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Catherine Meyer, organizadora do “Livro Negro”, diz que a psicanálise perdeu boa parte de sua eficácia para as novas terapias e defende que a tradição católica pode explicar seu sucesso na França, Argentina e no Brasil

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

 

O Livro Negro da Psicanálise” (“Le Livre Noir de la Psychanalyse“, ed. Les Arènes, 29,80, R$ 78), organizado por Catherine Meyer com textos de 40 autores, tenta jogar Sigmund Freud na fogueira.
A polêmica coletânea, que deve sair no Brasil ainda neste ano pela editora Record, aprofundou a batalha que se trava na França entre os adeptos das terapias cognitivo-comportamentais (TCC) e os defensores da psicanálise.




Alguém que apresente um risco de suicídio e vai se analisar, não sendo satisfatoriamente diagnosticado, pode correr grave risco se tratado apenas pelo psicanalista


 

A mídia francesa dedicou-lhe um grande espaço logo depois do lançamento, em setembro passado, para o debate entre os detratores do freudismo e seus defensores. Entre estes, a historiadora da psicanálise Elisabeth Roudinesco [leia entrevista na outra pág.] replicou com o livro “Pourquoi Tant de Haine? Anatomie du “Livre Noir de la Psychanalyse'” [“Por que Tanto Ódio? Anatomia do Livro Negro da Psicanálise”, Navarin, 9,50, R$ 25], em que responde aos principais ataques.
O “Livro Negro” já vendeu 33 mil exemplares em francês e em breve também deverá ser publicado na Itália, Grécia, Espanha, Romênia, China e Brasil.
 

Na entrevista abaixo, concedida à Folha na sede de sua editora, em Paris, Catherine Meyer fala dos “perigos” da psicanálise.  

 

Folha – Por que publicar um livro com textos de especialistas para combater a psicanálise?
Catherine Meyer –
O livro é fruto de uma constatação dupla: a primeira é que a psicanálise na França é hegemônica. Nos meios de comunicação, se alguém da área psi é convidado a um programa, será invariavelmente um psicanalista. Nas universidades, de 21 faculdades de psicologia, 11 ensinam somente a psicanálise como sistema de tratamento psicológico.
A segunda constatação é que em outros países da Europa do Norte -como a Holanda e a Inglaterra- e nos EUA a psicanálise tem menos importância; não desapareceu, mas se tornou uma terapia como muitas outras. Resolvi me perguntar por que essa distância entre a França e os outros países, por que a França é o país mais freudiano do mundo, juntamente com a Argentina e o Brasil.
 

Folha – Por que esses três países foram mais permeáveis ao freudismo e ao lacanismo?
Meyer –
Não encontrei a resposta para isso. A França foi impermeável à psicanálise por muito tempo – chamavam-na “science boche” (ciência alemã). Ela chegou aqui com 20 anos de atraso e avançou mais do que no resto do mundo. Há uma americana que escreveu um livro que tenta explicar isso como uma conseqüência do Maio de 68. Há razões complexas, como os jovens que faziam teses de sociologia, de literatura ou de filosofia, estavam sem emprego e procuravam uma saída. Tornar-se psicanalista foi uma saída para eles, na época.
 

Folha – Essa tese é um pouco caricatural e não explica por que razão Brasil e Argentina foram tão receptivos à psicanálise.
Meyer –
É um pouco caricatural. O caso da Argentina é interessante porque apresenta a psicanálise como disciplina salvadora, como um muro de proteção contra a ditadura.
 

Folha – Ao contrário, se diz que ela não pode ser praticada sob regimes totalitários.
Meyer –
Infelizmente, os nazistas encontraram psicanalistas que colaboraram. Não é tão simples.
Francamente, não sei explicar por que esses três países são os bastiões da psicanálise. Isso me faz pensar na teoria que diz que a psicanálise é importante em países católicos.
 

Folha – A senhora fez análise?
Meyer –
Não. Mas o que queríamos discutir era: isso é verdade, é uma hipótese, isso foi demonstrado, a psicanálise é eficaz? Freud tem uma visão que foi importante, teve seu lugar na história das idéias, na sua época houve outras não distantes da sua, e hoje existem outras. Muitos disseram que o livro é das terapias cognitivas e comportamentais contra a psicanálise.
Mas, entre 40 autores, apenas nove são praticantes das chamadas TCC. Há também um etnopsiquiatra, a farmacologia não pode ser negada, há terapias sistêmicas, familiares. Queria apresentar um panorama de tudo o que existe de sério. Há muitas técnicas, e a psicanálise não é mais eficaz que as outras, e sabe-se que em certos casos ela pode ser perigosa. Nos casos de fobia, já se provou que as TCC são mais eficazes.
 

Folha – Em que casos ela pode ser perigosa?
Meyer –
Ela pode ser ineficaz ou perigosa em casos de autismo. Infelizmente, ninguém pode tratar o autismo hoje, mas há alguns métodos que podem diminuir seus estragos. Para isso, é preciso estimular e permitir ao cérebro um certo número de conexões na criança ainda pequena. Tratar pela psicanálise é fazer essa criança perder tempo.
Por outro lado, alguém bipolar, maníaco-depressivo para a psicanálise, pode ser tratado por um certo número de moléculas reguladoras de humor. Alguém que apresente um risco de suicídio e vai se analisar, não sendo satisfatoriamente diagnosticado, pode correr grave risco se tratado apenas pelo psicanalista.
 

Folha – O “Livro Negro” não poupa Freud, acusado de mistificador, consumidor de cocaína, pai incestuoso, falsário, misógino, plagiador, charlatão, ávido por dinheiro, obcecado sexual e um marqueteiro hábil.
Meyer –
A noção de pai incestuoso, que aparece no livro, é uma metáfora na pena do único psicanalista do livro, Patrick Mahony, que explica que Freud fez, em segredo, a análise de sua filha Anna, o que era contrário à regra. O que Mahony diz é que Freud praticou uma análise incestuosa. Evidentemente, não houve abuso sexual. Mas ninguém acusa Freud de incesto.
 

Folha – A senhora reconhece as contribuições da psicanálise no campo da saúde mental?
Meyer –
Não dizemos que Freud era um mitômano que criou tudo. O problema é que a disciplina se tornou inatacável. Precisamos dizer que existe um verdadeiro problema epistemológico -isto é, tudo o que Freud descobriu foi no segredo de seu consultório, entre o paciente e ele, sem testemunhas. Logo, toda sua teoria repousa sobre sua boa-fé, sua honestidade intelectual. Nosso problema não é tentar verificar a moralidade de Freud, mas perguntar: essa teoria é comprovável?

Onde encomendar
Livros em inglês ou francês podem ser encomendados, em SP, na livraria Cultura (tel. 0/ xx/11/3170-4033

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