O Caminho do Discipulado

Uma Carta a um caro irmão,

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O Caminho Interior, a questão do discipulado, está presente em todas as tradições: Buda e seus discípulos, Pitágoras e seus matemáticos, Jesus e seus apóstolos, Maomé e seus seguidores, Moisés e os chefes das tribos, etc.. Nas ordens monásticas da Igreja Católica, o fundador e seus seguidores também são exemplos de relação Mestre/discípulo.

Tenho a impressão de que, embora os Adeptos K. H. e M. não mais tenham se manifestado ostensivamente, outros Adeptos ainda o fizeram após eles. Posso aqui citar, a título de exemplo, Mestre D. K. com Alice A. Bailey, o Guia com Eva Pierrakos (1.915-1.979), Sua Voz com Pietro Ubaldi (1.886-1.972) e Babaji com Paramahansa Yogananda (1.893-1.952). Os ensinamentos de Bailey, de Eva, de Ubaldi e de Yogananda têm perfeita concordância com os ensinamentos de Blavatsky (1.831-1.891). Acredito que os Adeptos mantém contato contínuo, com formas diferentes de abordagem, para divulgar a Verdade, a Vida e o Caminho (Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida), mas a forma escrita (não psicografada nem canalizada) desse contato, ao menos até agora, parece ter ocorrido apenas na ST.

Obras complexas, como “A Grande Síntese” de Pietro Ubaldi  e “A Doutrina Secreta” de Blavatsky, não são obras destinadas ao “grande público”, mas àquelas pessoas que já têm alguns conhecimentos profundos, conscientes ou não. Dessa forma, outras maneiras de abordagem, que atinjam outros grupos de pessoas, têm de ser criadas e divulgadas. The Pathwork of Self-Transformation e a Self-Realization Fellowship são outras formas de abordagem que usam a psicologia e a Yoga (a Kriya-yoga, um tipo avançado de Raja-yoga), respectivamente, para ensinar o Caminho, a Verdade e a Vida. Aliás, o Autoconhecimento, a Autotransformação e a Auto-realização são etapas sucessivas em qualquer Caminho que “tenha coração”, e, assim, devem ser considerados como tarefas a serem levadas a sério por qualquer pessoa que deseje trilhá-lo.

Longe de ser um assunto teórico, esses três “Autos” (Autoconhecimento, Autotransformação e Auto-realização) devem ser vividos, sentidos, esmiuçados e incorporados por todos aqueles que querem verdadeiramente trilhar algum caminho. O autoconhecimento, como forma de se entender o nosso sofrimento e buscar medidas de transcendência, é o grande trunfo trazido à humanidade “leiga” pelos Adeptos, a partir de Sigmund Freud (1.856-1.939). A nova Psicologia Transpessoal, caminhando junto com a nova física da era quântica revelada ao mundo na década de 1.920, são hoje, a meu ver, os maiores aliados dos Mestres.

Mais que isso, não se pode falar de transformação mundial, ou de transformação social (aqui incluo qualquer transformação que se possa pretender que ocorra na ST), sem se falar em transformação pessoal. Conhecer, Transformar e Realizar a ST é inseparável dos três “Autos”, os quais devem ser buscados por cada membro que queira uma verdadeira realização da ST. Reitero que essa busca não é uma busca teórica, através da simples leitura de literatura específica, mas uma vivência pessoal de nossa criança ferida, de nossa sombra e de nossas máscaras (veja O Caminho da Autotransformação – Pathwork de Eva Pierrakos). Para o discípulo regular que vive em ashrams, há a grande vantagem da intervenção pessoal de seu Guru, no desvelar de suas máscaras e no visualizar de suas feridas e de sua sombra (que o discípulo pode querer ver ou não). Mas o “aspirante ao discipulado regular” que quer desenvolver um altruísmo genuíno por conta própria, se vê envolvido num esforço hercúleo que se revela infrutífero na quase totalidade dos casos. Aí vemos a importância fundamental da moderna psicologia para o “discípulo leigo consciente”. A psicoterapia em grupo ou individual é de importância premente, se quisermos entrar verdadeiramente no nosso “quartinho dos fundos” para ver o seu conteúdo e nos livrar do “velho e imprestável” existente em nosso interior. Nós, enquanto caminhando sozinhos, só veremos o que quisermos ver e só ouviremos o que quisermos ouvir.

Temos dentro de nós o bem e o mal, e o livre-arbítrio de escolher o caminho a seguir. Enquanto irmãos unidos com um objetivo em comum, a verdadeira fraternidade significa sermos psicoterapeutas um dos outros, mostrando, uns aos outros, com o cuidado e respeito devidos, as nossas máscaras e sombras, enquanto, pessoalmente, procuramos pelas causas internas da existência dessas máscaras. “Quando tentamos vivenciar a verdade e damos os nossos testemunhos, desafiamos as rotinas mentais próprias e alheias” (Declaração de Ingresso no Círculo de Ação Teosófica).

Uma ferida infantil de rejeição pode, na vida adulta, fazer com que exista uma máscara de generosidade, para sermos aceitos socialmente, enquanto escondemos na nossa sombra sentimentos vis de mesquinhez, avareza, inveja e vingança pessoal. Enquanto não trouxermos, individualmente, nossa sombra à luz, nossa harmonia interna será inexistente: pensaremos uma coisa, sentiremos outra e agiremos de forma diversa do que pensamos e sentimos. A harmonia do grupo depende da harmonia interna de cada membro do grupo, individualmente. E da harmonia do grupo depende o alcançar de seus objetivos.

Acho que já é hora de “esquecer” um pouco a existência dos Adeptos (eles vão continuar existindo e agindo mesmo assim) e nos centrar na busca de nosso Eu mais interno. Nesse sentido sugiro que deveríamos centrar nossa atenção nos três “Autos” e principalmente no Autoconhecimento. À medida que nos autoconhecermos e entendermos os motivos internos de nosso ser que nos fazem agir de forma não ética, é que poderemos decidir se queremos continuar ou não esse círculo vicioso. A verdadeira fonte do altruísmo legítimo é o altruísmo para consigo mesmo, amando e entendendo cada parte sombria existente em nosso interior. Entendendo o nosso mecanismo interno de ser, entenderemos o mecanismo interno de ser de nosso próximo, sem julgamentos, e verdadeiramente poderemos ajudá-lo.  Entendendo o mecanismo interno de ser do próximo, entenderemos o mecanismo interno de ser do grupo. Entendendo o mecanismo interno de ser do grupo, entenderemos o mecanismo interno de ser da ST.

“Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19:18, Mt 22:39, Mc 12:31 e Lc 10:27), disse o Cristo ser o segundo maior mandamento, abaixo apenas do amor a Deus. Essa frase condiciona o amor ao próximo ao amor a si próprio. Para amar o próximo devo amar primeiro a mim mesmo. Mas como amar algo ou alguém a quem não se conhece. Só se ama e conhece o outro quando se ama e se conhece a si mesmo. O amor verdadeiro, o incondicional, compreende o outro sem reservas, coloca-se no lugar dele, respeitando-o. Amar é saber escutar e interpretar, amar é olhar o outro e saber vê-lo em seu íntimo, sem teorias e sem “pré-conceitos”. Para isso necessitamos saber nos escutar e interpretar, olhar e ver o nosso íntimo, sem teorias e sem “pré-conceitos”.

Assim, questões como os relacionamentos interpessoais, as decisões em grupo, a organização e a questão do poder nascem no verdadeiro conhecimento de si mesmo. Aquele que não sabe receber uma crítica, ou se sente menosprezado ou inferior, o é assim devido a razões internas próprias, feridas psicológicas não cicatrizadas que fazem nosso lado sombrio agir e não querer ver, ou ouvir, o que o outro vê e nos diz. O autoconhecimento naturalmente faz com que o poder seja distribuído a quem de direito. Não se aceita mais poder e responsabilidades motivado pelo ego, e sim pautado num conhecimento íntimo e autêntico da possibilidade pessoal de assumir esse poder e responsabilidade. Da mesma forma o grupo se amoldará, automaticamente, com as funções existentes, assumindo-as com a convicção interna de poder fazê-lo. Some o contexto de dominação da palavra ‘poder’ e ela assume o seu verdadeiro sentido: “ser capaz de”.

Disse um amigo, em seu artigo “Quatro Idéias Para Uma Teoria do Poder Solidário”: “Assim, o poder que temos que despertar… só será possível se tivermos a paciência de, ao mesmo tempo, identificar e desarticular os mecanismos ou padrões antigos de impotência pessoal que alimentam a busca doentia de poder sobre os outros”. Em outras palavras: Autoconhecimento. O Autoconhecimento gera a “democracia espiritual” em qualquer grupo, e a responsabilidade de cada componente do grupo, e não apenas do seu líder, no crescimento individual dos outros. A força de qualquer instituição está na força individual de seus integrantes em levar adiante, eficientemente e intensamente, as metas assumidas. A confiança mútua surge automaticamente da verdadeira amizade adquirida entre os integrantes, pois passamos a conhecer o outro e ver o esforço dele em se aperfeiçoar e assumir, para o grupo, suas dificuldades em lidar com suas tendências cármicas de inveja, avareza, mesquinhez, orgulho egóico, etc..

Tudo começa individualmente, com o autoconhecimento baseado na Verdade e na Coragem de um verdadeiro guerreiro. O Autoconhecimento é o caminho do guerreiro, o guerreiro que tem medo, mas não foge de uma boa batalha. Uma boa batalha é a batalha conosco mesmo, com nossas tendências cármicas. Não devemos sequer pensar em contato interior com os Mestres de Sabedoria Divina, pois isso desvia a nossa atenção do contato interior conosco mesmo. Em primeiro plano deve estar, sempre, o contato interior conosco mesmo: com nossa Sombra e com nossa Luz. Devemos desenvolver um “egoísmo espiritual”, a busca, a qualquer custo pessoal, do desenvolvimento de nossas qualidades espirituais (a humildade, ‘a coragem, o bom senso, a perseverança, a pureza de intenções, o vigor intelectual, a tolerância’, o altruísmo, o amor, etc.), sem “orgulho espiritual”. Devemos manter todo o restante como secundário e, então, esse restante nos virá por acréscimo.

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