As Várias Abordagens no Budismo (Parte II)

Sexta Abordagem: Ação

Concluída a oitava etapa, nós vamos falar sobre a ação, porque ela é o resultado natural após a conclusão de todas as etapas anteriores. A oitava etapa, especialmente no Dzogchen ou no Mahamudra, nos conduz à ação, ela nos introduz à sexta abordagem. Os ensinamentos de Garab Dorje dizem: “Primeiro pensar, depois meditar, e após agir.” O pensar também pode ser substituído por ouvir: “ouvir, meditar e agir”. O “ouvir e meditar” vai até a oitava etapa do nobre caminho, e o agir seria a sua culminância. O próprio Buda só ganha sentido num processo de relação e ação. Ele se relaciona com o mundo de sofrimento como um Buda, ou seja, produzindo a experiência de liberação.

O Buda atingiu a Iluminação completa e depois passou mais 44 anos agindo em corpo físico. Na verdade, ele seguiu agindo. É como se nós não pudéssemos dizer que ele começa a agir, porque ele sempre agiu. O fato é que o Buda Shakiamuni surge quando o príncipe Shidarta morre, se funde com a natureza do Buda Primordial e passa a existir com a aparência do Buda Shakiamuni. Sakya é o nome da tribo à qual o pai do príncipe Shidarta pertencia, e Muni significa sábio silencioso. Então, Shakyamuni é um sábio silencioso da tribo dos Sakya. Mas essa é apenas uma origem histórica. Ao se tornar um Buda, não há alguém da tribo dos Sakya e tampouco um Muni, um sábio silencioso. Ele é Buda, ou seja, ele se funde com o Buda Primordial, e manifesta essa natureza na aparência de um corpo físico, o que permite às pessoas o apontarem como Shakiamuni. Mas o Buda Primordial nunca deixou e nem vai deixar de agir. Ele está sempre presente. Ele segue agindo porque ele corresponde à experiência anterior à divisão da unidade. A presença antes da divisão é a única presença possível.

Isso é extremamente encantador, porque essa é a área em que todas as religiões apresentam dificuldades. A oitava etapa é uma área pouco trilhada pelas tradições, embora todas apontem para essa experiência, chamando-a de “a realização final”, “a fusão”, “a dissolução”, “a unidade”. De uma forma geral, elas não conseguem apontar o detalhe dessa experiência e tampouco reconhecer como que, a partir da natureza última, surgem as aparências convencionais. Essa é a razão pela qual, dentro da visão de muitas tradições, não é possível ver o infinito no finito. Existe quase uma tendência a se dizer: “Livrando-se do finito, nós encontramos o infinito.” Essa sensação existe ou, se não for a sensação, no mínimo essa linguagem está presente. E mesmo nas situações em que a linguagem é transcendida, a experiência ainda assim, não pode ser apontada.

Já no Budismo, as quatro linhagens tibetanas apontam claramente para a experiência última. Na linhagem Nyingma e Kagyu, ela vai ser introduzida pelo Dzogchen e na linhagem Gelugpa e Sakya, pelo Mahamudra. Na linhagem Bon, que é a linhagem indígena do Tibet, também vai se falar no Dzogchen, porém a partir de uma outra origem, onde temos a fusão dos ensinamentos mais elevados com a tradição xamânica. Esse processo é muito interessante, porque a magia, desde que dotada de uma visão elevada, volta a ser um processo religioso. Isso foi o que aconteceu no Tibet, mas não significa que houve uma volta a algo primitivo. Dentro da visão xamânica budista as práticas não devem ter por objetivo as transformações relacionadas a coisas impermanentes. Elas devem apenas nos conduzir a proteção que vem do reconhecimento da Natureza Ilimitada e permitir o avanço no caminho espiritual.

Na linhagem Nyingma isso é claro, nós não devemos rezar e pedir coisas limitadas, fazer práticas para ganhar, por exemplo, uma esposa, um marido ou para curar um filho. Há uma proibição clara quanto a isso. Existem até discussões entre linhagens criticando as práticas xamânicas. Mas por outro lado, não há uma proibição num sentido mais geral, porque se a prática estiver de acordo com a perspectiva em que o Darma é o horizonte, não haverá problema algum. Por exemplo, a prática para uma pessoa recuperar a saúde para se reconectar ao caminho e avançar, está perfeita. Quando existe a compreensão da oitava etapa, todas as infinitas expressões limitadas dos mundos fantasmagóricos bem como e todas as práticas e ensinamentos de várias linhagens e tradições se tornam expressão da natureza última. Na oitava etapa tudo se torna completamente nítido.

Ao concluir a última etapa do nobre caminho de oito passos do Buda e avançar nesta que é a sexta abordagem, vamos descobrir um aspecto encantador da ação na forma do giro da Roda do Darma. Porque, afinal, o que vai ser a ação? É essencialmente o “Bom coração”, o ponto de onde saímos – o círculo fechou-se neste natural retorno. E atingindo a culminância de um “Bom coração”, torna-se possível a “Perfeição”. A ação será também a “Compaixão”, assim como a realização completa da “vacuidade” e da meditação – não apenas sentado, mas em qualquer posição e em qualquer lugar. E da mesma forma, ela será o exercício livre da “luminosidade”, de forma lúcida. Isso é a Roda do Darma.

A sexta abordagem é a culminância de todas as abordagens anteriores, ao mesmo tempo em que todas elas desaparecem, porque ao final, o que existe é uma única prática. Todas as abordagens culminam dentro dessa perspectiva maior. E isso não inclui apenas o Budismo, mas todas as tradições, uma vez que todas elas manifestam esse aspecto de alguma forma, segundo as suas próprias limitações. As discussões entre as diferentes escolas passam a ser vistas como um ornamento. A própria tradição xamânica, a mais antiga da humanidade, seja como for está também perfeita. O que nós vemos são todos os seres integrados em uma religião muito profunda que ultrapassa o foco exclusivo nos seres humanos e inclui toda a natureza e todas as expressões de todos os mundos. Dessa forma, é possível entender como que as pessoas em tradições muito antigas foram descobrindo o aspecto não só mágico, mas infinito de todas as manifestações, incluindo as plantas, animais, cristais, tudo ao redor. Elas percebiam o princípio ativo que havia em cada um dos elementos e os aplicavam para o benefício dos seres.

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