, na luz mais forte que surgir, em algum objeto ou imagem devocional, até deixar a mente desaparecer em seu próprio interior, a libertação será obtida e o renascimento será evitado. Esse é o Bardo do vir-a-ser.

Mas aqueles que não tem prática de meditação, ou ela é fraca, confusos procurarão pelo renascimento e então uma confusa experiência surgirá: furacões, tempestades, trovões e escuridão surgirão junto com uma sensação de se estar sendo perseguido. Então a consciência procurará fugir. Aqueles que não possuem mérito sentirão uma sensação de alívio por estarem escapando do sofrimento e aqueles que possuem méritos sentirão que estarão chegando a um lugar de alegria 46:173. Aqui, a meditação devocional, ou centrada na luminosidade ou no vazio, evitará a reencarnação e trará a libertação.

Mas se a meditação não parar o processo, surgirão projeções mentais de homens e mulheres fazendo amor, dirigidas pela mente ou trazidas por correntes mentais cármicas residuais que o ligam com determinados pais. Nesse momento, deve-se evitar entrar nessas projeções de paixão e desejo (ou agressão) e forçar firmemente a concentração em assuntos de natureza espiritual e filosófica, nas leituras feitas das Escrituras Sagradas, nas ações virtuosas ou em orações. Meditar devocionalmente e fazer oferendas mentais.

Entrando na projeção de um casal fazendo amor, a consciência, por fim, experimentará uma sensação de bem-aventurança no encontro do espermatozóide com o óvulo e perderá paulatinamente a consciência até despertar no corpo do bebê formado. Mesmo a mais baixa forma evoluída de consciência, se nessa hora, procurar entrar na luz azul dos seres humanos, desejando um bom corpo, ou na luz branca dos deuses, conseguirão boas oportunidades de libertação no próximo ciclo de vida. Mesmo confusas, todas as consciências serão influenciadas se ritos apropriados forem feitos no mundo físico, aproveitando-se a grande receptividade da mente. Isso facilitará o “insight prospectivo” da vida que se iniciará.

Esse “insight prospectivo” mostra o rumo que deverá ser seguido em uma encarnação terrestre, o qual é determinado antes do início do processo de nascimento. Reflexões sobre os futuros pais, parentes, amigos e conhecidos, suas personalidades e suas importâncias para que se consiga seguir o rumo previamente traçado, são percebidos nesse momento. Nesse rumo, se incluem as estratégias de caráter específicas (tendências pessoais de relacionamento, descritas no capítulo anterior) a serem trabalhadas, como vamos trabalhá-las e o papel dos pais, parentes, amigos e conhecidos nesse trabalho. Antevê-se e programa-se todas as “coincidências”, as sincronicidades que poderão surgir para que se lembre de nosso rumo pessoal, determinado em nosso “insight prospectivo”.

Já que o esquecimento desse “insight” é uma conseqüência do processo passagem à dimensão física, todas as coincidências previstas são imprescindíveis para que se possa seguir o rumo previamente traçado. Durante a vida física, se torna extremamente necessária a percepção das sincronicidades e de sua estrutura definida. Fazer, a si próprio, perguntas que definam aspectos da vida, como a carreira profissional, as relações pessoais, o local em que se deve morar, que rumos e decisões tomar, etc., se torna extremamente necessário. São essas perguntas a si mesmo que irão abrir o caminho para que as respostas venham, mas para perceber essas respostas é necessário abrir-se para as sensações, pois as respostas estão profundamente enterradas dentro de nós mesmos.

A percepção da verdadeira natureza das sensações físicas, dos palpites vagos e das intuições como mensagens que nos dizem o que fazer, aonde ir ou com quem falar, é a chave para respondermos às nossas questões. É imprescindível levar a percepção a sério, deixando de lado o ceticismo e dando importância à imagem mental percebida, trazendo-a para a mente consciente e procurando vivê-la. Conservar as imagens mentais das intuições nos faz descobrir porque fomos levados a tomar tal rumo e traz mais informações pertinentes às nossas questões. Quando se está inteiramente atento aos detalhes de um futuro potencial que nos é apresentado em imagens mentais, retendo deliberadamente essa imagem no fundo de nossa mente e acreditando intencionalmente, em geral a cena que se está visualizando se realiza mais depressa.

Descobrir o “insight prospectivo”, é descobrir o nosso rumo interior, a nossa orientação divina decretada antes do processo de nascimento. Além de se observar atentamente as intuições, a observação dos sonhos também é imprescindível. Uma das funções dos sonhos é, exatamente, esclarecer como devemos lidar com determinadas situações de nossa vida e ele pode mostrar integralmente a nossa meta primordial dessa encarnação.

Quando uma intuição ou um sonho nos manda tomar um rumo determinado e seguimos essa orientação, vão acontecendo coisas que parecem coincidências mágicas. Sentimo-nos mais vivos e animados. Os acontecimentos parecem predestinados, como se estivessem programados para acontecer. Somente quando se usa do poder da vontade para seguir a meta estabelecida no “insight prospectivo” é que se obtém a verdadeira e plena satisfação pessoal. Perseguindo a sua execução alinhamos a nossa vida terrestre com a nossa meta divina e ajudamos a unir o Céu e a Terra.

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