Síndrome da pressa pode afetar a saúde

Publicado pelo caderno Equilíbrio, da Folha de S.Paulo 09/12/2004

“Eu sou assim/ Quem quiser gostar de mim/ Eu sou assim/ Meu mundo é hoje/ Não existe amanhã pra mim/ Eu sou assim/ Assim morrerei um dia.” Paulinho da Viola, 62, intérprete dos versos de “Meu Mundo É Hoje”, samba de Wilson e José Batista (1966), sofreu uma arritmia cardíaca no mês passado, que o levou ao hospital por uma crise de ansiedade. “Eu estava sem dormir direito. Dormi só duas horas e acordei cedo porque tinha um compromisso. No final do dia, estranhei o fato de não estar cansado. Minha respiração começou a ficar meio ofegante, estava sentindo uma enorme ansiedade”, afirmou.

 

Assim como o célebre músico –uma pessoa calma, serena e cujas reflexões sobre o tempo estão estampadas em maior parte de suas composições–, muita gente vive à beira de um ataque em razão das sensações de que o tempo passa rápido demais e de que ninguém consegue cumprir seus compromissos.
Totalmente recuperado dos sobressaltos do coração, Paulinho da Viola garante que a ansiedade exagerada não é recorrente em seu cotidiano, mas que a sensação de que o tempo “voa”, sim.
Você também acha que o Natal está chegando cada vez mais depressa? “Essa idéia de que tudo está passando muito rápido é porque nós estamos um pouco acelerados com essa quantidade absurda e louca de informações que recebemos todos os dias. Aí, o tempo não dá mesmo”, diz o compositor, que, em 1969, já anunciava o sintoma em “Sinal Fechado”, época em que não havia internet nem celular.

O exagero de ansiedade pode se transformar em transtorno, segundo a psicóloga Maria Alice Pimenta, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “A noção de tempo tem muito a ver com a questão da memória que você guarda e as expectativas do futuro. Isso é que dá uma noção de tempo. Já passaram tantas coisas e ainda tenho outras a fazer. Quanto mais a gente vai envelhecendo, aumenta essa sensação de que o tempo está veloz. Na verdade, o nosso parâmetro é que a riqueza de informação do passado é maior, por isso a expectativa vai diminuindo”, afirma a psicóloga.

Para o psiquiatra Luiz Alberto Hetem, 42, diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), essa percepção acelerada do tempo é um reflexo, não a causa da ansiedade. “Mas isso funciona como um ciclo vicioso. Ao achar que o tempo está indo mais rápido, a pessoa fica ainda mais ansiosa”, diz o médico.

Em 2001, foram consumidas 33,7 bilhões de doses de ansiolíticos –tranqüilizantes mais utilizados para combater a ansiedade– no mundo, de acordo com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. O dado assusta, se considerada a população mundial no período, de 6,135 bilhões de pessoas.

Segundo o psiquiatra Flávio Kapczinski, 41, da UFRGS, os ansiolíticos obedecem a lei dos cuidados inversos. “Isso quer dizer que as pessoas que menos usam são as que mais precisam do remédio. E quem mais usa, não precisa”, afirma o médico, alertando que o uso abusivo pode causar dependência.
A cidade não pára

“A medicina começou a se preocupar com os quadros ansiosos em 1850. Isso coincide com a taxa de urbanização de cidades da Europa”, afirma Kapczinski. De acordo com o psiquiatra, a vida urbana traz componentes como a competitividade exacerbada e uma maneira diferente de lidar com as horas. “A premência do tempo e os 'deadlines' geram um fator adicional do estresse. E a melhora da qualificação das pessoas não tem acompanhado a oferta de emprego, o que gera mais tensão e ansiedade.”

Diretora-fundadora do Centro Psicológico de Controle do Estresse e do Laboratório de Estudos Psicofisiológicos do Estresse da PUC-Campinas, a psicóloga Marilda Emmanuel Novaes Lipp afirma que a chamada síndrome da pressa pode atingir cerca de 20% da população da cidade de São Paulo, dos quais 75% podem desenvolver a doença.

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