Entre os dias 5-8 de abril do corrente ano, o Estado do Rio de Janeiro (a cidade e outras vizinhas, especialmente Niterói) conheceram a maior enchente histórica dos últimos 48 anos. Houve grandes alagamentos nas principais ruas, deslizamentos de encostas, subida de um metro e meio das águas da Lagoa Rodrigo de Freitas provocada, em parte, pela elevação da maré que impediu o desaguar das águas pluviais. O mais terrível foi a morte de centenas de pessoas, soterradas por toneladas de terra, árvores, pedras e lixo.
A tragédia climática trouxe à luz a tragédia social vivida pelas populações carentes. Esta é a segunda causa. Há mais de 500 favelas (comunidades pobres), dependuradas nas encostas das montanhas que serpenteiam a cidade. Elas não são culpadas pelos deslizamentos, como apontava o governador. Elas moram nestas regiões de risco porque, simplesmente, não tem para onde ir. Há uma notória insensibilidade geral pelos pobres, fruto do elitismo de nossa tradição colonial e escravagista. O Estado não foi montando para atender toda a população, mas principalmente as classes já beneficiadas. Nunca houve uma política pública consistente que inserisse as favelas como parte da cidade e por isso as urbanizasse, garantindo-lhes habitação segura, infra-estrutura de esgoto, água e luz e, não em último lugar, transporte. Sempre houve políticas pobres para os pobres que são as grandes maiorias da população e políticas ricas para os ricos. A consequência deste descaso se revela nos desastres que vitimam centenas de pessoas.
A terceira causa é a que eu chamaria de a falta de “profetas da ecologia”. Observando-se ruas e avenidas inundadas, viam-se boiando por sobre as águas, todo tipo de lixo, sacos cheios de rejeitos, garrafas plásticas, caixotes e até sofás e armários. Quer dizer, a população não incorporou uma atitude ecológica mínima de cuidar do lixo que produz. Esse lixo entupiu os bueiros e outros sugadouros de águas pluviais, o que provocou a subida repentina das águas torrenciais e seu lento escoamento.
Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, nos oferece um belo exemplo. Sob a orientação de um irmão marista, Antônio Cecchin, que há anos vem trabalhando nos meios pobres em volta da cidade, organizou centenas de catadores de lixo. Fez levantar cerca de vinte grandes galpões, perto do centro, na ponta da Ilha Grande dos Marinheiros, onde o lixo é selecionado, limpado e vendido a diferentes fábricas que o re-utilizam.
Conscientizou os catadores de que com seu trabalho estão ajudando a manter a cidade limpa para que seja um lugar em que se possa viver com alegria. Orgulhosamente os catadores escreveram atrás de cada carrinho, em grandes letras, o seu título de dignidade: “Profetas da Ecologia”.
Assumiram como ideal as palavras de um de nossos maiores ecologistas, José Lutzenberger: “Um só catador faz mais pelo meio-ambiente no Brasil do que o próprio ministro do meio-ambiente”. Se existissem estes “profetas da ecologia” no Estado do Rio de Janeiro, as enchentes seriam menos avassaladoras e centenas de vidas seriam poupadas.