Questione e aguarde…
Toda vez que me vejo dentro de um processo mental que me faz sofrer, que seja de conflito, dúvidas, desconfianças, baixa auto-estima, etc; é sempre certo que por detrás há um sentimento de medo. Geralmente não é muito fácil identificar esta associação, pois nossa mente egótica mantêm-se por um complexo sistema de níveis de proteção que não nos deixa perceber a causa real do sofrimento, não nos deixa ver com clareza o que realmente motiva as emoções negativas de angústia, desespero e separação.
A função deste sistema é manter o atual estado das coisas, prendendo-nos a um negativismo auto-realimentado que gera sempre mais conflito, dúvidas, desconfianças…. que à primeira vista não nos dá chance de ver saída alguma.
Pois bem, o que é que nos leva a procurar proteção para qualquer coisa que nos causa a sensação de perigo, senão o sentimento de medo? Não vejo nada mais que possa causar a necessidade de proteção que não tenha sua motivação num determinado medo.
A própria justificativa de que o medo é necessário para a nossa proteção advém, na realidade, de outros e mais temíveis medos que estão bem guardados em níveis mentais mais profundos que nem sequer ousamos pensar conscientemente sobre eles. E assim refaço agora a pergunta do título: o quanto sou livre para questionar-me sobre o que quer que seja?
Eu sempre procuro a liberdade do mais alto, a real liberdade destituída de qualquer medo e que pode ser comparada às das grandes águias que voam nos mais alto dos céus. Os seres rastejantes vêm a águia tão alto que ela lhes parece muito pequena, quase invisível. Ainda não lhes foi invocando o real desejo de voar. Assim eles continuam com a escolha de não conhecerem o glorioso poder dos céus em troca da proteção do sujo e duro chão em que se encontram aprisionados.
Em meus ainda não tão altos vôos, percebi que uma forma interessante de aproximar-se e observar os medos é deixar brotar um determinado questionamento e ficar atento. Se eu fugir deste questionamento, qualquer que seja ele, é porque há medo. Vale a pena lembrar que o processo é muito sutil, normalmente acontece em curtas frações de tempo. Esta fuga rápida da mente é na verdade a defesa que entra em ação preservando os fundamentos que sustentam o medo longe da análise do observador. Tocar em algo que gera medo através do questionamento, faz a defesa entrar em ação e imediatamente a atenção da mente volta-se para algo diferente, como se lhe dissessem: “não mexa nisto, não vale a pena” ou então “é proibido”. Com o tempo e alguma disciplina o observador começa a questionar o até então “inquestionável”, num caminho de observação não linear, mas cada vez menos segmentado pelas interrupções provocadas pelas defesas que vão sendo uma a uma postas ao chão, jogando no lixo as tão bem guardadas “cascas” de medos adquiridas ao longo da vida e, com isto, obtêm-se mais clareza e transparência no autoconhecimento dos processos mentais.
Parece-me que, paradoxalmente, ter muitos medos ajuda a chegar a este entendimento.
É como se houvesse um lago cheio de peixes e o pescador soltasse a linha com o anzol na água escura. Quanto mais peixes, mais fácil de que algum venha morder a ísca. Assim pode ser vista a mente semelhante ao lago, os peixes aos medos e o pescador ao observador. A disposição do pescador em acreditar que tem chances de pegar um peixe, pescar sem alarde, silenciosa e pacientemente é essencial.
Assim como o pescador joga a isca e espera, questione e aguarde. Há muitos peixes a serem pegos e não tenha medo de encontrar-se com uma piranha, moréia ou até mesmo com um tubarão. Não tenha medo dos medos!
Este é o segredo: quando fisgar um, segure a vara sem alardear. Não brigue com o peixe, deixe que ele se aquiete e o traga para fora. Na superfície ele não pode fazer muita coisa. Assim também são com os medos pequenos ou grandes. Traga-os para sua visão. Pesque-os e os traga para a sua consciência e os veja bem, veja que não são como imaginava, tão feios assim. Aprenda a abrir sua mente e tenha a liberdade de questionar, eis aí a ferramenta de pescar os medos.
Todo o processo deve ser feito com muita gentileza. Não tente brigar com ou negar os seus valores negativos, isto só os afugenta para as profundezas do inconsciente. Basta ter um pouco de vontade, um pouco de fé e esforçar-se um pouquinho só em preencher os vazios com Amor, assim até mesmo os medos mais terríveis tornam-se pequenos lambaris.