Shraddha: a fé ou confiança

 

Entrevista completa para a matéria do caderno o Ciência&Saúde do Jornal O Povo, realizada pela jornalista Lucinthya Gomes

Lucinthya Gomes: O que é a fé?

Cláudio Azevedo: Fé é uma palavra que vem do grego pistia ou do latim fides, transmitindo a idéia de confiança, fidúcia ou firme persuasão. Muitas pessoas confundem fé com crença cega que nunca procura validar o que nos é apresentado, mas a  fé é uma certeza inabalável, um sentimento de confiança ou firme convicção que ultrapassa qualquer dado racional e lógico que porventura nossa mente possa querer impor à nossa consciência.  Essa definição distingue fé de crença cega em algum dogma. Alias, Jean-Yves Leloup, sacerdote ortodoxo e mentor do Colégio Internacional dos Terapeutas (CIT), define dogma como “um paradoxo. Era algo feito para despertar a consciência para além do funcionamento binário do cérebro. Por exemplo, o dogma que diz que Cristo é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus tem o sentido de ultrapassar, ir além da consciência ordinária. O dogma então é um pouco como o Koan, do japonês. Ou seja, um paradoxo que nos ajuda a ir além da razão, mas sem perder a razão. Mas hoje em dia o dogma é confundido com dogmatismo, que significa obrigar alguém a acreditar em algo. Isso é destrutivo. O dogma, na realidade, foi criado para que saíssemos do dogmatismo; é, desse modo, um convite para que verifiquemos se isto é verdade”. (veja aqui)

A fé é um sentimento interno que vem da mesma fonte de onde vem as nossas intuições, nossos insights. Apesar de tudo sombrio, que possa ser dito por alguém, ou que possamos perceber dos fatos usando os nossos cinco sentido, há uma verdade interna que nos acalma e nos leva a um estado paz interior, de harmonia consigo mesmo. É esse estado de paz o que verdadeiramente importa em nossas vidas, em qualquer setor dela. Se estou em paz, mesmo no interior de um furacão, é como se estivesse no centro dele, no silêncio interno onde o movimento mental é mínimo, onde as dúvidas e incertezas não nos abalam, onde entramos em contato com algo muito maior do que nós mesmos. 

 

Lucinthya Gomes: Como ela se manifesta no dia-a-dia?

Cláudio Azevedo: Fé não é acreditar em algo ou alguém, em alguma doutrina ou artigo científico. Fazer ciência é buscar uma teoria que explique a maioria dos fatos observados. A todo momento teses são questionadas e a chamada verdade científica muda. Aquilo que achamos intelectualmente de ‘verdade’, muda. De fato, no momento em que uma teoria ganha mais abrangência que a sua predecessora, essa deixa existir como verdade única para ser englobada pela mais nova e, às vezes, contradita por ela.

Assim, no dia-a-dia, a fé não é certeza do conhecimento intelectual-científico que se possa ter. Também não é acreditar piamente que as Escrituras, ou as palavras de um mestre ou sacerdote, são inquestionáveis. Não é uma questão de ter fé para alcançar a paz, mas de criar um estado de paz interna inabalável que nos fará entrar em contato com essa fé. Fé é a ausência de medo, o único solo fértil onde pode germinar o verdadeiro amor 

Lucinthya Gomes: No dia-a-dia, costumamos ouvir que alguém é um “homem ou mulher de fé”. Para o senhor, o que caracteriza uma pessoa de fé?

Cláudio Azevedo: É aquela pessoa que está em paz consigo mesma, aquela pessoa que baniu o medo de sua mente. É o medo o fator que mais perturba a nossa mente, origem de nossas ansiedades. A pessoa de fé vive somente o momento presente, livre das preocupações com um futuro provável. A pessoa de fé encontrou a si mesma e está bem. 

Lucinthya Gomes: O senhor acha que a fé traz melhorias? Por exemplo: na vida pessoal, profissional, na saúde?

Cláudio Azevedo: Se estou bem comigo mesmo estou bem com tudo à minha volta! Isso é uma conseqüência natural. A nível endócrino, se estou bem comigo mesmo produzo somente hormônios que me trazem bem-estar (serotonina, dopamina, etc.) e mantenho em dia a minha imunidade. Quando meu coração está em paz, o padrão eletromagnético de meu coração está harmonioso, num estado que a cardiopsicologia chama de cárdio-coerência. Um coração cárdio-coerente influencia diretamente na glândula Timo, aumentando a maturação de Linfócitos T, e também aumenta a atividade de células NK (natural killers), responsáveis pela identificação e destruição de células anormais, células infectadas ou cancerosas. Além disso, se meu coração está coerente ele produz FNA (fator naturético atrial), com ação imunológica e cerebral pré-frontal, com amplas implicações em meu nível de consciência  individual.Se eu estiver em paz, reproduzirei, naturalmente, essa paz ao redor de mim mesmo!! Veja mais sobre cardiocoerência nos seguintes links:

Lucinthya Gomes: O senhor disse que já vivenciou algumas experiências que resultam da fé. O senhor pode descrever algumas dessas situações?

Cláudio Azevedo: Fé implica em entrega. Entrega implica em confiar que tudo no Universo está em perfeita ordem, numa ordem natural. Isso para o cristão é aceitar a vontade do Pai, para o budista é a ausência de desejos e para o iogue hindu é “entregar-se ao Senhor”. A psicologia transpessoal estuda os estado de consciência que vão além do estado pessoal. Estuda aquilo que vai além de nossa personalidade, além do ego. Aquele nível onde o destemor e a confiança habitam. Onde somos apenas observadores de nós mesmos. Verdadeiros milagres acontecem sempre que a personalidade se entrega em confiança ao Self, presente em nós mesmos. Eis o mistério da fé!

Há cerca de três anos tive a minha primeira e única cólica nefrética devido a um cálculo renal. Para a medicina oriental, os cálculos renais são cristalizações de nossos medos. A causa da imensa dor sentida é a contração espasmódica da musculatura de nosso ureter, reagindo à passagem do cálculo pelo seu interior. Enquanto a minha atitude mental foi de resistência àquela dor, nada a cedeu. No momento em que me entreguei mentalmente ao fato (a dor), relaxei a minha musculatura totalmente (como se aceitasse urinar a pedra) e me lembrei das palavras de fé “seja feita a vossa vontade” a dor, em questão de segundos, foi passando gradualmente. A minha explicação fisiológica foi de que, de alguma forma, essa minha atitude mental produziu em mim certos peptídeos que relaxaram a musculatura lisa de meus ureteres e a dor se foi. Algumas semanas mais tarde eu expeli a pedra na urina… 

Lucinthya Gomes: O senhor sempre teve certeza da sua fé? Ou passou por alguma vivência que despertasse isso?

Cláudio Azevedo: O destemor e a auto-entrega é um exercício constante. Confiar! Confiar na ordem natural! Falar em entrega e auto-confiança pode parecer algo de se entregar ao problema, à deprimido e inerte, esperando que algo fora de mim mesmo venha me salvar. Nada disso. Confiar é o exercício pleno de uma forma de vontade conhecida como força de vontade passiva, aquela que força de vontade que quer algo, mas que não se estressa. Aquela força de vontade que busca soluções de uma forma totalmente não-obsessiva. Aquela força de vontade que nos deixa presentes e observadores; silentes e em paz. Não é algo de se deitar e esperar, mas de se levantar e andar normalmente, consciente do problema e confiante de que a solução não tardará, enquanto caminhamos em busca dela. E é quando menos esperamos, quando o silêncio se faz mais presente em nossa mente, que o milagre acontece! 

Lucinthya Gomes: O senhor acredita que a fé pode ajudar a pessoa a se curar de uma doença ou mesmo que uma pessoa de fé tenha mais força para lutar contra os problemas?

Cláudio Azevedo: Não se trata de luta, mas de compreensão dos fatores que me levaram a estar em determinada situação da vida.  Se trata de aceitar as coisas que se me apresentam no presente como conseqüências de um passado de escolhas. Se trata de reconhecer responsabilidades e não culpas. Nada de culpas. Culpabilidade somente nos afasta do estado de paz necessário à fé. Reconhecendo nossas escolhas pretéritas refazemos escolhas e construímos um novo futuro, já aqui e agora, no presente… 

Lucinthya Gomes: O senhor conhece algum estudo científico sobre isso?

Cláudio Azevedo: Não. 

Lucinthya Gomes: Com relação a fé, como o senhor vê o mundo nos dias de hoje? As pessoas têm fé? Como o senhor acha que as pessoas têm praticado a fé?

Cláudio Azevedo: A fé é uma atitude interna, e não uma demonstração externa. Por isso é quase impossível dizer se alguém é uma pessoa de fé. O que se nota é que o estresse diário, e nossas reações mentais a esse mesmo estresse, está nos fazendo doentes e impotentes, fechando-nos em um campo de medos e depressão. 

Lucinthya Gomes: Qual a sua religião? O senhor acha que a fé está associada à religião?

Cláudio Azevedo: Nasci em berço católico, fui espírita, budista e hindu. Encontrei a religiosidade em todos esses grupos sociais. O Inominado e Incognoscível está em todas elas e em todas as pessoas. Hoje tento seguir o Inominado e Incognoscível que em mim habita. A fé, claro, está relacionada à religiosidade, mas a transcende. Fé está relacionada com o espírito destemido de um guerreiro da paz, aquele que está buscando dialogar consigo mesmo, descobrir suas próprias falhas, conhecer-se e evoluir!

 

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