Medicina Ayurvêdica

A medicina Ayurvédica, existente há mais de 5.000 anos, afirma que a saúde humana é o resultado de seu equilíbrio com a Natureza e consigo mesmo (entre corpo, mente e espírito). Tem origem na Índia e seu nome vem do sânscrito, significando “Ciência da Vida”.

Visa primordialmente à prevenção de doenças através de práticas que evitam o acúmulo de toxinas (ama em sânscrito) no corpo, que enfraqueceriam o organismo predispondo-o a doenças, através de uma reeducação alimentar, de exercícios respiratórios, massagens, ásanas (posturas corporais) e meditação.

O Ayurveda clássico se constitui em 8 ramos 21:62: cirurgia (salya), tratamento de distúrbios da cabeça e do pescoço (salakya), medicina geral ou terapia do organismo (kayacikitsa), psiquiatria ou moléstias mentais causadas por demônios (bhuta-vidya), pediatria (kaumara-bhutya), toxicologia – drogas médicas para envenenamentos (agada), rejuvenescimento e elixires (rasayana) e virilização (vajikarana – literalmente, converter-se num “garanhão”). Demônios representam uma ampla série de forças e emoções que, inconscientemente, impedem o bem-estar e o desenvolvimento espiritual 21:186.

Está baseada na filosofia Shânkia hindu, filosofia que não discorre sobre a existência de um Deus, mas somente sobre a existência de dois princípios únicos de Espírito e Matéria (Purusha e Prakriti), como entidades primeiras e eternas. Ela é chamada de filosofia realista, ao contrário dos sistemas Yoga e Vedanta, conhecidas como idealistas por discorrerem sobre a existência de Algo acima de Purusha e Prakriti. Aquela filosofia ensina que Prakriti se manifesta na Natureza em cinco estados (elementos) diferentes, e que o homem, como um ser da Natureza, é composto dos mesmos cinco elementos energéticos (buthas) que ela: éter (ou akasha), ar, fogo, terra e água. O elemento terra seria o responsável pela nossa consistência, a água pela aderência, o fogo pelo calor e o ar pelos movimentos. E o elemento éter seria o responsável pela nossa ligação com Deus.

Da mesma forma que, na concepção se forma o nosso código genético, também nela se forma nosso código energético, constituído da junção dos cinco elementos energéticos citados. Da predominância de alguns elementos sobre os outros, na constituição de cada ser humano, haveria sete tipos básicos (dosha) de pessoas: Vata (ar e éter, ágeis, criativas e alegres), Pitta (fogo e água, irritadas, empreendedoras e objetivas), Kapha (água e terra, amorosas e equilibradas), Vata-Pitta, Vata-Kapha, Pitta-Kapha e Vita-Pitta-Kapha.

Uma forma de fazer o diagnóstico do nosso dosha (Prakriti pariksha) é através da observação dos lábios. Lábios finos, secos e ásperos, que indicam desidratação, são típicos de uma constituição Vata. Os lábios Kapha são grossos e oleosos e os Pitta são vermelhos. Médicos experientes distinguem o dosha até no palpar do pulso radial (usando os dedos indicador, médio e anular). Além disso, vários fatores são observados para se classificar alguém num dos três doshas básicos, dos quais descrevo abaixo uma simples generalização:

  • Vata: rapidez, agilidade e leveza nas atividades e no andar, estrutura esguia e magra com estrutura física leve, sono leve e interrompido (insônia), rapidez de memorização e de esquecimento, mente preocupada, fome e digestão irregulares, com tendência à constipação, explosão repentina de emoções com curta duração, gostam de animação e mudanças, são tagarelas. Comumente sofrem de ansiedade, doenças do sistema nervoso e ósteo-articular. Têm olhos pequenos e lábios finos. Andam rápido, sentem muito frio e não toleram vento.
  • Kapha: lentidão e graciosidade nas atividades e no andar, estrutura forte e sólida, com ombros e quadris largos e tendência à obesidade. Têm sono profundo e prolongado, lentidão para absorver novas informações, mas boa memória, afeição, calma, tolerância e generosidade, embora com tendência à possessividade, digestão vagarosa. Buscam consolo emocional nos alimentos. Costumam ter tendência ao diabetes mellitus, hipercolesterolemia, excesso de muco na árvore respiratória e depressão.
  • Pitta: vigor, resistência e estrutura mediana (nem gordos nem magros), empreendedores, gostam de desafios e sob tensão tendem à raiva e à irritação. Têm boa digestão e detestam omitir alguma refeição, pois sentem muita fome e sede às refeições. Geralmente extrapolam na comida mas não engordam. Têm aversão ao calor e costumam acordar à noite com calor e sede. Geralmente têm pele clara e cheia de sardas. Têm tendência ao cabelo grisalho precocemente e vivem consultando as horas, pois se ressentem pela perda de tempo. São exigentes e críticos, chegando a ser, às vezes, sarcásticos. Comumente são afetados por hipertensão arterial, gastrites, enxaquecas e acnes.

Nos outros tipos, em que há combinação de doshas, há também uma combinação de características. Para a filosofia Ayurveda, nenhum tipo é melhor do que o outro, mas considera a saúde individual como um fator ligado ao respeito às características em que se nasce. Quando a dose de Vata, Kapha e Pitta estão na proporção de quando se é concebido, há, não apenas um estado de ausência de doenças, mas um estado de bem estar físico, mental e social completo. As alterações alimentares, climáticas, de relacionamento e os medos angústias e ansiedades vão alterando as características dos doshas provocando desequilíbrios que podem acarretar doenças físicas, psicológicas ou sociais.

Com o tempo, nosso organismo vai assimilando toxinas provenientes da má qualidade da alimentação, do ar e de nossos pensamentos e sentimentos. Se, associado a isso, um desequilíbrio nos doshas ocorre, nossos órgãos internos passam a funcionar insatisfatoriamente e essas toxinas principiam seu acúmulo. A má digestão, proveniente de um trato digestivo mal funcionante, faz com que restos alimentares, não digeridos, continuem no trato digestivo sofrendo um processo de decomposição (fermentação e putrefação) bacteriana. Substâncias altamente tóxicas são produzidas por esse processo (toxinas endógenas) e, junto com outras toxinas que porventura possam existir na alimentação (agrotóxicos, insumos químicos e promotores de crescimento, conservantes, edulcorantes, acidulantes, etc. – toxinas exógenas), terminam por serem absorvidos para a corrente sangüínea provocando alterações metabólicas, endócrinas e imunológicas.

Através de recursos bem definidos, o terapeuta ayurvédico chega ao diagnóstico do dosha e ao dos seus desequilíbrios, conhecido como Vikritti pariksha. O diagnóstico do desequilíbrio dos doshas, detectado precocemente, antes do advento da doença propriamente dita, é necessário para se prescrever um tratamento (Ayurveda Chikitsa) que restitua o equilíbrio inicial. O primeiro passo no tratamento é a desintoxicação do organismo, pois é o acúmulo de toxinas juntamente com o desequilíbrio energético a causa básica da manifestação das doenças. Reconhecer e eliminar toxinas, além de reduzir a sua entrada no organismo, é o segredo dessa terapia milenar, pois as toxinas bloqueiam o fluxo de energia vital (Prana) e são as fontes das doenças e do envelhecimento que podem acelerar a morte do corpo físico. Nesse segredo, a meditação tem papel fundamental na purificação da mente de suas toxinas (más emoções e pensamentos).

Daí a importância do purvakarma e do panchakarma. Aquele é o processo que visa a mobilizar as toxinas e direcioná-las para que possam ser eliminadas por esse último. Purvakarma inclui um processo de oleação interna (sneahana), oleação externa (abhyanga, shirodhara, etc.) e um tipo de sauna medicamentosa (swedana), que devem ser ministrados por terapeutas credenciados. Então se segue o panchakarma (as cinco ações): limpeza do estômago (vamana), do fígado e intestino delgado (virechana), do intestino grosso (basti), da cabeça e face (nasyakarma) e do sangue (raktamokshana).

Todas as toxinas exógenas entram no nosso organismo pelos nossos órgãos dos sentidos. A pele é o nosso maior órgão dos sentidos e por isso a massagem, como forma de desintoxicação, tem um papel importante. Por exemplo, a abhyanga (mãos amorosas) é a massagem completa do corpo, feita por duas pessoas com óleos fitoterápicos, destinada a liberar toxinas, que induz ao relaxamento, reduz o estresse e melhora o sistema imunológico. O shirodhara consiste num fluxo contínuo de uma solução morna de ervas medicinais, despejado durante uma hora no ponto entre as sobrancelhas (Ajna Chakra – Cf. no capítulo anterior) que induz a um relaxamento mais profundo, harmoniza o funcionamento dos hemisférios cerebrais, libera endorfinas, combate a insônia, o medo, a ansiedade e a depressão. O swedana pode ser feito com a aplicação de compressas de ervas quentes ou banho de vapor, que dissolve toxinas e dores musculares, articulares e da coluna vertebral. A nasyakarma reduz a congestão nasal, a sinusite, os problemas respiratórios e alérgicos.

Concomitantemente à desintoxicação, uma mudança alimentar (ahara) e o uso de ervas medicinais são utilizados. A alimentação será tratada adiante. Muitas ervas tem sido estudadas à luz dos conceitos de sabor, potência e efeito pós-digestivo. Preparados à base de cinzas de metais e ervas, conhecidos como bhashmas são específicos da Ayurveda. Podem ser usadas nas massagens desintoxicantes (abhyanga) ou em aplicações via oral ou nasal (nasyakarma).

Como medicina eminentemente preventiva, a Ayurveda ensina que o dia também tem os seus três doshas que se alternam de quatro em quatro horas. De seis horas às dez horas predomina Kapha (período de letargia), seguido de Pitta (das dez às 14 horas – força de transformação ou regeneração) e de Vata (de 14 às 18 horas – período mais agitado). Então o ciclo se reinicia: Kapha de 18 às 22 horas, Pitta de 22 às duas horas e Vata de duas às seis horas. Baseado nisso, prescreve uma rotina diária (dinacharya) de acordar cedo (antes das seis da manhã), fazer a higiene ayurvédica, praticar ásanas e meditação, almoçar bem (a principal refeição) quando o sol estiver em seu ponto mais alto (por volta das 12 horas), fazer automassagem antes do banho da tarde, jantar leve e dormir, no máximo, às 22h:30min após um relaxamento.

Como medicina curativa, além do dosha, o pulso, os olhos, a temperatura da mão e as linhas do rosto são examinados. O modo de caminhar, tiques e trejeitos também são importantes na anamnese do paciente. No pulso, um médico ayurveda consegue perceber as freqüências de Vata (rápido e irregular), Pitta (“quente” e “ativo”) e Kapha (lento e estável). Com diferentes pressões digitais, mede cerca de 15 tipos de pulsações diferentes, rastreando e detectando desequilíbrios em órgãos e tecidos antes que se tornem doenças. No rosto, as marcas de expressão (rugas), o aspecto e o tamanho dos olhos também são importantes.

Distúrbios na cor ou texturas em locais específicos dos lábios, também demonstrariam problemas em órgãos específicos. Dividindo-se o lábio superior em duas partes laterais e uma parte central e essa parte central em porções superior, média e inferior, veremos representados, em seu centro, a tireóide (acima), fígado, coração e baço (no meio, da direita à esquerda) e o estômago (abaixo). Nas laterais os dois pulmões e no ângulo da boca os dois rins. No lábio inferior ficaria todo o intestino delgado e grosso. A mesma disposição existiria na língua, ficando o esôfago, brônquios, pulmões e coração na parte mais externa, fígado, estômago, pâncreas e baço no dorso da língua, e os rins e os intestinos na sua parte mais interna (próximo à faringe).

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