As Várias Abordagens no Budismo (Parte II)

O Caminho Vajraiana: Abordagem não analítica

Textos Essenciais: Textos em geral de Dudjom Rinpoche e Dilgo Khyentse Rinpoche; o “Livro Tibetano do Viver e do Morrer”, de Sogyal Rinpoche; “O Soberano Supremo”; “You are the Eyes of The World” de Longchenpa; textos do Dudjom Tersar Nongdro; “A Iluminação da Sabedoria Primordial”, de Dudjom Rinpoche e Gyatrul Rinpoche.

Com toda essa explicação, parece que chegamos ao fim uma vez que fechamos um ciclo. Mas na verdade, não é bem assim. Nós fechamos esse ciclo, porém até aqui nós usamos um método analítico, um processo de sabedoria, ou seja, nós confiamos em nosso discernimento como instrumento. Dentro de um processo de sabedoria, nós fizemos o círculo completo, mas esse não é o único método. E assim, dentro do Budismo, surgem os ensinamentos Vajrayana. Isso corresponderia ao surgimento das deidades. A prática do Vajrayana, dentro da estrutura budista, seria reconhecida, inicialmente, como Vajrayana Mahayana ou Mahayana Vajrayana.

Isso significa que o caminho tem início com o “Bom coração” e vai até a terceira abordagem, na qual nós encontramos o Mahayana e nele descobrimos a “Compaixão”. Ao entrarmos na quarta abordagem, nós vamos estudar a “vacuidade”, e nesse ponto, surge uma derivação, como se o caminho se dividisse em dois. É possível estudar a vacuidade da forma como foi visto até agora ou nós podemos entrar diretamente na prática de visualização das deidades, recitação de mantras, práticas dos mudras e das sadanas. Nessas formas de prática, a vacuidade vai estar presente não na forma de sabedoria ou de um processo analítico, mas através de um processo mágico.

Todas essas práticas, como por exemplo, as prostrações diante das deidades, surtem efeitos. Vamos supor que nós entremos em uma igreja cristã e, no altar, nós nos prostremos completamente diante de Jesus Cristo ou da Virgem Maria. É certo que a partir disso alguma coisa vai acontecer. Esse é o princípio pelo qual são criadas as deidades e nós começamos a praticar. Uma forma completamente adequada para iniciar a prática seria a visualização do campo de méritos. Para isso nós dizemos:

“Neste momento, eu estou diante do Buda, de Guru Rinpoche e de todos os mestres que vieram antes deles até o Buda Primordial. Eu estou diante de todos os mestres das linhagens antigas, diante de todos os Bodisatvas, de todos os seres de sabedoria que, vida após vida, têm se dedicado a trazer benefício aos seres. Eu estou diante dos Arhats, os seres que atingiram a perfeição da ação não violenta, da não agressão no mundo, os seres que purificaram todas as suas ações negativas. Eu compreendo que todas essas deidades surgem como expressão da Natureza Ilimitada que busca socorrer todos os seres. Neste momento, em contato visual com esse campo de méritos, eu me prostro completamente diante de todos e de cada um, reconhecendo a minha limitação, reconhecendo que ao longo de muitas vidas eu tenho praticado de forma intuitiva e aleatória sem atingir resultados efetivos. Portanto, eu me refugio no campo das deidades, tomo refúgio direto nos seres de sabedoria, e assim eu sigo de agora em diante. E não só eu estou perdido, mas todas as pessoas que eu amo, amigos e inimigos. Todos nós estamos perdidos. Assim sendo, todos esses seres se prostram junto comigo diante dos seres de sabedoria e compaixão.”

O que estamos fazendo enquanto visualizamos o campo de méritos e diante dele nos prostramos? Nós estamos usando a luminosidade da mente, porque afinal, estamos criando uma imagem. A luminosidade da mente é a própria vacuidade. Se as coisas fossem sólidas, isso não seria possível. Mas porque elas não são sólidas e o seu teor é a vacuidade, então nós podemos fazer a visualização e usufruir o seu efeito. Nós criamos e ficamos sob o efeito positivo da nossa criação. No caminho Vajrayana, ao fazermos a visualização do campo de méritos e as prostrações, nós construímos um mundo. E assim, em corpo, energia e mente, nós iremos construir a experiência da paisagem onde incessantemente nós estamos juntos de todos os seres e diante dos Budas. Essa é a paisagem onde nós vamos passar a viver. Pelo poder da liberdade e da vacuidade, nós construímos um mundo e passamos a habitá-lo, ficando sob o seu efeito. Isso irá potencializar o caminho. Na medida em que nós construímos uma paisagem, naturalmente nós terminamos agindo de acordo com ela. Da paisagem surge uma inteligência específica e, dessa forma, todas as nossas emoções, impulsos e prioridades vão se ajustar sem esforço, naturalmente, à paisagem.

Mais adiante, serão dadas as iniciações e com elas, virão outras práticas específicas, como a prática de Mandala, Vajrasatva, Guru Yoga e a prática de P’howa. Essas são as práticas principais. A visualização durante as práticas ocorre pelo mesmo princípio como nós construímos uma esfera flutuando na sala. De acordo com a cor que ela tiver, nós sentiremos um efeito. Esse efeito vem do próprio processo da ilusão. Mas a natureza da ilusão é tal, que juntamente com o objeto criado surge também o observador que, por sua vez, fica sob o efeito do objeto. O que vai diferenciar o processo de criação das paisagens no Vajrayana, é que a criação se dá num sentido positivo, ou seja, na busca pela liberação. No método Vajrayana, nós criamos as deidades e passamos a nos relacionar com elas. Quando nós olhamos as deidades, ao invés de brotarem emoções perturbadoras, irão brotar qualidades positivas.

Na conexão com as deidades, irá surgir um Bodisatva, o ser que aspira à liberação. Esse é um meio hábil, através do qual, sem mesmo entender a vacuidade, simplesmente pela fé e pelo poder da visualização, nós já estaremos usufruindo os efeitos da prática. O Vajrayana toma a ignorância, a dualidade, como método para ultrapassar a própria ignorância e a dualidade. É como se o veneno fosse superado a partir do próprio veneno. Dessa forma, não há a necessidade de análise. Ao longo do caminho, tendo recebido as iniciações e aprendido mantras, nós podemos nos colocar constantemente na presença das deidades, recitando os mantras onde estivermos. Isso vai impedir o surgimento dos impulsos de ações negativas sem a necessidade de qualquer outra compreensão ou avaliação.

O caminho dessas práticas vai avançar através dos estágios do “desenvolvimento” e da “completitude”. O estágio do “desenvolvimento” acontece ainda na perspectiva da dualidade, ou seja, existe alguém diante de uma deidade ou diante de um campo de méritos, de muitos seres de sabedoria. A culminância se dá no estágio de “completitude”, no qual a deidade é percebida como inseparável de nós. Há o reconhecimento da inseparatividade, da mesma forma, como no exemplo da esfera, no qual a unidade foi dividida. Mas aqui não existe propriamente essa análise sobre a divisão da unidade, apenas uma prática na qual, nós surgimos com a aparência da deidade. Por exemplo, na prática do Buda da Medicina, nós somos o Buda da Medicina, nós olhamos os seres e trazemos benefícios a eles. Esse é o estágio da “completitude”, é uma autovisualização seguida da sua dissolução na sílaba AH, a sílaba geradora de todas as paisagens e mundos. Essa sílaba é a própria expressão da luminosidade da mente produzindo as aparências e as divisões. Nós nos criamos e nos manifestamos com a aparência da deidade e depois a dissolvemos no estado de unidade anterior ao seu próprio surgimento. Esse processo nos permite compreender perfeitamente o oitavo passo do nobre caminho de oito passos do Buda, a Natureza Ilimitada. Mas no Vajrayana não há uma descrição sobre isso, apenas nos conduz à luminosidade.

A prática Vajrayana vai culminar no Atiyoga, a yoga mais elevada dentro das várias yogas no Vajrayana. No Atiyoga, a noção de deidade é abandonada e a Natureza do Ilimitado é percebida de forma nua. Isso é o Dzogchen. Para chegar a essa compreensão é possível seguir tanto pelo caminho da sabedoria, indo em direção à oitava etapa, como através do caminho Vajrayana até essa etapa final. No caminho da linhagem Nyingma, através do Vajrayana, chega-se ao Dzogchen. Chagdud Rimpoche usa especialmente este método no Chagdud Gonpa. Lá, não há ênfase nos ensinamentos sobre as Quatro Nobres Verdades, sobre o Nobre Caminho Óctuplo ou sobre as Dez Ações não Virtuosas. Fala-se sobre as Quatro Qualidades Incomensuráveis – o Amor, a Compaixão, a Alegria e a Equanimidade – e sobre as seis perfeições – Generosidade, Paciência, Moralidade, Energia Constante, Concentração e Sabedoria . Tampouco existem explicações sobre os sutras que apresentam essas experiências. Esses ensinamentos são apenas comentados, mas sem uma particularização, uma explicação sobre cada um deles. A forma mais detalhada de apresentação dos ensinamentos já corresponderia ao Mahayana. No Vajrayana, dificilmente nós vamos ouvir sobre o Buda Shakyamuni, mas sim, sobre Guru Rinpoche, Padmasambava, quem introduziu esse conjunto de práticas no Tibet. Também será mínima a ênfase à meditação em silêncio. Se acaso ela for introduzida, será no contexto da segunda abordagem, a meditação Shamata, que pertence ao caminho Hinayana. A meditação Shamata não é a meditação da liberdade, mas uma meditação que conduz à estabilidade.

Existe uma multiplicidade de métodos. Por outro lado, como nós vivemos em tempos de degenerescência, os mestres têm desenvolvido meios hábeis de nos conduzir o mais rápido possível à experiência da liberação. Para entrar no caminho Vajrayana, nós deveríamos passar inicialmente pelo Mahayana e obtendo a compreensão da prática da compaixão, viriam então, as práticas preliminares para o Vajrayana – as prostrações, mandalas, a prática de Vajrasatva, Guru Yoga e P’howa. Essas práticas preliminares para a geração de méritos a fim de que efetivamente possam ser feitas as práticas com as deidades e as suas acumulações. As iniciações e a prática com as deidades viriam apenas após a conclusão dos preliminares. Hoje, isso é solicitado apenas eventualmente. Nós podemos receber de imediato as iniciações, antes mesmo de visualizar o campo de méritos, antes das prostrações e acumulações. E por quê isso é assim? Como nós estamos em tempos de degenerescência, vivemos tempos muito acelerados e assim, o tempo que nós temos é mínimo, se hoje nós podemos fazer práticas, talvez amanhã já não seja possível.

Quando nós recebemos as iniciações e fazemos as práticas, é sinal de que já existe alguma conexão com as deidades. Isso já será uma grande ajuda, porque em momentos de dificuldade, a prática e a visualização da deidade podem nos levar a uma compreensão maior das circunstâncias que se apresentam. Dessa forma, é como se nós pulássemos todas as etapas anteriores, desde um “Bom Coração” até a compreensão da “vacuidade”, e entrássemos diretamente no Vajrayana. E não há nenhum problema nisso, porque na medida em que nós avançamos no estágio de “desenvolvimento”, através das acumulações e preces, em direção ao estágio de ”completitude”, nós iremos intuir e compreender todas as etapas anteriores. O método direto é a característica do Vajrayana. É normal que ainda assim, fiquem lacunas e imprecisões nessa compreensão. Esse método também pode apresentar dificuldades no diálogo com outras disciplinas, como a ciência, a medicina, a filosofia ou a educação, porque através dele geramos um mundo particular, diferente do samsara usual, sem desenvolver uma linguagem que permita o diálogo.

Já na formação monástica do Oriente, os monges, antes de poder entrar no Vajrayana, seguem o processo tradicional, decorando todos os textos, aprendendo sobre um bom coração, sobre a moralidade, a compaixão e a vacuidade. Eles recitam diariamente o Prajnaparamita. E da mesma forma, fazem todas as práticas preliminares. Já no Ocidente, Chagdud Rinpoche desenvolveu a habilidade de nos introduzir diretamente pelo Vajrayana, por um caminho direto e intenso, no qual nós recebemos imediatamente as iniciações e as Sadanas de prática. Quem quiser compreender o Vajrayana e todos esses aspectos, deve, por exemplo, estudar os textos de Dudjom Rimpoche e Dilgo Khyentse Rinpoche. Mas, especialmente, Dilgo Khyentse, porque ele é um mestre Dzogchen, e ele, por tanto, passa por dentro do Vajrayana, com um olhar penetrante e livre.

Essa forma de apresentação do Vajrayana no Ocidente não é feita apenas por S. Emª. Chagdud Rinpoche, mas também por grandes mestres orientais que, vindo para o Ocidente, desenvolveram ainda outros métodos. Por exemplo, nós vamos encontrar um livro encantador de Sogyal Rinpoche, o “Livro Tibetano do Viver e do Morrer”, que além de revelar todo o ambiente Vajrayana, apresenta em certa medida o Dzogchen e a linguagem Mahayana. É um texto excelente. Sogyal Rinpoche criou no Ocidente o Instituto Rigpa, cujo foco são os ensinamentos do Dzogchen, nos quais todas as práticas serão convertidas na prática de Rigpa, a lucidez primordial. Embora Sogyal Rinpoche tenha sido aluno de Dilgo Khyentse Rinpoche e tenha seguido o caminho tradicional do Vajrayana, ele nos oferece o caminho direto. Pelo processo normal, nós deveríamos primeiro passar pela formação do Mahayana, depois faríamos o Nongdro para entrar no Vajrayana, e como etapa final desse processo nós chegaríamos ao Dzogchen.

Dentro do caminho Vajrayana, na medida em que nós vamos sofisticando o processo de visualização das deidades, há um ponto em que os ensinamentos irão dissolvê-las. Isso acontece naturalmente em um processo de etapas, ou seja, para seguir adiante nós precisamos dissolver aquilo que nós estávamos fazendo. Esses ensinamentos estão codificados em um texto encantador chamado de “O Soberano Supremo”. Quando nós lemos ou recebemos esses ensinamentos, compreendemos o Vajrayana e ultrapassamos as limitações desta abordagem. Esse é um texto clássico que corresponde à etapa de visão, dentro da seqüência “visão, meditação e ação”. “O Soberano Supremo” é a natureza não dividida da mente. Nesse ponto, surge a compreensão de que no Vajrayana nós operamos a partir da natureza dividida, criamos divisões, somos alguém diante de deidades, diante do mundo, vemos tudo de forma separativa. Compreendendo isso, nós recebemos os ensinamentos da grande perfeição primordial que se manifesta incessantemente antes e durante as experiências de separatividade, e estes ensinamentos podem ser apresentados através do Mahamudra ou dos ensinamentos Dzogchen.

Esta visão foi aqui apresentada na forma tibetana, mas isso pode acontecer da mesma forma através do caminho anterior ao próprio surgimento do budismo tibetano, como através dos ensinamentos Madhyamika, que desenvolve a mesma visão, porém, através de métodos Mahayana. O Madhyamika vai usar a meditação em silêncio e a prática na vida cotidiana. Com isso, nós podemos concluir que não é na realização surgem as diferenças, mas nos métodos usados para se chegar à realização. Ainda dentro desse aspecto, Dudjom Rinpoche deu um ensinamento muito interessante chamado “A Iluminação da Sabedoria Primordial”. Esse ensinamento é a ponte entre a meditação em silêncio e o Dzogchen. Ele nos oferece um caminho direto do Mahayana para o Dzogchen sem passar pelo Vajrayana. É a introdução à visão Mahamudra e Mahasandi a partir da prática em silêncio, sem nenhuma deidade sendo evocada. Este é um caminho que segue pelo Mahayana até o Madhyamika, que é o oitavo passo do nobre Caminho de Oito Passos do Buda Sakiamuni. Resumindo, nós podemos seguir pelo Vajrayana para depois convertê-lo em Mahamudra, dentro do caminho Gelugpa e Sakia, ou então em Mahasandi, que é o Dzogchen, no caminho Nyingma e Kagyu.

Já Namkhai Norbu Rinpoche segue um outro processo. Ele recebeu a transmissão de grandes mestre cuja linhagem não considera o Dzogchen a culminância do Vajrayana. Nesta abordagem o Dzogchen é o Dzogchen. Da mesma forma que o Vajrayana pode ser ensinado sem ouvirmos sobre o Bom Coração, perfeição, compaixão, e assim por diante, o Dzogchen também se coloca nessa posição em que nada disso é necessário. Nós entramos no Dzogchen pelo próprio Dzogchen. É como se houvesse um caminho não mais de oito passos, mas de um único passo que, por sua vez, abarca todos os outros. Essa é a perspectiva do Dzogchen. Assim, o ponto essencial seria: “Fale sobre a Natureza Ilimitada, porque isso é o que é.” Essa experiência, esse reconhecimento é o início, o meio e o fim. Se ao ouvirmos isso, nós conseguirmos entender, então não precisamos de mais nada. Esse é o método de introdução. Namkhai Norbu Rinpoche justifica essa abordagem, dizendo: “O Dzogchen é uma tradição anterior ao próprio Buda Shakyamuni.” Sogyal Rinpoche diz: “É uma tradição muito antiga e está presente não só aqui, mas em treze Sistemas Universais”.

Quando nós ouvimos a palavra Dzogchen, podemos pensar que se trata de algo muito específico, quase hermético, porque existe um nome em tibetano. Mas Dzogchen significa “A Grande Perfeição”, é a experiência do limitado como inseparável da Natureza Ilimitada, e, portanto, perfeito enquanto experiência. Ao mesmo tempo é caminho, no sentido de que chegamos a esta experiência justo por sermos introduzidos a ela e buscarmos sustenta-la. Encontramos o Ilimitado olhando para o limitado. Com isso, a prática essencial do Dzogchen será o Guru Yoga. A princípio, pode parecer que essa prática trata da conexão com alguém e, inicialmente, isso pode até ser compreendido dessa forma. Mas posteriormente nós ultrapassamos essa noção até o ponto em que deixamos de contemplar o Lama como alguém separado de nós para olharmos a mente do Buda. Nós olhamos para a mente do Buda da mesma forma que o mestre olha para a mente do Buda, sem o quê ele não poderia ter sabedoria. Isso significa que se nós imitarmos o Lama, vamos entender que ele morre para se manifestar. E essa vai passar a ser a nossa própria aspiração. Nós compreendemos que Guru Yoga é morrer para poder manifestar diretamente a Natureza Ilimitada. Enquanto nós estivermos operando a partir de uma identidade separativa, não há como compreender essa natureza, porque nós estaremos sempre oscilando de acordo com as emoções da identidade.

Na prática mais sofisticada de Guru Yoga nós imitamos a mente do Guru. Mas esta é apenas uma expressão, porque, na verdade, não existe alguém imitando a mente de alguém. Se isso fosse assim, nós iríamos imitar justo a “não mente”, porque nós vamos imitar a liberdade e não um condicionamento. Essa é a prática de Guru Yoga. Por essa razão, no caso do Dzogchen, ela é essencial, uma vez que ao observarmos como se dá a conexão, nós vamos perceber o processo pelo qual o próprio Guru manifesta sua mente inseparável da mente do Buda, da Natureza Ilimitada. Mas essa seria ainda a prática introdutória. Já no estágio de “completitude”, a prática se reduz simplesmente à conexão. Quando a conexão está presente, ela se torna a realização de todas as deidades, a realização de todos os caminhos. Quando Guru Yoga é atingido, nós atingimos a realização de todos os caminhos, é o ponto para onde todos eles convergem.

Olhando dessa forma, nós podemos entender o próprio Cristianismo. Jesus Cristo vai surgir como um Guru, dizendo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Ele vai apontar o seu próprio exemplo como a compreensão ilimitada. Se existe alguma força no Cristianismo, ela vem do Guru Yoga. Muitos seres acabam desenvolvendo apenas a devoção, mantendo a separatividade. Já outros, podem encontrar nessa conexão a própria realização. Existem ensinamentos sobre o Espírito Santo, sobre a imitação de Cristo, sobre o Morrer para o Renascer. São ensinamentos específicos e deles ainda podem surgir algumas subdivisões, estágios dentro do caminho. A diferença é que no Cristianismo não há uma descrição muito clara dessas etapas, o que torna um pouco mais difícil identificá-las. Já no Budismo isso está tudo completamente detalhado, está tudo explicado.

Agora nós podemos entender um pouco melhor como se dá toda a complexidade no Caminho Budista. Essencialmente, existe um caminho de sabedoria, que é o caminho que Sua Santidade o Dalai Lama usa, no qual todas as etapas podem ser discutidas, analisadas e transcendidas, assim como podem ser feitas comparações e até conexões com outras tradições. Por outro lado, existe o caminho Vajrayana, um caminho não analítico. Seguindo pelo Vajrayana, a sua culminância viria na forma de Mahamudra ou Dzogchen. E por último, paralelamente a todos esses processos, existe a linguagem do Caminho Ilimitado como início, meio e fim, que seria o Caminho Direto, “A Grande Perfeição”. Seja como for, nós vamos observar que qualquer um desses métodos vai essencialmente desde um “Bom Coração” até a realização final, de onde nós retornamos ao primeiro ponto. Esse é o giro completo da Roda do Darma. Por essa razão, é importante termos estas explicações muito claras dentro de nós. Seria interessante repassarmos com freqüência essas diferentes descrições. Essa compreensão irá nos permitir entender os diferentes mestres, professores, textos e abordagens, ao mesmo tempo em que ficará claro o que estamos praticando ou vamos praticar.

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