“Nunca podeis descer duas vezes no mesmo rio, pois novas águas escoarão sobre vós” 83:52.
Heráclito de Éfeso (540-480 a.C.)
No Volume 1 vimos que a ciência atual vê o mundo como algo em constante mudança e inter-relação. A criação e o aniquilamento de subpartículas são características do mundo subatômico. Continuamente partículas se transformam em energia (desaparecem no seu campo quântico, no “vazio”) para logo em seguida ressurgirem como partículas. Todas as subpartículas são criadas e aniquiladas, continuamente, do mesmo modo que o deus hindu Shiva cria e destrói o mundo, e dessa forma o mantém 14:183. A impermanência é uma característica fundamental do vazio. Partindo dessa menor parte da matéria que conhecemos e ascendendo até o homem, notamos que tudo na natureza é mutável, tudo é uma constante mudança, como já dizia Heráclito de Éfeso (540-480 a.C.). E é esse movimento e transformação constante que reforça o conceito de ilusão das coisas manifestadas: toda a matéria é Maya (ilusão), ou Kosmos (aparência), que esconde Kaos (o grande vazio não manifestado).
É difícil crer que do “Nada” surge “algo” que, após uma análise mais detalhada, percebe-se que não tem existência “real”. Seria melhor intelectualizarmos que a realidade é um campo energético quântico universal, do qual emergem formas compostas, pequeníssimas formas, às quais damos o nome de subpartículas. Todas essas formas têm existências limitadas, pois seu destino é retornar ao campo quântico de onde vieram, para em seguida tomarem forma novamente em outras situações e locais. Partículas materiais isoladas são abstrações dinâmicas.
Carl Gustav Jung (1.875-1.961) afirmava que tudo o que existia eram apenas imagens psíquicas 19:61. Dessa forma, apesar de todas as impressões sensoriais do homem quererem forçá-lo a crer num mundo de objetos individuais que ocupam um lugar no espaço, ele não acreditava em algo além da realidade psíquica. Essa era quem interpretava as freqüências exteriores (de som ou de cor, por exemplo) dando-lhes existências “reais”.
A impermanência é a realidade para o budismo. O mundo é ilusório (Maya), para o hinduísmo e para o budismo. Tudo é e não é. Tudo o que se pode chamar de individualidade, é composto de várias outras individualidades, que por sua vez são compostas de várias outras partes, até se chegar à subpartícula, que não pode ser chamada de individual, posto que está em constante transformação e inter-relação com todas as outras subpartículas.
“Tudo existe, é um dos extremos. Nada existe, é o outro extremo. Devemos sempre nos manter afastados desses dois extremos e seguir o Caminho do Meio” 17:51.
Sidarta Gautama, O BUDA (563-483 a.C.)
“…tomamos como real a multiplicidade, damos realidade à pluralidade [das coisas] e acabamos por nos considerar, a nós mesmos, como identidades ou realidades separadas, autônomas e independentes num mundo hostil, indiferente, perigoso e quase inimigo” 83:38.
Georges da Silva
Quando o homem aceitar que ele também é impermanente, sua angústia perante a morte sumirá. Quando o homem perceber que o tempo linear não existe, mas um eterno presente é a verdadeira realidade, ele deixará de viver no passado e de se angustiar com o futuro para viver o presente em toda a sua plenitude. Afinal chamamos o corpo físico de “meu”, chamamos nossas emoções de “minhas” e chamamos à nossa mente de “minha”. Eu não sou o que é meu. Se o corpo, as emoções e a mente são meus, eu não posso me identificar com nenhum deles. Eu, na verdade sou alguém que possui um corpo físico, um corpo emocional e um corpo mental, todos em constante mudança, impermanentes, variáveis e vivificados por mim, o Eu.
“Enquanto viveres, estarás sujeito ao variável, ainda que não queiras… O sábio, porém, e instruído na vida espiritual, está acima desta inconstância…, concentrando todo o esforço de sua alma no devido e almejado fim”.
Thomas de Kempis (IC III,33:1)
Observando o presente, o homem percebe que ele não é o seu corpo mutável, que se renova por completo a cada cinco anos, cresce, envelhece e morre. Alguma coisa observa o corpo. Então o homem começa a achar que ele é a sua mente. Mas novamente observando, no presente, a sua mente, o homem vê que a mente muda a cada piscar de olhos e arrasta consigo todo um leque de sensações, ditas condicionadas. A mente é muito mais instável que o corpo. A mente é uma sucessão de desejos, emoções, sentimentos e pensamentos. A individualidade, no verdadeiro significado da palavra, dura o ínfimo lapso de tempo de uma combinação de um corpo e de um estado mental. Analisando mais profundamente, vemos que se podemos observar a nossa mente, então não somos a nossa mente, somos algo que é capaz de observar a sua própria mente.
Somos, na realidade, um vórtice de consciência dentro e em torno do qual circula matéria em diversos níveis de sutileza, Skandhas em constante mudança (Cf. adiante e com detalhes no Capítulo III). E essa “essência interna” vai além de si mesma ligando-nos ao Universo, aos nossos semelhantes e a Deus:
“Na realidade, somos pessoas vividas por uma energia sutil, nossa essência interna 95:24s”.
Trigueirinho
“O homem é o centro e a razão da evolução: sua alma o liga a esse Universo, que ela domina, a seus semelhantes e a seu fim último, que é Deus”.
Pierre Teilhard de Chardin (1.881-1.955)
Tudo o que é composto de partes será decomposto em algum momento. Vemos que o ser humano, em vida, é composto de seu corpo físico, de sua mente, a qual cria a sua própria realidade, e de sua Consciência, o “programador escondido”, conhecido também como “Eu superior”, que observa o corpo e a mente. A tríade corpo, mente e “Eu superior” tem ligação estreita com a tríade corpo, alma e Espírito.
A neurociência até hoje não conseguiu explicar onde está localizada a área responsável pela memória (o engrama) 98:21, nem demonstrar que existam áreas que expliquem todos os processos de pensamentos, sentimentos e emoções. O tronco cerebral, o hipotálamo, o tálamo, a área pré-frontal e o sistema límbico, estão envolvidos no processamento das emoções e sentimentos, o córtex temporal está envolvido em funções complexas como memória e emoção, os hemisférios cerebrais direito e esquerdo pelo raciocínio e pensamentos subjetivo e objetivo, respectivamente, e a memória parece ser arquivada difusamente pelo cérebro (Cf. no próximo capítulo). Registros de experiências religiosas, experiência de quase morte e alucinações ocorreram em casos de epilepsia do sistema límbico. Crises do lobo temporal algumas vezes levam a experiências de êxtase religioso e a hipo-atividade da área de associação e orientação do lobo parietal, região que estabelece a fronteira entre o eu físico e o ambiente externo, leva a sensações de percepção ilimitada e fusão com um espaço infinito.
Disso tudo resultam duas hipóteses bastante racionais: ou a mente e a espiritualidade são criações do cérebro, ou o cérebro foi “projetado” de forma que ele pudesse se conectar e experimentar um outro plano, mental ou espiritual. Nenhuma das duas pode ser excluída, atualmente, pela neurociência!
Andrew Newberg, radiologista americano, é um dos conceituados cientistas que pesquisam a inter-relação entre o cérebro e a espiritualidade 65. Em 2.001 publicou um estudo em que realizou tomografias computadorizadas em dois grupos de religiosos, oito budistas tibetanos e um grupo de freiras franciscanas, ambos em estados de intenso clímax religioso (meditação profunda e êxtase contemplativo, respectivamente) 66. Observou que nesses momentos de clímax, aquela área cerebral responsável pela orientação no tempo e no espaço e associação (lobo parietal superior), que nos possibilita distinguir os limites entre nós mesmos e o resto da existência, através de um fluxo constante de informações neurais sensitivas, era bloqueada quase totalmente, e seu fluxo sangüíneo drasticamente reduzido. Dessa forma, eles se sentem parte do infinito, conectados e fundidos com tudo e todos.
Essas mesmas pesquisas mostraram que o lobo temporal inferior reconhece imagens religiosas (velas, cruzes e pinturas), o lobo temporal central produz êxtase, alegria e calma, e o lobo frontal administra a atenção. Parece que o cérebro foi projetado para ter a capacidade de nos fazer sentir indivíduos separados de tudo a nossa volta, mas que uma chave, que bloqueia essa programação, existe e foi descoberta há milênios atrás. Essa chave é a chave de nossa felicidade.
Em 1.966, Karl Pribram, respeitado neurocientista inglês, viu no holograma uma forma atraente de explicar o funcionamento do cérebro. Para ele o cérebro para ver, ouvir, cheirar e saborear interpreta matematicamente as freqüências de energia que capta, provindas de uma dimensão que transcende tempo e espaço, e as armazena holograficamente. Mais ainda, o próprio corpo humano é um holograma, constituído de partes que tem potencial de reproduzir o todo (clonagem). Talvez o mundo fosse um holograma que o cérebro interpreta holograficamente.
Mas quem é o responsável, “dentro do cérebro”, pela interpretação desses hologramas? Quem é o “homenzinho dentro do homem” dos filósofos gregos? “Onde está o Eu, a entidade que usa o cérebro?” E onde fica aquilo a que Sigmund Freud chamou de personalidade?
“O que estamos procurando é o que está olhando” 98:25.
São Francisco de Assis (1.181-1.226)