A Psicossomática

A psicossomática é o estudo das manifestações orgânicas que podem ser causadas ou agravadas por aspectos psíquicos do Ser, excetuando-se aqueles casos de simulação ou hipocondria. Dessa forma, existem dois tipos básicos de doenças psicossomáticas: as doenças de conversão psíquica, onde existe um sintoma mas nenhuma alteração é percebida nos exames laboratoriais, e a somatização, onde energias psíquicas deletérias são descarregadas no corpo físico, levando à detecção de alterações laboratoriais e/ou de imagem.

A somatização, em geral, é uma válvula de escape para as emoções e os sentimentos com os quais não se consegue lidar. Atualmente, pode-se afirmar que todas as doenças têm ao menos algum fundamento psíquico, mas em alguns casos a participação dos estados emocionais no desencadeamento ou na evolução da doença é mais evidente.

Entre as mais conhecidas temos as doenças alérgicas, como a asma brônquica e as dermatites, as doenças gastrintestinais, como as úlceras gástricas, a retocolite ulcerativa e a diverticulite e as doenças auto-imunes, como o lúpus. As tireoideopatias e suas relações com as emoções, as cardiopatias, o câncer, as dermatopatias (acne, alopécia areata, dermatite atópica e seborréica, psoríase, o vitiligo e a urticária), a disidrose (suor excessivo nas mãos e pés) e as doenças infecciosas que surgem junto a quadros emocionais (como gripes sucessivas em um período depressivo) são outros exemplos.

O desencadeamento de doenças imediatamente após brigas, sustos, períodos de crise emocional, stress, mudanças na vida ou outros fatores desencadeantes, demonstram que essa interação psicossomática é real e está muito presente em nossa vida. Os dois ramos de pesquisa principais da medicina, nessa linha, são a cardiopsicologia e a psiconeuroimunologia.

 

1. CARDIOPSICOLOGIA

A associação entre fatores psicológicos e alterações cardiológicas não é uma discussão recente. Ela está presente na doença coronariana, nos transtornos do ritmo cardíaco (arritmias) e na hipertensão arterial pois os estados de estresse acarretam elevação da freqüência cardíaca, elevação da pressão arterial e aumento da excitabilidade cardíaca. Além disso, outras alterações cárdio-circulatórias no estresse já são conhecidas: aumento do débito cardíaco, aumento do consumo de oxigênio, vasoconstricção periférica, hemoconcentração, lesão endotelial, aumento da adesividade plaquetária e da coagulação sangüínea, aumento da glicose e do ácido lático e aumento dos ácidos graxos e do colesterol.

Meyer Friedman e R. H. Rosenman introduziram na literatura médica, em 1.959, o conceito de que existiria um tipo de personalidade que teria maior propensão para a cardiopatia isquêmica e criaram os conceitos de personalidade tipo A e tipo B. As pessoas do tipo A, mais propensas a cardiopatias, apresentam uma tendência pessoal à busca de ação e emoções intensas, estando em constante contato com a insatisfação e a raiva. Suas características incluem um desejo contínuo de ser reconhecido e de progredir, procurando atingir metas não bem definidas ou muito altas, e uma insatisfação com as pequenas realizações. Assim, têm uma acentuada impulsão para competir, se envolvendo em múltiplos empreendimentos e não conseguindo concluir a todos (por falta de tempo). Não conseguem relaxar satisfatoriamente, mesmo em épocas de folga, têm movimentos rápidos do corpo, com a musculatura da face, mãos e mandíbula quase sempre contraídos e uma entonação emotiva e explosiva na conversação normal.

O padrão de comportamento cardíaco tipo A descreve aquele indivíduo hiper-reativo a estímulos, cujo coração responde de uma maneira também hiper-reativa. Essa hiper-reatividade cardíaca é conhecida como “reação do coração irritável” 74:204 e está relacionada a uma menor imunidade e a uma maior vulnerabilidade a várias formas de doença cardíaca.

Já os que têm a personalidade tipo B são menos cardiorreativos, sempre vêem o lado positivo das coisas que os afligem, não tencionam sua musculatura, não têm metas impossíveis e sempre estão satisfeitos com suas realizações. Estando sempre de bom humor, sorriem com facilidade e choram tanto na alegria como na tristeza, numa espécie de “coerência cardíaca”. Não um choro depressivo, mas um choro depurante e revigorante que produz lágrimas com composição química diferente do choro por irritação ocular 74:285, talvez eliminando substâncias indesejáveis.

Os efeitos do bom humor, do relaxamento e da diversão sobre a saúde física são tão evidentes que uma boa e sincera risada pode ter a mesma importância que uma sessão de ginástica. O bom humor, na realidade, diz respeito a fazer “piadinhas” de tudo, rindo-se das coisas em geral, das brigas, dos pequenos problemas do dia-a-dia e, até mesmo, dos tempos difíceis que passamos, procurando levar a vida de uma forma mais leve.

As pessoas que sabem se divertir e rir são, geralmente, mais saudáveis e mais capazes de sair de situações de estresse com mais facilidade. Essas pessoas têm uma redução nos hormônios envolvidos na fisiologia do estresse, reduzindo as alterações do estresse na homeostase corporal, sendo assim mais fortes imunologicamente e menos propensos a patologias cardíacas.

 

2. A PSICONEUROIMUNOLOGIA

A reciprocidade entre a psique, o SNC e o Sistema Imunológico estimulou o desenvolvimento de uma nova e interessante área médica que estuda as perturbações de um sistema que se refletem no outro: a Psiconeuroimunologia. É surpreendente constatar que esses sistemas agem da mesma forma e integrados: são responsáveis pelo relacionamento do organismo com o mundo externo, avaliam se os elementos da realidade “externa” à pessoa são inócuos ou perigosos, servem à defesa e adaptação, seus desequilíbrios ocasionam doenças, possuem memória e aprendem pela experiência, e contribuem para o equilíbrio do ser no mundo e consigo próprio. 

As evidências da interação entre esses sistemas incluem:

 

  • Doenças infecciosas, câncer, alergias e doenças auto-imunes estão associadas, no seu início e no seu curso, com diversas alterações psicológicas;
  • As alterações emocionais e mentais têm evidentes influências na síntese dos hormônios do estresse (cortisol e adrenalina) e na ocorrência de anormalidades imunológicas;
  • As alterações na síntese de determinados neurotransmissores e neuropeptídeos causam alterações na imunidade; e
  • Drogas psicoativas têm efeitos comprovados sobre a imunidade.

 

Órgãos imunes, como o timo, o baço e a medula óssea, recebem inervação da porção simpática do Sistema Nervoso Autônomo, havendo sinapses nas uniões entre os terminais nervosos simpáticos e as células imunológicas. Da mesma forma que o Sistema Nervoso Central interfere no Sistema Imunológico, um estresse imunológico também interfere no SNC. Os neurônios do hipotálamo disparam de maneira seqüencial após o contato com antígenos (corpo estranho) ou com toxinas elaboradas por células inflamatórias (citotoxinas), ativando o eixo hipotálamo-hipófise-suprarenal, num estado semelhante ao estresse.

Já está comprovado que doenças psíquicas, como a depressão, diminuem a neurogênese no hipocampo, prejudicam a memória e chegam a matar neurônios no hipocampo (SCIAM 17:85). Se introjetamos nossos medos, raivas, preocupações, angústias, frustrações e amarguras, doenças crônicas como artrites, gastrites e até mesmo neoplasias (câncer), sempre surgem.

Estados depressivos tanto podem deprimir quanto ativar, patologicamente, o Sistema Imunológico. A reativação de vírus latentes (como o vírus do Herpes Simples) e a ocorrência de doenças auto-imunes são alguns exemplos dessa interação. Dessa forma fica evidente que a imunidade se regula também cerebralmente com o córtex cerebral esquerdo tendo maior influência na maturação e na função de linfócitos T. Alterações emocionais e mentais, advindas de estresse, ansiedade ou depressão, retardam significativamente a atividade dos linfócitos T, proporcionando tanto hipersensibilidades, dermatites e até asma brônquica de fundo alérgico, quanto interferências no surgimento e na evolução de doenças mais graves como o câncer.

A psiconeuroimunologia do câncer, hoje uma área extensamente pesquisada, já demonstra que a agressividade e a malignidade de determinados tipos específicos de tumores varia de acordo com a habilidade do Sistema Imunológico em resistir a eles (in Lewis C.E., O’Sullivam C., Barraclough J.; The Psychoneuroimmunology of Câncer; Oxford University Press, 1.994). A imunoterapia está ganhando atenção, particularmente para o tratamento de melanomas, linfomas e câncer da mama.

Uma célula humana leva, em média, seis horas para duplicar todos os seus três bilhões de pares de bases e só comete um erro a cada 10 bilhões de pares, ou seja, um erro para cada três células duplicadas. Nesses “erros” do mecanismo de divisão celular, por vezes produzem-se mudanças responsáveis por melhorias, garantindo a  enorme variedade humana, inclusive quanto à resistência a doenças (como a variedade “delta 32” do gene CR5, responsável pela imunidade natural à AIDS). Mas por outro lado podem surgir células com tendência à transformação maligna, com perda, por exemplo, dos mecanismos controladores da replicação celular.

O Sistema Imunológico é o responsável pela vigilância do organismo contra a proliferação dessas células através de um tipo de linfócito denominado NK (Natural Killer). Muitos estudos já mostram que a função dos linfócitos T-killer sofre influência da resposta pessoal ao estresse, que, quando negativa, provoca uma supressão da função daquelas células, acarretando o aumento da extensão do tumor maligno e da probabilidade de metástases, principalmente em casos de câncer de mama e melanoma maligno. Essa resposta pessoal está muito presente na personalidade tipo C.

Neste tipo de personalidade, a tendência à raiva junto com o controle e a supressão das emoções, comportamento forçosamente harmonioso e paciência desmedida mas dissimulada, estão sempre presentes. A amabilidade excessiva, porém, às vezes contrariada, o uso excessivo da negação e da repressão (mecanismos de defesa), ou seja, um rígido controle da expressão emocional, são importantes fatores ligados ao desenvolvimento tumoral e a um risco aumentado de metástases em um câncer já tratado, pois estão associados à diminuição da competência do Sistema Imunológico.

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