Outro Paradgima do Desenvolvimento Humano

Faço considerações sobre minha forma de pensar e sentir a realidade, e sobre o processo de desenvolvimento humano.

Entendo que deve ser produzido um novo modo de saber que incorpore as interações: de confiança entre atores sociais, de cuidado entre os seres humanos e destes com a natureza. Nessa concepção, a vida social passa a ser conduzida pela força da cultura e pela energia do espírito. A porta desse paradigma em gestação deve ser aberta para o conjunto das condições multidimensionais em rápido processo de mudanças. Somos desafiados a construir outra cultura de desenvolvimento, a estimular a manifestação da consciência social, em termos de confiança, cooperação e participação, convertida em energia espiritual orientadora. O paradigma que produz uma cultura é, ao mesmo tempo, o paradigma que reproduz cultura.

A nova realidade vem marcada pela incerteza, pela turbulência, pela desordem, pela contradição e pela complexidade, assinalando uma mudança de época. Essa transição histórica desafia o racionalismo, questiona os modelos de desenvolvimento, a velha noção de progresso, a lógica da causalidade, o conceito de modernização, o pensamento linear, a retórica da competitividade e o determinismo produtivista.

A cultura da modernidade dificulta a compreensão e a transcendência intelectual e pragmática desse confuso mundo produzido pelo homem racional. Internalizar essa compreensão significa processá-la em mergulho em nossa compreensão racional, afetiva e emocional. Nessa dimensão, afloram novos conceitos e significados capazes de evidenciar saídas adequadas a um estágio civilizatório sustentável.

Ganha corpo um novo conceito holístico de pensamento e desenvolvimento. Esse conceito norteia o novo olhar e o trabalhar a natureza de forma reverente; indica a adoção de nova tecnologia, nova organização social; a cultura e a política imbuídas do civismo; e força aos vínculos das ciências físicas e sociais, com a filosofia, e com as dimensões do espírito, de forma a criar uma rede de conhecimento do conhecimento, ( Edgar Morin e Jean-Louis Le Moigne, A inteligência da complexidade, p. 69. ) formadora da razão iluminada pelo coração.

A nova realidade vem marcada pela incerteza, pela turbulência, pela contradição e pela complexidade.

A sociedade vem-se tornando consciente de que seus problemas têm íntimas conexões com a dimensão espiritual. Os elementos subjetivos – considerados não-científicos – estão sendo resgatados, dando abertura ao surgimento de idéias, conceitos que alimentam um diálogo dinamizador dos movimentos sociais, estimulam as bases de uma cultura política que aciona as possibilidades de desenvolvimento sustentável. É constatável o crescente entusiasmo social sob valores éticos que criam novos tecidos sociais e campos mórficos com potencial de gerar atitudes solidárias e amorosas no processo do viver social, e capazes de emitir ondas de possibilidades que revigoram as alternativas humanas.( Conforme Cristina Arzabe, EMBRAPA – Piauí, 2002. )( Jeffrey Raff, Jung e a imaginação alquímica, Mandarim, São Paulo, 2002. )

A compressão do papel fundamental das dimensões intangíveis do desenvolvimento – a alegria, a confiança, a beleza, o cuidado, a solidariedade, a participação, a identidade – possibilitam entender a impotência dos esforços institucionais dirigidos ao “combate à pobreza”. O paradigma instrumental do desenvolvimentismo obscurece as concepções dos governantes e dos “especialistas orgânicos” quanto à essencialidade qualitativa do desenvolvimento, por se apoiarem em ações de ordem preponderantemente quantitativas – muitas delas absurdas e perigosas em suas conseqüências. ( Sergio Boisier, El Desarrollo Territorial a partir de la Construcción de Capital Sinérgico, Chile, 2000. )

O absurdo do paradigma instrumental resulta de conceber o processo de desenvolvimento como um relógio, caraterizado pela repetição e previsibilidade. O contrário observa-se no processo do desenvolvimento sustentável, em sua simultânea subjetividade- Necessitamos de concepções mais abrangentes, ir além da mente, dar voz à imaginação ativa. objetividade. A certeza e a incerteza, o movimento e a persistência, o comum e o diverso, o único e o diferente, o total e o parcial, o visível e o oculto, o vivo e o morto coexistem em todo processo de desenvolvimento.

Somos seres sentipensantes, por isso, nossas ações são governadas por pensamentos e sentimentos. As energias invisíveis do cotidiano – compromisso, solidariedade, vontade, esperança, angústia, confiança, sofrimento, alegria, amor, paz, identidade, etc. – não são menos reais pelo fato de serem intangíveis, não calculáveis, nem mensuráveis.

Desenvolvimento local sustentável: a importância do “capital social”

Que tipo de sociedade estamos desenvolvendo? “Capital social” para quem? O que significa “capital social” nesta sociedade competitiva? Qual é o seu poder?

Sinto que agora estamos melhor sintonizados para falar sobre o suntuoso conceito de “capital social”. Conceito que não parece adequado à referência humana. O capital associa-se à perspectiva de cálculos e de negócios, o que não se adequa à complexidade da natureza humana e à diversidade dos relacionamentos sociais. Nem é convincente aos economistas orgânicos – os sacerdotes do “desenvolvimento” – que o social constitui uma mina de criatividade, em condições de liberdade, que propicia o manifestar, o escolher e o acessar as oportunidades. Por que o social tem que ser capital? O social pode e deve prosperar e transcender “além da renda” e demais interesses monetários. A meta humana é o enriquecimento das qualidades interiores e não tornar a vida rica em moeda e bens materiais.

A concepção instrumental do “capital social” é insuficiente para promover desenvolvimento sustentável. A transição para uma sociedade sustentável depende do quanto sejamos capazes de valorizar e vivenciar os elementos intangíveis inerentes à sociabilidade confiante; ao entusiasmo coletivo; à participação social; à informação para todos; ao cuidado ambiental; à qualidade de nova institucionalidade; e ao empoderamento das pessoas e organizações. O elemento construtor dessa sociabilidade é o emocional da confiança. A força vital que a confiança expressa, ao constituir energia comunicadora que leva informação contagiante. ( Na psicologia ocidental, a confiança não é considerada uma emoção. ) Sentimos confiança quando somos acessados por uma verdade e agimos em conformidade; com isso, aceitamos o outro, em argumento, iniciativas, e no compartilhar o processo cotidiano e social.

O social pode e deve prosperar e transcender “além da renda” e demais interesses monetários.

Além da confiança, a sociedade sustentável requer outros elementos para compor a equação do desenvolvimento: os valores da compaixão, da solidariedade, do amor político e da beleza (temos hipertrofiado o mundo racional, perdido contato com as outras polaridades essenciais para qualquer existência). Sinto que o desenvolvimento sustentável conquista-nos por sua beleza, que, ao representar alegria, harmonia, zelo e tranqüilidade, inspira a percepção ampliada e unificadora do mundo físico, mental, emocional e espiritual. Impressiona que ações derivadas em contextos imbuídos desses valores tenham maior probabilidade de êxito econômico. Essas novas fontes de poder, que decorrem de campos de energias unificadas, dinamizam os relacionamentos, vitalizam a democracia e ampliam a consciência social.

O desenvolvimento, nesses termos, além de marcos lógicos guarda também um coração. Será que a agenda-coração do DLIS incorpora, na devida proporção, o belo, o amoroso, o alegre e o comprometimento adequados à sua cultura e política? Será que expressa o entusiasmo coletivo, considera a identidade e estimula ao civismo?

Mais do que sensibilizar, é preciso entusiasmar as comunidades para inseri-las e comprometê-las ao dinamismo e às transformações. ( As emoções do entusiasmo representam o fundamento e as formas de agir das pessoas, e das comunidades. )

Nessa perspectiva, o desenvolvimento local sustentável não depende tanto das potencialidades produtivas, nem das vantagens naturais. Depende essencialmente das capacidades humanas, das energias afetivas, da densidade do tecido social, da construção de ambientes democráticos e favoráveis à interação e ao diálogo; da articulação em redes dos atores sociais e institucionais para impulsionar projetos comuns.

Poderes transracionais, forças culturais intrinsecamente formativas, campos mórficos onde residem as memórias coletivas – ondas vibratórias com capacidade de reproduzir hábitos e comportamentos também operam na construção da sociabilidade sustentável.

O tecido social

O mundo em que vivemos é o mundo que configuramos com nossos relacionamentos. Entendemos por viver o que fazemos dentro de nossos relacionamentos. Por isso, a trajetória das mudanças depende da qualidade e intensidade desses relacionamentos. O tecido social constitui teia ampliada do conjunto desses relacionamentos – os expressos e os de natureza intangíveis. Os atores com propriedades de mente, alma e coração dirigidos a formar hábitos de vida confiante, criativa, alegre, participativa, solidária, respeitosa, empreendedora ampliam e aprofundam as ondas de cuidado com o tecido social de forma a enriquecer qualitativamente a sociabilidade confiante.

Esse cuidado depende, em grande medida, da qualidade da educação e do conhecimento, das oportunidades de acesso ao ensino formativo, das trocas de experiências, dos ambientes democráticos abertos, da valorização da identidade, do acesso à informação, das normas e atitudes repassados pela família e pela escola, e até dos significativos contatos intermitentes.

A dança histórica exercida no interior dos territórios é dinamizada por grupos que ocupam diversas posições sociais conforme os seus interesses. O interjogo das interações, as conversações cúmplices ou conflitivas vão dando conteúdo à complexa malha social. O social, como criação da malha de relacionamentos humanos, expressa uma energia formativa dos seus próprios movimentos e comportamentos. Não há como controlar esse complexo de energias sociais que, em essência, carrega algo que é auto-organizativo, a exemplo dos sistemas celulares vivos.

A energia é a força que cria a vida, o poder mediante o qual tudo se organiza no processo vital. A interioridade da energia é informação organizada.

As energias culturais são modeladas pelo território e pela auto-organizaçã o das energias sociais, podendo gerar ou represar liberdades – por efeito do poder que é transmitido em ondas ressonantes para atores sintonizados em suas semelhanças. O princípio morfogenético é explicitador desse fenômeno organizador de comportamentos, que carrega a memória coletiva, a relação com parentes anteriores e interiores, e a vibração de cada pessoa, em relação retroalimentadora com o coletivo. ( Rupert Sheldrake, O Renascimento da Natureza: O Reflorescimento da Ciência e de Deus, Cultrix, São Paulo, 1991. )

O significado dos campos mórficos culturais – para uma comunidade, um território e/ou para uma sociedade – consiste no conjunto de experiências de vida, associado às energias sociais que foram e estão sendo construídas, de acordo com a gênese atemporal. As experiências se instalam nas células do corpo físico, na consciência do corpo mental, no inconsciente do corpo vital e espiritual e na memória histórica e coletiva dos seres humanos. Os campos mórficos culturais, como vibrações de possibilidades, mesmo que não entendidos, tendem a modelar os comportamentos em direção aos seus propósitos e ao que é destinado. ( Rupert Sheldrake, Idem. ) Vários princípios ordenadores estão ocultos no complexo conteúdo da memória e do inconsciente coletivo que envolve o inconsciente pessoal. ( Carl Jung, The Structure and Dynamics of the Psyche, Collected Works, Vol. 8. Princeton University Press, 1969. )

O sentimento sustentável da vida social está na sintonia que ocorre nas experiências dos relacionamentos.

A ressonância mórfica constitui condutor das informações que dão sentido e reforço aos relacionamentos de semelhante a semelhante. ( Rupert Sheldrake, Idem. )

O sentido sustentável da vida social está na sintonia que ocorre nas experiências dos relacionamentos, o que estimula e facilita a livre escolha de oportunidades e a expansão das liberdades. ( Conforme Amartya Sem, Desenvolvimento como Liberdade, Cia. Das Letras, São Paulo, 2001. ) Ainda temos de descobrir o segredo dos princípios intangíveis que organizam tais campos de sintonia e ressonância. Pelo principio de multiplicação, podemos aumentar a intensidade energética e o poder qualitativo dos relacionamentos, redefinindo, trocando e complementando o acervo de informações. Eis o poder da sociabilidade confiante, o denominado “capital social”.

A sociabilidade confiante pode ser moldada e/ou desestruturada nas relações cotidianas. A mesma energia de liberdade que conduz à traição pode ser canalizada para criar confiança, em relacionamento horizontal que aproxima e compartilha capacidades, recursos e talentos.

É possível praticar técnicas de imaginação ativa ( “É bem possível que a contemplação de uma situação exterior com a visão imaginativa ative um processo transformador e curativo que afete diretamente a situação. A imaginação produz não apenas insights, mas também transformações” . Conforme Jeffrey Raff, Jung e a imaginação alquímica, Mandarín, São Paulo, 2002, p. 77. ) para transmitir ondas vibratórias de amorosidade, solidariedade, reciprocidade, confiança e cuidado – entre comunidades semelhantes – para o aperfeiçoamento cultural e espiritual. A imaginação ativa inclui a virtude da reflexão para o pensar e o sentir cuidadoso durante as experiências, tendo em vista ampliar a consciência na relação com o EU interior e para a descoberta dos traços virtuosos da identidade, a exemplo do Tambor de Crioulas nas comunidades quilombolas de Maranhão – constituindo expressiva qualidade da ressonância mórfica.

O processo da ressonância mórfica inicia no pequeno Eu local que molda a forma de viver, de sentir e de agir. A contribuição de cada EU à teia de relacionamentos provoca mudanças nos outros, retroalimentando as particularidades individuais. Isso exige tomada de consciência.

A mudança do território é agilizada quando as pessoas internalizarem essa transformação interior. Essa energia transformadora desencadeia relacionamentos com qualidades inovadas e gravadas nos campos mórficos culturais. A descoberta de que o destino pessoal está vinculado aos outros propicia a redefinição da condição de isolamento e da fragmentação, em energias de solidariedade, cooperação e confiança. Comunidades com imaginação ativa constatam-se aptas ao papel de transmitir hábitos e comportamentos positivos, por meio das vibrações que resultam de suas práticas sustentáveis. Tomara que assim caminhemos.

Uma sociedade fragmentada: a dialética da negação

Na memória coletiva da sociedade também vibram ondas de energias negativas. Sinto que nossas sociedades, excluídas e fragmentadas, fracas de mecanismos de regulação democrática, estão marcadas pela “dialética da negação”. Uma pauta cultural que tende a separar pessoas, grupos e comunidades resultando em bloqueio da integração social. ( Fernando Calderón, Martín Hppenhayn e Ernesto Ottone, Esa Esquiva Modernidad, UNESCO, Nueva Sociedad, Caracas, 1996. )

Como estimular a semeadura e promover a colheita da esperança, do amor social e da confiança?

Estamos culturalmente sintonizados com os arquétipos sombrios que moldam a vida humana. Observamos ambientes onde domina a discrepância, em lutas que esgarçam a sociabilidade. Essa briga alimenta um processo perverso de relacionamentos que distanciam e empobrecem a convivência social. ( Conforme Humberto Maturana, El Sentido de lo Humano, Hachette / Comunicación, Chile, 1992. ) Essa cultura é transferida em todas as instâncias da socialização, assim como vai sendo gravada na memória coletiva – nos campos mórficos.

Assusta a existência do expressivo contingente humano que convive sintonizado com a desesperança, a violência, o crime, a morte e a corrupção. A ignorância sobre a dinâmica dos campos mórficos obstrui nossa percepção de que forças muito poderosas e negativas carentes de afeto e de amor social configuram e alimentam a sociabilidade autodestrutiva. E assim, assistimos indiferentes, confusos, agredidos, inseguros ao drama de milhares de cidadãos envolvidos e influenciados por campos mórficos culturais auto-organizadores de ambientes violentos. A insatisfação, os instintos agressivos e a pilhagem nas “Cidades de Deus” afloram como vetores invasores à sociabilidade confiante.

O desenvolvimento da sociabilidade confiante

Como entender o mundo humano interior, as energias do espírito, a linguagem da identidade e as vibrações decorrentes dos campos culturais evidenciados nos relacionamentos e comportamentos de cada território? Como estimular a semeadura e promover a colheita da esperança, do amor social e da confiança? Como acumular fé, solidariedade e generosidade fazendo-as operacionais como energias – informações – que são transmitidas da consciência pessoal para os próximos e o coletivo humano? Como avaliar a subjetividade das comunidades em suas percepções inerente aos campos mórficos culturais do SER, para orientar o FAZER e alcançar o TER? ( No SEBRAE/MA um grupo de consultores desenvolveu, junto ao IICA, uma metodologia que permite “medir” algumas manifestações da subjetividade comunitária. A metodologia – identificada como “Janelas da Alma” – registra as figuras interiores, as percepções, sistema de valores, resgatando imagens dos campos psicológicos e espirituais da comunidade. (Barbara Nicolau, Aldo Leite, Dalva Borges, Carlos Júlio Jara, 2002). )

Em termos humanos, o antagonismo, a solidariedade, a rivalidade, a parceria, a subalternidade e a liberdade são insuficientes para nos dar um padrão universal de sociabilidade. Não há modelo de relação amorosa, alegre, confiante, nem há conflito permanente que expressem a realidade do mistério humano. A sociedade e o ser humano incorporam a dualidade dos opostos – em suas perspectivas, sonhos, êxitos, desacertos que transcendem a razão.

As comunidades onde predominam campos intangíveis negativos da incredulidade, discriminação, desvalorização, indiferença, depressão, ansiedade, desesperança, falta de auto-estima são perturbadas emocionalmente. Nesses ambientes, é difícil gerar capital empresarial. Importa descobrir no emocional coletivo, as Janelas da Alma como estratégia metodológica para abrir as manifestação da subjetividade positiva, ( Conforme Barbara Nicolau, SEBRAE/MA ) dando conteúdos aos sonhos comunitários, que são a base dos projetos comunitários e do desenvolvimento local. Essa perspectiva sensibiliza e anima para caminhar ao encontro das figuras interiores – mitos – que acionam nas multiformes condutas das pessoas e comunidades, tendo em vista a escuta que valoriza os elementos intangíveis, sejam para reforçar os positivos ou para redefinir os negativos. Essa abordagem permite acessar o “espirito dos territórios” ( Conforme Rupert Sheldrake, Idem, 1991. )

Estamos condicionados a ver para acreditar. Já é tempo de acreditar para ver.

Sabemos que promover o desenvolvimento sustentável significa investir em muitos fatores simultaneamente, tangíveis e intangíveis, econômicos e extra-econômicos. ( Conforme Augusto de Franco, Por que precisamos de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável? Millennium, Brasília, 2000. )

São diversas as fórmulas que vêm sendo postas em prática para o desenvolvimento sustentável. Argumentamos que a sociabilidade confiante depende de decisivo “investimento multifatorial” que vá ao encontro das expectativas de como queremos viver, as pessoas se sentem portadoras da história em processo reflexivo do Vir a Ser. O desenho do caminho a seguir é uma questão de natureza cultural que precisa do entusiasmo coletivo, da fé e da esperança para ser ativo, vivo e, por isso, transcendente. ( Entusiasmo se deriva do grego Enthous, que significa “Deus dentro de”, e Asmos, que traduz a idéia de um relacionamento inspirado por Deus para dentro da pessoa. Estar entusiasmado diz respeito a estar realmente bem-disposto, motivado, alegre, energizado para realizar uma ação transformadora, acreditando. ) Ainda não sabemos como alimentar esse emocional, essa energia vibrante, como a torcida de futebol, capaz de produzir ondas de ressonância que facilitem o nascimento de uma nova sociedade, justa e sustentável, humana e bonita, produtiva, alegre e democrática? ( Eduardo Giannetti argumenta: “Torcer é entregar-se à vivência primária e avassaladora de que as contorções emocionais que nos agitam e consomem torcerão o curso dos acontecimentos na direção desejada. É um mecanismo mental involuntário de natureza animista, e que nos transporta para o mundo mítico, no qual os desejos e emoções adquirem poder causal sobre o enredo aberto e imprevisível de um jogo… No fundo, a fé selvagem de quem torce é a crença de que podemos domar e torcer o curso natural das coisas por meio da força bruta da subjetividade. e fortalecer os campos mórficos, como esferas de ação que dinamizam o processo de desenvolvimento sustentável. Estamos falando de relacionamentos conflituosos com o outro, por percebê-lo distinto, gerando afastamento entre as pessoas e os grupos sociais. Essa reação tem o caráter equivocado de desvalorizar, inferiorizar e estigmatizar o outro, colocando-o ao lado da maldade, mentira, dúvida, suspeita e temor. Enfrentar os conflitos nesse processo implica ampliar o círculo vicioso dos afastamentos humanos e sociais. ..”, Nada é Tudo, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000. )

A educação e a escolaridade podem fazer muito para desenvolver “capital social”, mas não podem fazer tudo. Na educação convencional, são insuficientes os conteúdos relacionados aos valores culturais de solidariedade, amorosidade, civismo, equanimidade, cuidado ambiental. Predominam o empobrecimento afetivo, o conhecimento inconseqüente, a irresponsabilidade intelectual, a verticalidade bancária do ensino. No cenário da educação programada e adaptativa, faz-se necessária a reeducação da educação e do educador.

A sociabilidade confiante espera pela energia da organização social, livre e democrática. Mas o modelo de livre-mercado minimiza os avanços da democracia; em determinadas sociedades, põe-se em risco esse potencial político, alimentando a fragmentação social, por meio de uma desmedida competição. A democracia que vibra em muitos territórios do Brasil ainda está empobrecida pelo autoritarismo que bloqueia o fluxo da ação comunicativa da participação e gestão social e a afirmação de nova institucionalidade que promova a democracia emocional e cognitiva. ( Jürgen Habermas, The Theory of Communicative Action, Heinemann, London, 1984. ) A democracia tem de ser democratizada e os governantes devem mudar o foco da interlocução à proporção que escutem e incorporem as liberdades de opinião, de reunião, de participação e que promovam o acesso às oportunidades que nutrem as capacidades e os talentos.

Podemos construir uma sociabilidade confiante mediante ondas de informação, articulação e empoderamento geradas no contexto das redes sociais. As redes estimulam a interação social, criando proximidade para troca de experiências, que promove complementaridades. As redes territoriais, por exemplo, permitem vincular os processos dissipativos – que caracterizam os programas tradicionais de “combate à pobreza” – que geram sinergias, canais comunicantes e informações. Já a rede social existe como realidade flexível; traduz um sistema aberto que expressa a capacidade de auto-organizaçã o. Nelas, os pequenos contatos podem ser amplificados e provocar grandes mudanças.

Dentre tantas experiências, teorias e recomendações de “investimento em capital social”, sugerimos construir o campo de sociabilidade confiante com a modelagem de relacionamentos amorosos, cuidadosos, confiantes, alegres, participativos, amistosos, gentis, criadores e empreendedores a serem internalizados como prática cultural na memória coletiva – nos campos mórficos. Essa hipótese – segundo Sheldrake – é inevitavelmente controvertida, mas deve ser testada com deliberação em esforço multidisciplinar. Constata-se que muitos dos caminhos convencionais de desenvolvimento estão em estágio de esgotamento e sem horizontes. Sobram os exemplos de destruição da malha social, do espaço público, da natureza e da identidade cultural.

A hipótese tem sido testada na esfera da morfogênese biológica. Não somos realmente os reis da terra viva. Mas pelo fato de sermos organismos vivos, seres sentipensantes, não podemos escapar da hipótese da causação formativa. Essa realidade não é acessível às lentes da ciência mecanicista. Em especial, a economia não consegue entender o dinamismo fora do seu foco de conhecimento. Os campos provavelmente operam no impenetrável princípio da incerteza da física quântica, que cria uma interferência “deturpadora” do ato de observar o observável.

Nos perguntamos se é possível facilitar as mudanças de atitudes e relacionamentos sociais.

Estamos condicionados a ver para acreditar. Já é tempo de acreditar para ver. Não podemos continuar na ingenuidade das categorias mecânicas do desenvolvimentismo. Devemos transcender, vislumbrar acima dos muros conceituais que bloqueiam nosso racionalismo e que impedem o olhar com as lentes que o intangível proporciona. Somos desafiados a pensar o impensável, sair do paradigma que desintegra e oculta tudo o que em essência é vinculado. A busca de caminhos alternativos é envolvente, ao estilo alquimista, ativando a imaginação criativa. Nessa postura, os pensadores são convidados a uma conversa humilde, da ciência biológica, a física quântica, a filosofia, a antropologia, a sociologia, a psicologia transpessoal, a economia social, a pedagogia construtivista e a tradição mística.

Nos perguntamos se é possível facilitar as mudanças de atitudes e relacionamentos sociais, de construir uma sociabilidade confiante em nossos territórios, se optamos por experiências pedagógicas “transpessoais” , capazes de provocar mudanças de consciência, por meio de vibrações de probabilidade que desafiam tempo e espaço?

Imaginemos um encontro de “vibrações de probabilidade” entre comunidades que têm incorporado formas sustentáveis de viver. Vibrações que se entremisturam e, por efeito do fenômeno da ressonância, possam influir nos acontecimentos significativos de outras comunidades semelhantes. Ondas de probabilidade que emergem de campos mórficos herdados ou construídos, que podem ou não materializar comportamentos e atitudes solidárias, cuidadosas, que promovam as complementaridades, semeiem atitudes generosas, por isso agregativas.

Sabemos pouco como entrar em contato com os campos culturais e com os espíritos territoriais, com as memórias históricas. Se, como afirma Sheldrake, nossas percepções levam a uma atividade interpretativa de nossa mente e se as imagens que estas geram se encontram tanto dentro como fora do corpo, é possível levar o ambiente dentro de nós, assim como fazer o encontro mental com o ambiente. Nossa mente pode projetar-se para estabelecer contato com o que vemos, podendo, inclusive, afetar o que vemos, face ao mistério do olhar sensível e educado. ( Rupert Sheldrake, Sete Experimentos que podem mudar o mundo, Cultrix, São Paulo, 1995. )

Cremos na possibilidade do uso da religiosidade, da sensibilidade, da musicalidade e do poder da palavra amorosa, como canais vibratórios e/ou como ondas de probabilidades que extrapolam os níveis da consciência acomodativa? Comunicarmo- nos por exemplo, por intermédio do Tambor de Crioulas, cuja música expressa as forças dos arquétipos. A grande maioria de nós não sabe que somos capazes de nos comunicarmos de outra maneira. ( William McGuire e R.F.C. Hull, C.G. Jung: Entrevistas e Encontros, Editora Cultrix, São Paulo, 1997. ) Muitas comunidades primitivas, entretanto, sabem e acreditam na existência dessas dimensões.

Tomara que assim seja!

* Carlos Jara é o diretor de Estudos Latino-Americanos da Universidade do Pacífico, no Equador

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