Uma Revolução Transdisciplinar

Projeto Holopráxis

Universidade da Paz – DF

  A transdisciplinaridade é renovadora e revolucionária. Em primeiro lugar, porque ela nos liberta da prisão a um único código, a uma só linguagem ou  um esquema conceitual e referencial exclusivo ou fechado. A prática transdisciplinar é uma chave iniciática. Ela permite desmontar a Torre de Babel das linguagens diferentes que ainda hoje separa os seres humanos.  Ela estimula nossa capacidade de aprender a aprender. A transdisciplinaridade traz consigo o estudo comparado de filosofias, ciências e religiões. Ela nos conecta com a essência das várias formas de buscar a verdade. Ela nos liberta da crença cega ou estreita e abre o caminho da percepção direta.  Ela nos leva além da mera palavra e faz renascer  a intuição.  Ela  estimula a  prática da consciência universal, e, assim, fortalece nossa conexão com nossa própria essência.

Qual a importância da prática transdisciplinar para a Universidade da Paz?  Entre os documentos que norteiam a ação da Unipaz estão: 

Os três documentos têm profundas implicações para um projeto de Rede de Holopráxis, que busque estimular em todos a prática da percepção holística.  Eles dão alguns fundamentos centrais – aquilo que a tradição maçônica chama de “landmarks” ou princípios axiomáticos – para um sistema aberto e dinâmico de estímulos à pratica do auto- aperfeiçoamento. 

A seguir, vejamos, em negrito, nove exemplos selecionados de princípios propostos por esses documentos. Seu poder inspirador e norteador chama a atenção, quando fazemos uma leitura calma e atenta. 

1) “A dignidade do ser humano também é de ordem cósmica e planetária. (…) O reconhecimento da Terra como pátria é um dos imperativos da transdisciplinaridade.” (Carta da Transdisciplinaridade, art. 08)

A proposta de uma civilização global e solidária não surgiu recentemente. Já na Grécia antiga, o filósofo pré-socrático Demócrito –  que nasceu  há cerca de 2.470 anos, ensinou:  “Toda a Terra está à disposição do homem sábio, porque a pátria de uma alma boa é todo o universo”. Aliás, a filosofia clássica de Grécia e Roma (assim como a filosofia esotérica) sempre foi  essencialmente transdisciplinar.  Ela trabalhava a partir da premissa da unidade dinâmica de tudo o que há no universo. 

2) “O reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade, regidos por lógicas diferentes, é inerente à atitude transdisciplinar. Toda tentativa de reduzir a realidade a um só nível regido por uma lógica única não se situa no campo da transdisciplinaridade.” (Carta da Transdisciplinaridade, art. 02)

[Aqui temos o complexo jogo de interação e diálogo entre os vários níveis de consciência do corpo, da alma mortal e da alma imortal. E isso nos leva ao próximo item.] 

3) “Uma educação autêntica não pode privilegiar o abstrato no conhecimento. Ela deve ensinar  a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos.” (Carta da Transdisciplinaridade, art. 11)

[Essa contextualização e concretização não  podem nem devem ser apenas individuais.  Precisam ser, também, coletivas. A educação para a paz e a vivência da ajuda mútua devem criar e provocar novas relações econômicas, novas formas de habitar os espaços comuns em cidades ou ecovilas. Uma nova cultura, uma nova medicina, uma nova  física, uma nova pedagogia, um  novo comércio e uma  nova agricultura já vão surgindo. Agora, é  preciso avançar trocando a  pequena escala intersticial  por  escalas maiores,  e obter mais coerência.  Deve, também,  surgir uma nova sociologia.] 

4) “Toda e qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma definição e de dissolvê-lo no meio de estruturas formais, sejam quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar.” (Carta da Transdisciplinaridade, art. 01) 

5) “Rigor, abertura e tolerância são características fundamentais da visão transdisciplinar. O rigor na argumentação que leva em conta todos os dados é o agente protetor em relação a todos os possíveis desvios.  A abertura comporta aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito [que o outro tem] a idéias e verdades diferentes das nossas.” (Carta da Transdisciplinaridade, art. 14)

[Devemos desconfiar das nossas certezas, re-examiná-las regularmente e aprender com os questionamentos que elas recebem dos outros.  Mas temos o direito de defendê-las, respeitosamente, enquanto não nos demonstrarem que estão erradas.] 

6) “O todo e as partes estão sinergicamente em inter-relações dinâmicas, constantes e paradoxais.” (Princípios Éticos, princípio 01)

[H.P. Blavatsky escreveu: “O paradoxo parece ser a linguagem natural do Ocultismo”.  ] 

7) “Focalizar com abertura e exame crítico a complementariedade e a contradição na  consideração do relativo e do absoluto, da vida quantitativa e da qualitativa, a serviço da vida, do homem e da evolução.” (Princípios Éticos,  princípio 03)

[Serenidade no exame do que parece contraditório.  O poeta inglês Alexander Pope escreveu, e citei no livro  “O Poder da Sabedoria”: “Toda natureza é apenas arte, desconhecida por ti; todo acaso, apenas direção, que tu não podes ver; toda discórdia, harmonia não compreendida; todo mal parcial, bem universal; e apesar do orgulho, e da razão que falha, uma verdade é clara; tudo que é, é correto”.  A chave para compreender essas afirmativas paradoxais de Pope é que, quando vista em seu movimento dinâmico, a natureza “corrige” historicamente todos seus “erros”.  A vida escreve certo por linhas aparentemente tortas.  Todos os erros são compensados,  na dinâmica holística  do cosmo.] 

8) “(…) Mesmo admitindo as diferenças fundamentais entre Ciência e Tradição, reconhecemos ambas em complementariedade e não em contradição.” (Declaração de Veneza,  ponto 01) 

9) “Reconhecemos a necessidade premente de pesquisa autenticamente transdisciplinar mediante uma dinâmica de intercâmbio entre as ciências naturais,  sociais,  artes e tradição. Poderia ser dito que esse modo transdisciplinar é inerente ao nosso cérebro pela dinâmica de interação entre os seus dois hemisférios.” (Declaração de Veneza, ponto 03)

[Aqui aparece a necessidade de que a Universidade da Paz tenha, assim como têm as universidades  convencionais,  uma forte Divisão ou Área de Pesquisas, em que se faça avançar (através de novos conhecimentos) a arte e a ciência da paz a todos os níveis. Nessa Área ou Divisão devemos vincular o conhecimento da paz com as diferentes ciências, entre elas as ciências sociais.  O que nos levará a discutir a u-topia da paz e, paradoxalmente, também o topos da paz, a topografia da  paz e os cenários de futuro saudáveis e desejáveis para nossa sociedade – tanto local como globalmente.]

Carlos Cardoso Aveline 


(Março de 2005)

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